Ouça este conteúdo
O gabinete de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) iniciou as primeiras conversas com representantes dos caminhoneiros autônomos e celetistas.
O coordenador-geral da transição, Geraldo Alckmin (PSB), teve duas reuniões com integrantes da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), segundo lideranças da categoria.
Enquanto isso, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, se reuniu há três semanas com o presidente da Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores (Abrava), Wallace Landim, o "Chorão", um dos líderes da greve de 2018; e com o diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística (CNTTL), Carlos Alberto Litti Dahmer, que também preside o Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga (Sindicam) de Ijuí (RS).
A atenção dada pelo governo eleito aos caminhoneiros é estratégica. No fundo, a preocupação que ronda qualquer governante desde a gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB) é a de uma greve dos caminhoneiros. A categoria é composta por uma maioria de conservadores que, em grande parte, votaram no presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2018 e 2022.
Até mesmo Bolsonaro lidou com a pressão da categoria ao longo de sua gestão, embora tenha conseguido evitar uma greve. Uma paralisação nacional até chegou a ser iniciada em novembro do ano passado sob a liderança de Chorão, Litti e do presidente do Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas (CNTRC), Plínio Dias, mas foi obstruída por liminares judiciais a pedido do governo federal, que monitorava a convocação, e por não ter tido a adesão da maioria.
Os casos mais próximos de uma manifestação dos caminhoneiros que o país chegou a vivenciar por períodos de ao menos 24 horas foram registrados em 7 de setembro do ano passado, por apoio ao voto impresso, ao governo e por impeachment dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), e em 30 de outubro deste ano, em oposição ao resultado eleitoral e a favor de Bolsonaro. Esse último levante provocou desabastecimento em supermercados no país.
As duas manifestações aconteceram sem o apoio da maioria dos transportadores, mas foram suficientes para pôs o país em alerta. Lula reconhece a força dos caminhoneiros e até por isso instruiu que seu gabinete de transição iniciasse as conversas com representantes dos transportadores autônomos e celetistas. Ele está disposto a desarmar a bomba-relógio de uma potencial greve e quer evitar a todo o custo os danos econômicos observados em 2018.
O que representantes de Lula e caminhoneiros discutiram
Na reunião entre Gleisi, Abrava e a CNTTL, foi discutido o fortalecimento do cooperativismo no transporte rodoviário de cargas. Integrante da transição, o ex-ministro Maurício Muniz, da Secretaria de Portos do governo Dilma, também esteve presente. Chorão defendeu a manutenção do programa Roda Bem Caminhoneiro, iniciativa criada na gestão Bolsonaro para fortalecer a infraestrutura, a capacitação e o assessoramento técnico às cooperativas.
"É importante não parar o projeto do Roda Bem Caminhoneiro, é um projeto que vai trazer segurança para o transportador rodoviário de carga autônomo. A gente é muito a favor dessa questão. É uma coisa que deu certo no atual governo Bolsonaro e não pode parar. O que deu sorte, precisa continuar", diz Chorão.
As reuniões entre a CNTA e Alckmin também tiveram como foco a discussão de pautas. A entidade levou a conhecimento do coordenador-geral da transição uma pauta composta por seis pilares: legislação, fiscalização, segurança, estabilidade na política de preços dos combustíveis, renovação da frota e o aperfeiçoamento do Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC).
Da parte de legislação, defendeu o cumprimento de leis já vigentes e a autonomia necessária para o caminhoneiro ter poder de negociação no mercado, como o documento de transporte-eletrônico (DT-e). Também recomendou a manutenção e aprimoramento dos direitos fundamentais dos caminhoneiros autônomos, como a estadia, vale-pedágio, piso do frete e tempo de direção.
O pedido por uma reforma tributária "estruturante", que iguale as condições tributárias de contratação dos transportadores autônomos em relação às Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas (ETCs), foi outro ponto abordado. Quanto à fiscalização, a CNTA pediu o aprimoramento nos processos de fiscalização para o cumprimento de regras legais e infralegais do setor, além do desenvolvimento de mecanismos que garantam a eficiência na fiscalização.
Sobre segurança, foi demandada melhoria da infraestrutura rodoviária e segurança física nas rodovias, como combate ao furto e roubo de cargas e veículos. A respeito da estabilidade da política de preços, a categoria pede maior previsibilidade nas alterações dos preços dos combustíveis e no custo operacional como um todo.
Os últimos pedidos dizem respeito à implantação de um programa permanente e acessível de renovação de frota e um RNTRC mais eficiente. O registro do transportador rodoviário é o que regulariza o exercício da atividade do transporte rodoviário de cargas no Brasil. A categoria sustenta que seu fortalecimento potencializa sua utilização como ferramenta para o desenvolvimento do setor.
O assessor executivo da CNTA, Marlon Maues, confirma as conversas. "Sim, não só já está em tratativas [com o novo governo], como também mantemos o diálogo com o atual governo. As pautas e as dores do caminhoneiro continuam, ele continua sofrendo todas mazelas como sempre sofreu", diz.
Enquanto signatária de acordos de cooperação técnica (ACTs) com o Ministério da Infraestrutura, a CNTA é quem legalmente defende os interesses da categoria, defende Maues. "Nós continuamos com tudo aquilo que defendemos e, agora, esperamos que, quem quer que seja e venha a ocupar a Presidência, dê continuidade. O caminhoneiro cada vez mais se solidifica como uma engrenagem fundamental na economia do Brasil", comenta.
Lideranças querem novas reuniões e prometem cobrar governo Lula
O presidente da Abrava elogia o gesto do gabinete de transição e espera que novas reuniões sejam agendadas para debater outras pautas da categoria. "Que a gente consiga colocar em prática pelo menos as discussões, mas acho que a categoria vai conseguir ter um avanço nesta próxima gestão. E se não tiver, vamos cobrar do mesmo jeito", afirma Chorão.
Um dos pleitos defendidos por Chorão é a alteração da política de preços dos combustíveis da Petrobras. Ele e Litti, da CNTTL, defendem a substituição da política de preço de paridade de importação (PPI), atualmente em vigor, pela de preço de paridade de exportação (PPE). A demanda é defendida pelo entendimento de que é a forma mais eficaz de assegurar uma queda real do preço dos combustíveis.
O pedido já havia sido apresentado ainda no período eleitoral em uma reunião com o ex-ministro Aloizio Mercadante, atual coordenador dos grupos técnicos da transição. