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Atividade econômica

Economia começa a dar sinais de desaceleração. Quem está freando e quem ainda avança

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A economia brasileira dá sinais de desaceleração, e o setor industrial é o que tem o pior desempenho neste ano. (Foto: Albari Rosa/Arquivo/Gazeta do Povo)

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A economia brasileira começa a dar sinais de desaquecimento por causa do alto patamar da taxa de juros.A desaceleração é mais evidente na indústria, mas também já afeta o comércio, onde as condições de crédito mais apertadas e o endividamento das famílias limitam o crescimento das vendas. Para os serviços, hoje o setor que mais cresce, a expectativa é de que o desempenho continue positivo pelo menos até o fim deste ano.O desaquecimento da atividade econômica se reflete em uma perda de confiança entre empresários e consumidores. Segundo o superintendente de estatísticas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), Aloisio Campelo Jr., o setor produtivo espera uma desaceleração na atividade econômica nos próximos meses.

“Há certa resiliência no setor da construção, que continua registrando aumento da carteira de contratos e um bom nível de atividade corrente. No extremo oposto, a desaceleração continua se aprofundando na indústria, com queda do nível de utilização da capacidade pelo terceiro mês seguido e piora da percepção sobre a procura interna e externa por produtos industriais. No setor de serviços, o bom momento do segmento de serviços prestados às famílias vem segurando uma queda mais acentuada da confiança”, diz ele.

A coordenadora de sondagens do Ibre/FGV, Viviane Seda Bittencourt, aponta que os consumidores de menor poder aquisitivo podem estar mais otimistas pelo efeito das transferências de renda, redução da inflação e crescimento dos postos de trabalho. As famílias de maior renda, por outro lado, estão revendo suas expectativas.

“Apesar do resultado mais favorável para as classes de renda mais baixa, o endividamento das famílias e as taxas de juros mais elevadas limitam uma recuperação mais robusta”, afirma Bittencourt.

As projeções de economistas para a economia brasileira em 2023 mostram uma certa dispersão, mas mesmo os mais otimistas esperam crescimento inferior ao de 2022.

O ponto médio das expectativas de bancos e consultorias aponta para crescimento de 2,77% neste ano e de apenas 0,7% no próximo – as expectativas para 2023 vão de retração de 0,5% a avanço de 2,31%, segundo o boletim Focus, do Banco Central.

O Ministério da Economia, por sua vez, projeta alta de 2,7% em 2022 e 2,1% em 2023. A expectativa da equipe de Paulo Guedes para o próximo ano era de 2,5%, mas foi reduzida na última quinta-feira (17).

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Perda de ritmo é mais evidente na indústria

Um dos setores onde a perda de ritmo é mais evidente é na indústria. Segundo o IBGE, a produção encolheu 1,1% nos nove primeiros meses deste ano e 2,3% no acumulado de 12 meses.

Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), faturamento, emprego e utilização da capacidade instalada recuaram em setembro. Mesmo assim, o setor mantém-se em relativo otimismo.

“Apesar da desaceleração registrada nesse mês, existem elementos que podem afetar positivamente a indústria de transformação, entre eles a recomposição contínua da renda da população, que permite a sustentação do consumo dos bens industriais, e a reorganização da cadeia produtiva, que alivia a pressão sobre os custos de transformação”, explica a economista Larissa Nocko, da CNI.

A expectativa do MUFG Brasil é diferente. O banco acredita que a combinação de condições de crédito mais apertadas a partir da alta taxa de juros – atualmente a taxa Selic está em 13,75% ao ano – em meio a um aumento de endividamento das famílias leve a uma demanda mais fraca de bens mais caros, como veículos, eletrônicos e eletrodomésticos.

Outra ameaça vem de fora. “A provável extensão da política de Covid zero na China leva ao risco de paralisações adicionais de fábricas por lá, o que afeta a cadeia de suprimentos  de componentes industriais”, aponta o banco.

Outra pesquisa feita pela CNI aponta que a falta ou alto custo da matéria-prima deixou de ser o principal problema para as micro e pequenas indústrias, setor extrativo e da construção. Na indústria de transformação, o entrave ainda é o principal problema, porém com menor intensidade.

“O problema da falta ou alta do custo de matéria-prima não deixou de existir, mas foi menos assinalado no terceiro trimestre pelas pequenas indústrias. A expectativa é de que recue ainda mais no fim de 2022”, afirma a analista de políticas e indústria da CNI, Paula Verlangeiro.

Os economistas Marco Caruso e Eduardo Vilarim, do banco Original, também não veem muito motivo para otimismo no setor. Segundo eles, a perspectiva de desaceleração global tende a trazer um viés negativo para a indústria extrativa, especialmente a de mineração de ferro, cujos preços caíram pela metade desde abril.

