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Setores econômicos

Os desafios de 2022 para quem ainda está se recuperando da crise da pandemia

Anfavea desafios 2022
Produção de veículos no país deve ter crescimento nas projeções da Anfavea, com expectativa de que o Brasil acompanhe tendência global. (Foto: Divulgação/Estado do Rio de Janeiro)

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Perda de dinamismo da atividade econômica, insumos com preços elevados e preocupações com a situação financeira. Estes são os desafios de segmentos tão díspares quanto montadoras, têxteis, companhias aéreas e bares e restaurantes. São segmentos que têm pontos em comum: fortes taxas de crescimento em 2021, motivadas pela base fraca de 2020, e que ainda não se recuperaram por completo.

Um dos setores em que é mais evidente a perda de dinamismo da atividade econômica é a indústria. A taxa de crescimento acumulada em 12 meses, que estava em 13,2% em maio, caiu para 5,7% em outubro do ano passado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Um fator fundamental pesa no desaquecimento da indústria, segundo o coordenador da pesquisa industrial no IBGE, André Macedo: a demanda doméstica enfraquecida. “A massa de rendimentos pouco avança, os empregos que surgem são em níveis salariais menores e a inflação e os juros estão em alta”, diz.

Não bastasse isso, a indústria tem de lidar com o desarranjo na cadeia produtiva, que levou ao encarecimento de insumos industriais. A alta nos preços para o produtor, nos 12 meses encerrados em outubro, foi de 28,83%. Em segmentos como fabricação de derivados do petróleo, produtos químicos e metalurgia, a alta superou os 50%.

Os desafios das montadoras

O ano de 2021 não foi fácil, aponta o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes: “Foi o ano da crise da oferta. Nunca vimos uma limitação da oferta nesses moldes”. Fábricas chegaram a suspender a produção. Mesmo assim, puxada pela base fraca de 2020, a produção cresceu 28,2%.

Falta de insumos, como microchips, atraso nos fretes e falta de contêineres afetaram a indústria em escala global. A consultoria BCG projeta uma queda entre 10 milhões e 12 milhões de unidades na produção mundial de veículos em 2021. Isto equivale a algo correspondente a cinco ou seis vezes a produção anual brasileira.

As expectativas são de que esses gargalos continuem em 2022, porém, em menor intensidade. Segundo a seguradora de crédito Euler Hermes, as interrupções na cadeia de abastecimento global continuarão até o segundo semestre.

Três fatores devem impulsionar a normalização do comércio a partir da metade final de 2022:

  • Um esfriamento dos gastos do consumidor com bens duráveis, dados seus ciclos de substituição mais longos e a mudança para comportamentos de consumo sustentáveis;
  • Escassez de insumos menos aguda, já que os estoques voltaram aos níveis pré-crise ou até mesmo ultrapassaram os níveis anteriores à crise na maioria dos setores e o investimento aumentou (principalmente nos EUA);
  • Congestionamentos de navegação reduzidos à medida que a capacidade aumenta.

Os sucessivos problemas levaram as montadoras a fazerem revisões em suas expectativas de crescimento. Em janeiro, elas projetavam um crescimento de 25% na produção em relação a 2021. A expectativa, agora, depois de duas revisões é de encerrar o ano com uma expansão entre 6% e 10%.

As previsões para 2022 estão sendo calculadas e devem ser divulgadas no início de janeiro pela Anfavea. Mas Moraes dá uma pista: também será um ano desafiador. Além de trabalhar com os problemas nos insumos, o setor terá de conviver com a alta nos juros para o financiamento de veículos.

A taxa básica dos juros, a Selic, sobe desde março. E a taxa média cobrada nos financiamentos de veículos passou de 1,58% ao mês em março para 1,86% ao mês em outubro, segundo o Banco Central.

Mesmo com os desafios que tem pela frente, a indústria automobilística vê oportunidades. Uma delas é trazida pelo 5G, que começa a ser implantado no Brasil. “Ele vai possibilitar uma série de avanços, possibilitando o desenvolvimento da internet das coisas e aprofundando o conceito de indústria 4.0”, afirma Moraes.

