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Após encarar estagnação no período mais crítico do isolamento social, promovido em pontos do país para evitar a propagação do novo coronavírus, o varejo voltou a experimentar crescimento nas vendas, com destaque para o setor de eletrônicos, que comemora crescimentos contínuos do consumo nos últimos meses.
Segundo a mais recente Pesquisa Mensal de Comércio do IBGE, enquanto o volume geral de vendas do varejo subiu 7,3%, as vendas de eletrodomésticos deram um salto de 25,6% em setembro, em relação ao mesmo mês do ano passado. Foi a quarta alta consecutiva do segmento nesse tipo de comparação, depois de amargar quedas de 12,4% em março, 33,3% em abril e 4,9% em maio.
Com isso, as vendas de eletrodomésticos acumulam alta de 9,7% nos nove primeiros meses do ano, ao passo que o varejo geral ficou estável, com variação zero sobre igual período de 2019.
Como a pandemia impulsionou as vendas de eletrônicos
O bom desempenho é explicado, em parte, pela própria crise causada pela pandemia de Covid-19 e pela restrição a atividades do setor de serviços, o aumento do contingente de trabalhadores em home office e do tempo gasto dentro de casa.
Na avaliação do presidente executivo da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), Jorge Nascimento, essa retomada – puxada em um primeiro momento por eletroportáteis e eletroeletrônicos – se deu porque o consumidor teve a necessidade de melhorar a qualidade de vida no domicílio, facilitar a rotina e compensar a impossibilidade de consumo de alguns serviços.
"Com o comércio fechado, a gente teve nossa principal forma de comercialização não realizada. Chegamos a 80% de estagnação. Mas o que acontece depois: as pessoas não podem viajar, diminuíram de forma significativa o consumo de serviços e de entretenimento (com restaurantes, salões de beleza, cinemas fechados) e começaram a olhar mais para dentro de casa", afirma Nascimento.
Assim, o consumidor direcionou recursos represados para adquirir produtos como aspiradores de pó, ferros de passar, lavadoras de louça, fornos elétricos e de micro-ondas, barbeadores elétricos, entre outros aparelhos.
Com o início da flexibilização de decretos regionais e a volta de parte dos consumidores às lojas físicas, o segmento também foi beneficiado pelos juros baixos – reflexo da Selic mais baixa da história, em 2% ao ano – e pelo auxílio emergencial, que colaborou de modo geral para uma recuperação do comércio.
O economista Marcel Solimeo, da Associação Comercial de São Paulo, destaca que o cenário facilitou compras parceladas, comumente utilizadas para a aquisição de produtos mais caros, como itens da linha branca.
Eletrônicos devem dominar a Black Friday
O setor se mostra otimista para a reta final de 2020, primeiro com a Black Friday e depois, o Natal.
O evento de descontos importado dos Estados Unidos é, ao lado das festas de fim de ano, uma das principais datas para a venda de eletrodomésticos e eletrônicos no Brasil – o que garantiu movimento nas fábricas, com três turnos e trabalho aos fins de semana, de acordo com o presidente executivo da Eletros. Tudo para atender à demanda já tradicional para o segmento na última sexta-feira de novembro.
As projeções são de avanço de 10% a 15% nas vendas no cenário classificado por Jorge Nascimento como mais "realista". Otimistas falam em acréscimo de 20%, diz ele.
Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a Black Friday de 2020 deve ter o maior faturamento desde que a data foi incorporada ao calendário do varejo nacional (em 2010). A expectativa é de movimentação financeira de R$ 3,74 bilhões. Desse total, o segmento de eletroeletrônicos e utilidades domésticas deve levantar, sozinho, uma receita de R$ 1,022 bilhão.
O economista da CNC Fabio Bentes destaca que a Black Friday será a primeira data importante para o comércio que tem previsão de crescimento nas vendas em 2020. "Em todas as demais, desde a Páscoa até o dia das crianças, o varejo registrou queda. Para a Black Friday, a previsão é de um crescimento modesto, de cerca de 1,8%. Só que isso é uma média entre um crescimento esperado de 1% no varejo presencial e de 61% no varejo eletrônico", revela.
A discrepância deixa claro que o peso do varejo eletrônico ainda é muito pequeno no país: se limita a 5% do total de vendas. "Então, por mais que o varejo eletrônico ajude, ele ainda é um anão perto do consumo presencial, fica muito difícil ele sustentar ou carregar nas costas o desempenho do setor como um todo", pondera Bentes. Nesta análise começam a se desenhar as preocupações para 2021, que necessariamente passam pelo cenário da crise sanitária.
Expectativas: uma incógnita chamada 20201
Primeira questão posta pelos especialistas é a importância da compra presencial para o varejo. Para o economista da ACSP, Marcel Solimeo, novos fechamentos do comércio, como aqueles realizados no país a partir do mês de abril, poderiam ser "trágicos em termos econômicos".
Para Fabio Benes, do CNC, essa dependência da circulação de consumidores é maximizada não só por causa do ainda pequeno comércio eletrônico, mas também por características brasileiras como a ampla desbancarização e as dificuldades de acesso à internet longe dos grandes centros.
A segunda preocupação para 2021 é o fim do auxílio emergencial, mesmo que a crise do coronavírus ainda não tenha alcançado um ponto final. Se confirmada, ela representará menos liquidez num cenário ainda distante de retomada do mercado de trabalho.
Solimeo avalia que a recuperação do emprego formal será muito lenta por causa de diversos fatores. Entre os pontos levantados estão o fechamento de empresas, a informatização que vai exigir menos mão de obra, o desaparecimento de ocupações em decorrência da informatização de certas atividades e ainda a demora na retomada de setores relevantes como alimentação, entretenimento e turismo.
O presidente executivo da Eletros, Jorge Oliveira, destaca que o setor teme perder o caminho de retomada e já comunicou suas preocupações ao governo federal. A busca de diálogo foi no sentido de pedir que haja uma continuidade das medidas de fomento ao aquecimento da economia, como o próprio auxílio emergencial e a flexibilização dos contratos de trabalho.
"Eles enxergam o que a gente está vivendo como uma retomada em V, nós colocamos a preocupação de que pode ser um W, ou seja, subir e descer de novo. Nos disseram que a preocupação está no radar do governo e que, na hora certa, vai tomar as medidas, mas não quiseram nos adiantar", afirma.
Sobre as perspectivas para os começo de 2021, Oliveira afirma que o cenário ainda é de incerteza: "A gente sabe que maio tem dia das mães, que o carnaval foi adiado em muitos estados e que talvez haja possibilidade de continuar tendo algum tipo de circulação de dinheiro na busca de produtos de consumo e não de serviços ou turismo, mas é uma incógnita que nos deixa muito preocupados".
Na avaliação de João Henrique Netto, da Blu365, uma plataforma on-line de renegociação de dívidas, o auxílio de R$ 600 e depois de R$ 300 foi crucial para injetar liquidez na economia durante a crise provocada pela pandemia. "A gente está falando aqui de R$ 300 bilhões injetados em poucos meses e observa que essa redução vai ter, sem dúvida, um impacto negativo. A grande questão que fica é que há duas forças antagônicas: essa perda de liquidez e a retomada da economia, que é a retomada do emprego, as pessoas saindo mais de casa, voltando aos seus hábitos anteriores. O ponto é saber o que vai prevalecer", avalia.
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