A economia brasileira não vai reagir enquanto persistir a crise política. A avaliação é do economista Flávio Castelo Branco, gerente executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Paralisado pelo avanço da Operação Lava Jato e com sua base parlamentar dividida, o governo não demonstra força para aprovar medidas econômicas importantes no Congresso, em especial as relacionadas ao ajuste fiscal, o que prolonga a deterioração das contas públicas e da própria economia. Em meio à incerteza, empresários adiam decisões e consumidores evitam despesas de grande valor.
“Tudo isso, somado, acaba aprofundando o ciclo negativo da economia. E a expectativa é de que isso não se solucione até que haja uma definição mais clara do quadro político”, disse Castelo Branco em entrevista à Gazeta do Povo na última terça-feira (8), pouco antes de palestra sobre o panorama econômico do país no encontro Woodtrade Brazil. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
O que esperar da economia quando não sabemos se o governo vai durar até o fim do mandato?
Estamos em um ambiente de alta incerteza, o que é muito negativo para qualquer atividade produtiva. O empresário não tem como se planejar, e então fica retraído, não toma decisões mais arrojadas. Isso tem reflexos no investimento, na produção e no emprego. Do lado dos trabalhadores, quem perde emprego corta seus gastos e quem permanece empregado evita despesas de maior valor. Tudo isso acaba aprofundando o ciclo negativo da economia. E a expectativa é de que isso não se solucione até que haja uma definição do quadro político.
A recessão começou antes da crise política. Há como resolver a questão econômica sem a parte política?
Uma se alimenta da outra. As dificuldades econômicas vêm de decisões do passado, como controle da taxa de câmbio e de preços de combustíveis e energia, e o uso de políticas expansionistas que erodiram a base fiscal. Isso gerou um problema, que se somou ao nosso histórico descaso com competitividade e a produtividade. Esse ambiente de crise econômica, com aumento de desemprego, falta de crescimento e de arrecadação, cria pressões adicionais sobre a questão política. Mas, para solucionar o problema econômico, principalmente a questão fiscal, é preciso uma base política sólida, que hoje não existe. Eu diria que a crise política termina sendo mais prioritária porque, sem uma solução para ela, você não toma decisões que vão pavimentar o caminho para equacionar o problema .
O governo conseguirá passar as medidas necessárias no campo fiscal?
Sem ambiente político, não há como. A presidente não tem hoje uma base parlamentar. Embora ela tenha sido eleita com um conjunto de partidos que teoricamente assegurariam bastante folga, trata-se de um conjunto diverso do ponto de vista programático e, portanto, não tem compromisso com ajuste fiscal e medidas de melhoria da competitividade. O Brasil precisa mudar sua estratégia em relação ao setor privado, tornar o ambiente de negócios mais amigável. O setor público não tem capacidade de alavancar o crescimento.
Pela forma como reagiu ao noticiário recente da Operação Lava Jato, o mercado financeiro torce para que a presidente caia o quanto antes...
O mercado é muito pragmático, e também muito volátil. De todo modo, o que ele quer é um setor público equilibrado, menos pressão sobre carga tributária, e preços de mercado, sem controles artificiais. Parece que parte do governo tem essa percepção, mas uma outra parte, principalmente aquela mais ligada à sua base original política, discorda, principalmente no que diz respeito a questões previdenciárias, de relações de trabalho. Então não há uma clareza sobre os rumos.
A indústria já estava em retração antes da recessão começar. Como o senhor vê a situação do setor?
Temos dois conjuntos de problemas. Tem os conjunturais, que misturam questão política, recessão, inflação alta. E tem os problemas estruturais. As dificuldades de competitividade da indústria brasileira são muito graves e não vêm de um ou dois anos atrás. A indústria de transformação tem hoje cerca de 10% do PIB, quando 15 anos atrás era de 18% ou 19%. O setor precisa de medidas de alavancar competitividade. Sem crescimento de produtividade, aumentos de salário terminam significando aumento de custos, e as empresas perdem mercado, o que se torna um problema ainda mais grave com câmbio valorizado. As empresas industriais mais sujeitas à competição internacional perderam mercado não só lá fora, mas aqui dentro também, principalmente para os produtos asiáticos. A desvalorização do câmbio melhora a situação, mas não soluciona tudo, porque temos problema de natureza tributária, de natureza trabalhista, a questão da educação, que se reflete na produtividade dos trabalhadores, a infraestrutura de logística deficiente. Precisamos de muitas mudanças, não tem uma ação única, que vai resolver tudo.
O governo voltou a apostar em incentivos ao crédito...
A questão do crédito foi importante na década passada, porque alavancou o poder de compra da classe assalariada, das famílias, aumentou o mercado brasileiro. Mas você não pode mover uma economia apenas na base do crédito. No longo prazo, a economia só cresce com aumento de produtividade.
O senhor mencionou o dólar, que ficou algum tempo acima de R$ 4. Mas ele caiu para perto de R$ 3,70. Isso pode atrasar a recuperação das exportações?
No longo período em que o real esteve valorizado, muitas empresas se afastaram do mercado internacional. Para voltar, demora. A empresa terá de deslocar o competidor que tomou seu lugar. Então a volatilidade do câmbio cria incerteza. É por isso que o câmbio, embora importante, não é por si só suficiente para resgatar as exportações.
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