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As primeiras medidas econômicas da administração de Donald Trump nos Estados Unidos ampliaram a incerteza econômica mundo afora. A imprevisibilidade torna os mercados ainda mais voláteis e reforça projeções de aumento da inflação e redução do crescimento global.
Ao adotar tarifas sobre importações e adotar um discurso com viés protecionista, os EUA alteraram a dinâmica do comércio internacional. Analistas alertam para possíveis impactos, sobretudo em economias emergentes, como o Brasil. Medidas já anunciadas miraram desde a "inimiga" China até países parceiros como Canadá e México.
Uma das mais recentes foi a adoção de uma tarifa de 25% sobre as importações de aço e alumínio, com o objetivo de fortalecer a indústria doméstica. Paralelamente, o governo estabeleceu medidas de retaliação contra países que impõem tarifas a produtos norte-americanos.
Arnulfo Rodríguez, analista do banco espanhol BBVA, entende que as tarifas vêm sendo utilizadas por Trump como instrumento para forçar a negociação em questões de política externa. Mas afirma que elas carregam potenciais consequências econômicas.
Segundo Lívio Ribeiro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e sócio da BRCG Consultoria, o estabelecimento de tarifas sobre importações tem sido marcado por idas e vindas, trazendo incertezas aos mercados internacionais. "Esse cenário gera reações em cadeia que são difíceis de prever", analisa o pesquisador.
Para o Bradesco, o protecionismo norte-americano pode resultar em mudanças estruturais nos fluxos comerciais. Segundo Felipe Wasjkop França, economista do banco, embora a retórica protecionista fosse esperada na agenda do governo Trump, a implementação das tarifas ocorreu de forma mais ampla do que muitos previam.
O Bradesco calcula que a intensificação das tarifas comerciais entre os Estados Unidos e parceiros pode reduzir em até 2,1% o crescimento do PIB global nos próximos quatro anos, ao mesmo tempo em que adiciona 4,5 pontos percentuais à inflação mundial no mesmo período.
Incerteza adia decisões de investimento e eleva custos das empresas
O banco classifica de "errática" a postura dos EUA na política externa e diz que ela tende a afetar o PIB global à medida que decisões de investimentos das empresas são postergadas até que o cenário se torne mais claro.
Ou seja: não é só o estabelecimento de tarifas que afeta a economia, mas a própria dificuldade de prever os próximos passos. Quanto mais tempo demorar para o horizonte clarear, mais as decisões tendem a ser adiadas.
Em newsletter enviada a leitores no último domingo (9), Adam Roberts, um dos editores da revista britânica The Economist, comentou sobre a enxurrada de ações e declarações de Trump, e como ela dificultava a "digestão" do que estava sendo anunciado e a preparação para os próximos passos.
"Entre o momento em que escrevo este boletim e você o lê, sem dúvida outra enxurrada de notícias terá sido desencadeada", apontou o jornalista. De fato: horas depois, Trump anunciou tarifas sobre aço e alumínio.
Ainda que medidas anteriores de Trump tenham sido temporariamente suspensas após negociações com os países envolvidos, o que não pode ser descartado também no caso de aço e alumínio, a mera incerteza cobra seu preço.
Um exemplo. Caso uma siderúrgica decida baixar a produção, considerando a dificuldade de competir no mercado norte-americano após o "tarifaço", poderá ter de desligar um ou mais altos-fornos. Trata-se de um processo complexo, custoso e que pode demorar de cinco a sete dias, conforme o caso. Envolve a redução gradual da alimentação de matérias-primas e do fluxo de ar, para que a temperatura caia gradualmente e não provoque danos à estrutura do alto-forno.
Caso depois as tarifas sejam suspensas ou reduzidas e essa mesma empresa decida reiniciar o alto-forno, terá de aquecê-lo gradualmente até atingir a temperatura operacional, o que pode levar de dez a 14 dias.
Geopolítica tende a interferir mais nas relações comerciais
De acordo com Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, as negociações comerciais recentes refletem uma tendência de maior influência geopolítica no comércio internacional, priorizando aspectos estratégicos sobre fatores econômicos tradicionais.
"Em vez de apenas eficiência econômica, fatores geopolíticos e de segurança nacional passaram a nortear as negociações entre países. Esse movimento foi intensificado nos últimos anos e pode reduzir o ritmo do comércio global", afirma.
Felipe Uchida, do departamento de análises da Equus Capitla, destaca que as tarifas adicionam pressão sobre os fluxos comerciais globais, repercutindo de forma direta em países exportadores como o Brasil.
A Allianz Trade avalia que o aumento de tensões comerciais entre Estados Unidos e China pode trazer volatilidade ao mercado de commodities, setor chave da economia brasileira.
Apesar de algum alívio temporário, dado pela recuperação dos preços de commodities e pelo adiamento de novas tarifas por parte da administração Trump, o quadro internacional segue desafiador.
Economistas da XP Investimentos apontam que a persistência no crescimento econômico e na inflação nos Estados Unidos reduz a probabilidade de cortes nas taxas de juros em 2025. Caso protecionismos se aprofundem, produtos importados podem se tornar ainda mais caros.
Taxas de juros mais elevadas nos Estados Unidos também poderiam atrair investidores estrangeiros, levando à fuga de capitais de economias emergentes e à consequente desvalorização do real. Sob esse cenário, os custos de financiamento para empresas e governos brasileiros seriam pressionados, enquanto a inflação tenderia a aumentar.
Decisões de Trump estão ligadas a mudanças nas alianças geopolíticas e comerciais
Além dos efeitos econômicos, as decisões de Trump estão conectadas a mudanças nas alianças geopolíticas e comerciais. A intensificação de disputas comerciais entre Estados Unidos e China, por exemplo, pode criar oportunidades para o Brasil como fornecedor de commodities para o mercado chinês. Entretanto, tais oportunidades também trazem desafios ao posicionar o país entre duas potências econômicas globais.
O Itaú Unibanco avalia que os potenciais benefícios para o Brasil podem ser limitados. Ao contrário da guerra comercial entre 2018 e 2020, a estrutura atual do comércio global tem menos espaço para ganhos substanciais nas exportações brasileiras de commodities.
Além disso, possíveis alterações nos acordos comerciais do Mercosul, como uma eventual saída da Argentina do bloco sob o governo Javier Milei, poderiam gerar instabilidade regional, dificultando uma reação mais robusta do Brasil.