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O ministro da Economia, Paulo Guedes, tenta resistir às pressões para decretação de um novo estado de calamidade pública. A pressão vem, principalmente, do Senado, diante do impasse sobre o Orçamento e da necessidade de reedição de programas emergenciais para atenuar os efeitos da pandemia de Covid-19. Guedes é contra a ideia, pois considera a solução ventilada um “cheque em branco” à classe política, abrindo a porteira para a “gastança”, o que “derrubaria” o país.
O presidente da República é quem tem a prerrogativa de pedir a decretação de calamidade pública e o Congresso, de aprovar. Uma vez aprovado o pedido, o governo estaria autorizado a pagar despesas relacionadas ao enfrentamento da calamidade fora das regras fiscais vigentes, como o teto de gastos (que limita as despesas à inflação), a meta de resultado primário (que estabelece a diferença entre as receitas e as despesas) e a regra de ouro (que impede o endividamento para bancar despesas correntes). Essas regras existem justamente para controlar as contas públicas.
O acionamento da calamidade já foi usado no ano passado, quando o Brasil e o mundo foram surpreendidos pela pandemia de Covid-19. Em 2020, a União gastou R$ 524 bilhões com despesas relacionadas à pandemia, o equivalente a 7% do PIB, sem nenhuma amarra fiscal. O valor fez com que o governo federal terminasse o ano com um rombo de R$ 743,1 bilhões, o maior de toda a série histórica, iniciada em 1991. O maior gasto ligado à Covid foi o auxílio emergencial, que custou R$ 293 bilhões aos cofres públicos.
A ideia que tem circulado nos bastidores do governo e do Congresso é decretar a calamidade novamente neste ano, com efeitos até dezembro, para que o Executivo possa retomar sem risco de crime de responsabilidade fiscal os programas emergenciais de combate à Covid-19 e aos seus efeitos, assim como fez no ano passado. O acionamento também daria tranquilidade para adotar as medidas pelo tempo e custo necessários, já que ninguém sabe quando a pandemia vai arrefecer.
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Guedes considera nova calamidade um convite à gastança
Guedes, contudo, resiste à ideia. Ele reconhece que o decreto traria a tranquilidade para o governo executar gastos extras neste ano, além de facilitar a resolução do imbróglio atual do Orçamento. Mas teme que o Congresso e o restante do governo aproveitem a situação para aprovar gastos não prioritários, sem nenhuma contrapartida fiscal.
A emenda constitucional 109, decorrente da PEC Emergencial, permite que, ao decretar calamidade, o governo acione medidas de contenção de gastos, como congelamento de salário de servidores e criação ou majoração de despesas obrigatórias. O que acontece é que essas medidas já estão em vigor até 31 de dezembro deste ano, como contrapartida à lei complementar 173/2020, que autorizou a transferência de recursos extras a estados e municípios no ano passado.
A versão do governo para a PEC Emergencial previa que, ao acionar a calamidade, as medidas de contenção de gastos valeriam por até três anos. Só que o Congresso restringiu a vedação ao período em que durar o decreto de calamidade, o que não fará diferença para este ano. É por isso que o ministro entende que acionar a calamidade apenas liberaria os gastos extras, sem nenhuma contrapartida.
“[O estado de calamidade pública] seria apenas uma licença para gastar. Seria um cheque em branco”, disse Guedes em evento com investidores na semana passada. “Em vez de ser um sinal de estabilidade, seria o contrário”, completou.
Ele afirmou, ainda, que "apertar o botão” de calamidade derrubaria o país. "Estamos na cauda da pandemia e se tiver que gastar 0,5% ou 1% do PIB com Pronampe e BEm, não é isso que vai derrubar o Brasil. O que vai derrubar o Brasil é um cheque em branco para gastar 4%, 5%, 8% do PIB de novo. Isso acaba com o país.”
A equipe econômica quer que os gastos extras relacionados à Covid fiquem em até 1% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. Esse valor já teria sido aceito e precificado pelo mercado. Gastos acima desse limite, na visão da Economia, seriam um sinal de afrouxamento na condução da política fiscal, o que teria reflexos na dívida pública e nos juros de longo prazo. No ano passado, a dívida pública chegou a 89,3% do PIB, puxada pelas despesas com a pandemia.
PEC fura-teto surge como alternativa para evitar calamidade
Para acomodar esses gastos extras em até 1% do PIB, a equipe econômica estuda apresentar uma proposta de emenda à Constituição (PEC). Essa PEC viabilizaria ao menos R$ 35 bilhões em gastos emergenciais relacionados ao combate à pandemia e aos seus efeitos fora das regras fiscais vigentes, sem a necessidade de acionar a calamidade pública, que permitiria gastos indiscriminados.
Com isso, o governo conseguiria destravar a reedição de programas como o de redução de jornada e de salário (BEm) e o de crédito a pequenas empresas (Pronampe) e pagar outras despesas que surgirem a valores preestabelecidos. A estratégia de apresentar uma PEC já foi utilizada para o retorno do auxílio emergencial, que começou a ser pago neste mês, ao custo total de R$ 44 bilhões aos cofres públicos.
Só que essa nova PEC em estudo tem sido vista nos bastidores como uma manobra de contabilidade criativa para liberar espaço no Orçamento de 2021 para as emendas parlamentares, o ponto que está travando a sanção da peça orçamentária. Por isso, ela enfrenta resistências dentro do próprio governo e pode não vigorar, aumentando ainda mais a pressão pelo decreto de calamidade.