Ele complementa dizendo que a nova tecnologia permitirá o oferecimento de novos serviços, promovendo a redução de custos. “Vai dar uma nova dimensão no caso da produção e assegurará uma nova fase na segurança veicular”, exemplifica. Mas também vai exigir mais semicondutores. Hoje um carro tem cerca de mil e nos próximos anos deverá ter o dobro.

Comércio revê projeções

A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) rebaixou a expectativa de crescimento do volume de vendas em 2021 de 3,6% para 3,1%. A atividade vem experimentando quedas em seu desempenho desde agosto, de acordo com o IBGE. E para o próximo ano, a expectativa é de um tímido crescimento de 1,2%.

Uma série de fatores ajuda a explicar o desaquecimento da atividade comercial. “Há uma ligeira queda no crédito para as famílias, a alta da Selic já impacta nas vendas e não há espaço para aumento no endividamento das famílias por causa da inflação”, diz o coordenador de pesquisas de comércio no IBGE, Cristiano Santos.

Fábio Bentes, economista da CNC, aponta que o bônus representado pelo aumento da circulação de consumidores, que permitiu a reação do setor após as duas ondas da pandemia, se mostra próxima ao esgotamento. Em novembro, pela primeira vez desde o início da crise sanitária, a mobilidade atingiu níveis similares aos de fevereiro de 2020.

Reestruturação com pressão de preços

Um segmento que se reestruturou com a crise foi o de tecidos, vestuário e calçados, que nos 12 meses encerrados em outubro cresceu 20,4% em comparação a igual período do ano anterior, aponta o IBGE. “Ele passou por uma reformulação em sua estratégia de vendas, por mudança de canais e de comportamento do consumidor”, cita Santos.

Mas o comércio enfrenta uma pressão de custos vindos da indústria. Os preços ao produtor para a indústria têxtil aumentaram quase 26% nos 12 meses encerrados em outubro. Dois dos vilões são o algodão e a energia, diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel. “Mas essa alta não deverá chegar totalmente no varejo”, ressalta.

Se nos 12 meses concluídos em outubro o segmento cresceu 15,9%, segundo o IBGE, as expectativas para 2022 são bem mais tímidas. “De um lado temos o retorno do emprego formal e informal e o Auxílio Brasil, que injeta renda para o consumo. Mas, por outro lado, teremos o ruído e a volatilidade da campanha eleitoral”, diz o dirigente.

Serviços: cautela com a inflação

O volume de serviços prestados caiu 1,2% em outubro, comparativamente a setembro, apontam dados do IBGE. O coordenador da pesquisa, Rodrigo Lobo, aponta que essa queda foi disseminada, atingindo quatro dos cinco setores pesquisados, e 23 das 27 unidades da federação. Mas, no acumulado de 12 meses, há um crescimento de 8,2%, o maior em nove anos.

Os economistas do banco MUFG Brasil apontam que a inflação alta no curto prazo pode continuar prejudicando o desempenho de diversos segmentos de serviços, uma vez que representa custos para as empresas e reduz o poder de compra das famílias.

A expectativa vem justamente do único segmento que apresentou alta em outubro: os serviços prestados às famílias, que incluem itens como alojamento e alimentação. “Eles sofreram bastante com a pandemia por causa da sua natureza e vêm gradativamente se recuperando”, diz Lobo, do IBGE. Em outubro, o nível de atividade ainda estava 13,6% abaixo do nível pré-pandemia.

A instituição financeira avalia que o segmento de serviços prestados às famílias tem mais espaço para se recuperar e tem sido favorecido pela maior mobilidade, que beneficia serviços como bares e restaurantes, cabelereiros e clínicas de saúde.

A expectativa é favorável para os segmentos dependentes do turismo. “A expectativa para essas atividades nos próximos meses segue favorável, apesar de as restrições e o cancelamento de eventos relevantes retardarem a retomada da recuperação plena do potencial de geração de receitas”, diz Bentes, da CNC.

