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Desenvolvimentismo

“Empresas precisam estar de acordo com o governo”: fala de Lula escancara dirigismo estatal

"Empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro. É isso que nós queremos", disse Lula. (Foto: André Coelho/EFE)

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) subiu o tom das críticas à Vale nesta semana, deixando claro que não desistiu de tentar interferir nos rumos da mineradora, privatizada há quase 30 anos.

Lula busca alternativas que possam aumentar seu poder de influência na segunda maior empresa do país, após tentativa fracassada de emplacar o ex-ministro da fazenda Guido Mantega (PT) na presidência da companhia. O atual CEO, Eduardo Bartolomeo, discreto e pouco atento a interlocuções políticas, nunca contou com simpatia do Planalto.

Mas as pretensões de Lula não param por aí. Em entrevista na noite da terça-feira (27) à RedeTV, o presidente explicitou sua convicção de que as empresas devem seguir a orientação do governo em suas decisões. O mandatário afirmou que a Vale "não é dona do Brasil" e que, assim como todas as empresas brasileiras, deve estar alinhada com o pensamento de desenvolvimento do governo.

"A Vale não pode pensar que ela é dona do Brasil, não pode pensar que ela pode mais do que o Brasil. Então o que nós queremos é o seguinte: empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro. É isso que nós queremos", afirmou.

A declaração chamou atenção pelo conteúdo desenvolvimentista e autoritário em relação a uma empresa privada. "É uma visão basicamente fascista, remete a [Benito] Mussolini [ditador italiano] achar que a empresa tem de atender o objetivo do governo", afirma Marcelo Faria, presidente do Instituto Liberal de São Paulo (Ilisp).

Embora Lula queira definir os rumos da Vale, o governo não tem participação acionária na empresa desde que o BNDES vendeu suas ações, no governo de Jair Bolsonaro (PL). O que resta é uma espécie de interferência indireta por meio da Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil. Maior acionista individual da mineradora, o fundo tem dois representantes no conselho de administração, que tem 13 assentos ao todo.

O economista observa que, em sua fala, Lula não se refere a companhias estatais ou de economia mista, nas quais o governo tem participação acionária, mas a empresas brasileiras de maneira geral. "Pelo jeito, a iniciativa privada deve fazer o que é importante na visão do grande comandante Lula, que sabe o que é melhor para o país", destacou.

Hélio Beltrão, presidente do Instituto Mises Brasil, corrobora o argumento. "Essa fala tem o tom de um déspota. Ele [Lula] não é dono do Brasil nem dono da Vale, mas age como se fosse dono do mundo. Por que qualquer pessoa física ou jurídica é obrigada a concordar com a visão de mundo do governo eleito para administrar o país por quatro anos?" questionou em comentário à CNN.

"E como se chama quando alguém quer obrigar uma pessoa a concordar com qualquer coisa? Ninguém é obrigado a concordar com o governo. O Lula não consegue lidar com a divergência, com a discordância. Do ponto de vista dele, quem não concorda com ele é fascista", completou Beltrão.

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Dirigismo estatal é a essência do pensamento de Lula

Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), lamenta que o presidente continue a pensar que o desenvolvimento econômico se faz por meio do Estado.

"Ao invés de pensar na rentabilidade da empresa, que gera rendimentos para acionistas, trabalhadores e também para o governo, por meio de impostos, Lula quer mais intervenção estatal. Quer que a empresa faça as coisas que ele acha mais corretas, seja explorar uma mina em Moçambique ou agregar valor para o minério de ferro, ou incrementar uma indústria siderúrgica", diz.

Lula também se queixou, durante a entrevista, do abandono pela Vale do projeto de uma mina na África, em que o governo tinha se empenhado para abrir portas. Para o professor do Ibre, o dirigismo estatal e a noção de desenvolvimento induzido pelo Estado são a essência do pensamento de Lula e do PT) Mas lembra que não se trata de uma visão somente da esquerda. "O nacionalismo e o desenvolvimentismo existem nos dois lados do espectro político. Nós já tivemos isso no período da ditadura militar, sobretudo no governo [Ernesto] Geisel [1974-1979]", diz.Também há experiências recentes que, na avaliação de Pessôa, não deveriam ser esquecidas, como a política econômica desenvolvida no governo Dilma Rousseff (2011-2016). "É triste observar que as lideranças não aprendem com os erros. A gente já tentou este capitalismo de Estado uma vez e isso resultou na maior crise da nossa história", lembra.

Erros, contradições e hipocrisia

Além do suposto abandono de projetos estratégicos, Lula criticou o que ele chamou de monopólio da mineração, embora a empresa não seja única na exploração da atividade.