Eles apontam que a indústria de transformação esbarra em uma taxa de juros mais alta, que tende a diminuir investimentos e a demanda por produtos de maior valor agregado. Um dos poucos segmentos que deve ter um desempenho mais forte é o alimentício, puxado pelas boas expectativas para a safra.

Crédito e endividamento afetam as vendas do comércio

Condições de crédito mais apertadas e o elevado grau de endividamento das famílias vêm pesando negativamente no comércio.

As vendas do varejo, embora exibam alta de 0,8% no acumulado de janeiro a setembro, têm queda de 0,7% no acumulado de 12 meses, conforme o IBGE. O varejo ampliado, que inclui materiais de construção e veículos, registra baixas de 0,6% no ano e de 1,6% em 12 meses.

Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 30,3% das famílias brasileiras têm contas atrasadas, o maior patamar desde março de 2016, e 79,2% tem dívidas a vencer.

Dados do IBGE mostram que, em setembro, as vendas no varejo cresceram 1,1% em relação a agosto, já com ajuste sazonal. A alta, entretanto, foi insuficiente para evitar a contração no terceiro trimestre. No acumulado de 12 meses, as vendas caíram 0,7%.

A XP aponta que o cenário só não foi pior porque a retomada firme do mercado de trabalho, combinada aos estímulos fiscais de curto prazo, atuou como amortecedor e impediu uma desaceleração mais forte dos negócios.

As vendas dos bens mais sensíveis à renda aumentaram 1,5% no terceiro trimestre frente ao segundo. Os mas sensíveis ao crédito, por outro lado, exibiram retração de 4,3%. A tendência não deve ser revertida, mesmo com a Copa do Mundo e a Black Friday, avalia o economista Rodolfo Margato, da XP.

Ele afirma que há incertezas principalmente em relação à Copa. “Acreditamos que o efeito líquido, sobre as vendas totais do comércio, poderá ser negativo, tendo em vista sobretudo o fluxo menor de consumidores nas lojas físicas”, diz.

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Números do Santander e da Getnet indicam, preliminarmente, que o desempenho mais tímido do comércio continuou em outubro. As transações com cartão no varejo ampliado, que inclui materiais de construção e veículos, apontam que houve uma queda de 2,1% ante o mês anterior.

As expectativas para 2022 também estão sendo revisadas para baixo. Em outubro, a projeção da CNC para o crescimento das vendas no comércio neste ano voltou a ser reduzida, desta vez de 1,3% para 1,2%. “Com o processo de encarecimento do crédito, segmentos dependentes do consumo mediante financiamento já percebem um ritmo mais lento das vendas e apresentaram quedas acumuladas ao longo de 2022”, aponta o economista Fabio Bentes.

O banco Original projeta uma retração de 0,5% nas vendas do varejo em 2022. Segundo a instituição financeira, a política monetária segue atuando sobre os itens de maior valor agregado, como eletrodomésticos e eletroeletrônicos, e que demandam linhas de crédito.

“O encarecimento do consumo, atrelado ao aumento da inadimplência e endividamento da população, sugerem continuidade dessa tendência de desaceleração do varejo ampliado”, dizem Caruso e Vilarim, por meio de nota.

Serviços continuam crescendo

O setor que menos sentiu os impactos da desaceleração da economia foi o de serviços, que registra crescimento de 8,9% em 12 meses até setembro, segundo o IBGE. Mas a expansão gradativamente está perdendo força. Em março, a taxa anualizada era de 13,6%.

Um dos grupos que mais tem se destacado é o de prestados às famílias. Ele registrou, na medição mais recente, o sétimo aumento mensal consecutivo. A XP aponta que a expansão reflete a normalização do padrão de consumo das famílias em meio à reabertura econômica e à melhoria das condições de trabalho. Mas, mesmo assim, esses serviços estão operando a um ritmo 4% inferior ao registrado antes da pandemia.

Os serviços de informação e comunicação também vêm apresentando uma boa performance. Destaca-se a tecnologia de informação que, desde o final de 2021, teve um crescimento de 14%.

A expectativa é de que o setor de serviços permaneça em alta pelo menos até o fim deste ano. “O aumento da massa de renda real disponível às famílias representa um fator explicativo a sustentar tal cenário”, diz o economista Rodolfo Margato, da XP.

Para 2023, a sinalização é mais incerta, principalmente em razão das dúvidas sobre a condução da política fiscal. A proposta de emenda à Constituição (PEC) para excluir o Bolsa Família do teto de gastos e declarações do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, repercutiram mal no mercado.

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