Transporte aéreo: voando em busca dos níveis pré-pandemia

Quem está esperançoso com a recuperação é o transporte aéreo, que apresentou crescimento de 35,9% nos dez primeiros meses de 2021, comparativamente a igual período do ano anterior, segundo o IBGE. A forte expansão não esconde que o segmento ainda não voltou a operar nos níveis pré-pandemia.

O cenário interno é melhor que o externo. Segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a demanda doméstica nos 12 meses encerrados em outubro ficou 32,23% abaixo da registrada no ciclo encerrado em outubro de 2019. Os números internacionais são piores: 81,7% menores no comparativo entre esses dois períodos.

O presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Eduardo Sanovicz, aponta que a recuperação da malha doméstica deve se concretizar ao longo do primeiro semestre de 2022. “Os passageiros a lazer e corporativos estão voltando. Falta a retomada dos grandes eventos, como feiras e congressos.”

A entidade aponta que o marco da recuperação é visível: as empresas estão entrando em cidades antes não atendidas e já veem a retomada integral.

A recuperação internacional deve vir só entre 2023 e 2024, segundo a Associação Internacional do Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês). E o Brasil tem algumas particularidades, diz o presidente da associação: pelo menos 80 países ainda fazem algum tipo de restrição à entrada de brasileiros, e a disparada do dólar comprometeu a capacidade de viajar para o exterior.

“O país precisa reconstruir sua imagem no exterior quanto à vacinação e é necessário gerar um cenário econômico que permita investir no país.”

É justamente essa situação que mais preocupa o setor. Analistas da XP Investimentos têm uma visão positiva em relação ao cenário competitivo das companhias aéreas brasileiras, mas veem alguns entraves: o real fraco, preços de combustíveis elevados e atividade econômica frágil.

A alta do dólar também afeta negativamente o desempenho das empresas. “O querosene de aviação subiu 71,1% no ano, impulsionado pelo dólar – o combustível é cotado nessa moeda – e pela alta nos preços do petróleo. Só ele responde por um terço dos custos”, afirma Sanovicz.

Outra pressão negativa que vem com a apreciação da moeda americana é em relação ao aumento dos custos com o leasing dos aviões. Segundo a Abear, 51,1% deles estão relacionados aos combustíveis e ao arrendamento.

Bares e restaurantes: endividamento é o maior problema

Outro segmento que também registrou forte crescimento em 2021 foi o de alojamento e alimentação. Dados do IBGE mostram que a expansão nos nove primeiros meses do ano foi de 18,9% em comparação a igual período de 2020. Mas os números que realmente importam são outros.

O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, mostra que o setor está com mais vigor do que antes da pandemia. “No segundo semestre já estamos com um crescimento de 3% em relação ao mesmo período de 2019. O consumidor voltou animado.”

Apesar da expansão, o segmento enfrenta desafios. Um dos maiores é em relação à situação financeira das empresas. Pesquisa feita pela entidade mostra que 35% delas ainda estão operando no prejuízo. “Elas não conseguem repassar a alta dos preços aos cardápios e estão com margens fracas”, diz Solmucci. A inflação da alimentação fora do domicílio foi de 6,95% nos 12 meses encerrados em novembro, segundo o IBGE.

O presidente da associação acredita que, até o fim do ano, metade do postos de trabalho fechados durante a pandemia – 1,2 milhão – sejam reabertos: “Com a crise, o segmento teve de buscar ganhos de produtividade, por meio da revisão de processos, e encontrar alternativas para absorver parte da alta nos preços”.

O endividamento é fonte de preocupação por causa da alta da Selic. Durante os piores momentos da crise, o governo ofereceu linhas de crédito por meio do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) indexadas à taxa básica de juros. Só que esta, devido à alta da inflação, passou de 2% em março para 9,25% ao ano em dezembro. E novas altas são esperadas para o começo de 2022.

“O custo do capital mais do que triplicou e 22% das empresas estão atrasadas com o programa. O segmento está sendo estrangulado pela alta na Selic”, diz o presidente da Abrasel. A entidade já conversou sobre o assunto com o governo, que disse que a responsabilidade da mudança está nas mãos do Congresso.

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