"Não entendi direito o que o presidente quis dizer com monopólio da Vale", diz Pessôa. "A companhia trabalha com uma commodity que tem seu preço definido pelo mercado internacional. Nada impede a concorrência de outras empresas. Em contrapartida, declarações como a do presidente afastam qualquer investidor externo do Brasil."

Os especialistas ressaltam a contradição do governo em criticar o suposto monopólio da mineradora, mas tentar restaurar o monopólio da Petrobras, reestatizando refinarias privatizadas no governo anterior."Aparentemente, de monopólios públicos o governo gosta", afirma Pessôa. "É uma grande hipocrisia do governo", diz Faria, do Ilisp.

Lula já mandou outros recados

Não é a primeira vez que Lula manda recados para pressionar a mineradora. Em janeiro, após ficar evidente a resistência do conselho de administração ao nome de Mantega, o presidente aproveitou o aniversário de cinco anos da tragédia de Brumadinho, em Minas Gerais, para alertar sobre a necessidade de fiscalização em projetos de mineração.

"É necessário o amparo às famílias das vítimas, recuperação ambiental e, principalmente, fiscalização e prevenção em projetos de mineração, para não termos novas tragédias como as de Marina e Brumadinho", escreveu o presidente no X (antigo Twitter).

Na última entrevista, Lula voltou o tema, dizendo que a Vale não pagou pelas “desgraças” causadas pelo rompimento de Brumadinho. A mineradora, porém, já quitou 69% dos R$ 37,7 bilhões do acordo de reparação para 15,4 mil pessoas.Lula também cometeu outras incorreções. Afirmou que a empresa tem vendido mais ativos do que produzido minério de ferro, argumento desmentido pelos relatórios anuais, que apontam o aumento da produção. Em 2023, forma produzidos 321 milhões de toneladas do minério, contra 308 milhões em 2022.Sob o comando de Eduardo Bartolomeo, desde 2019, a Vale só fez uma venda de ativos de minério de ferro, no valor de US$ 140 milhões, e fez duas aquisições que somaram US$ 682,5 milhões.

Altamente regulada, mineração é sensível às pressões

Apesar da reação negativa do mercado às falas de Lula, os economistas alertam que o governo tem poder efetivo de pressão, já que o setor de mineração é externamente regulado e que os grandes acionistas privados da mineradora – Mitsui, BlackRock, Bradesco e a Cosan – também dependem de decisões do Executivo federal para inúmeras demandas. As empresas prezam por ter uma boa relação com o governo.

Há vários interesses em jogo. Entre eles, a concessão de licenças ambientais para atuais e novos projetos e também as negociações de reparação de danos ambientais e sociais da Vale. São discussões que envolvem dezenas de bilhões de reais e órgãos de governo, Justiça e Ministério Público.

Neste sentido, Lula citou a suspensão de empreendimentos da Vale no Pará, pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas), devido ao "descumprimento de condicionantes ambientais". A companhia recorreu e está operando por força de liminar de varas cíveis locais.A Vale também tem fila de projetos, sobretudo na infraestrutura, que envolvem órgãos federais, como, por exemplo, as concessões de ferrovias para escoamento da produção. O Executivo pretende rediscutir os contratos prorrogados no governo Bolsonaro, sob o argumento do valor supostamente baixo desembolsado pelas concessionárias. Segundo relatos de bastidores, o ex-ministro Guido Mantega teria dito a interlocutores que teria como ajudar na agenda, servindo com o elo entre a companhia e o Palácio do Planalto. Não adiantou.

Lula evita sucessão e nega interferência

Lula não quis falar sobre a sucessão da companhia. Em ocasiões anteriores, também havia negado a interferência, apesar de inúmeras apurações da imprensa terem relatado a interlocução do ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, junto aos conselheiros da Vale.

As últimas informações de bastidores dão conta de que o presidente ainda insiste num assento para Mantega no conselho de administração e que estaria trabalhando para emplacar como segunda alternativa o nome de Paulo Cafarelli, ex-presidente da Cielo – empresa que tem como sócios BB e Bradesco, também acionista da Vale.

Pessôa observa que, apesar da governança da Vale, o governo Lula já conseguiu criar um impasse dentro do conselho de administração. "Os representantes dos acionistas estão divididos. Houve viradas de votos sobre a recondução do atual presidente", diz.

O economista se refere à última reunião do colegiado sobre o assunto, em 15 de fevereiro. Dos 13 conselheiros, seis votaram para reconduzir Bartomoleo e seis para dar início a um processo de seleção de outro nome.

Contra a recondução de atual presidente, votaram os dois representantes da Previ, o indicado pela Bradespar, outros dois conselheiros independentes e o representante dos trabalhadores.

Os demais independentes e o indicado pela Mitsui votaram para manter o atual CEO. Luís Henrique Guimarães, indicado da Cosan no colegiado, se absteve. "Lula já está tendo sucesso em sua estratégia", afirma Pessôa.

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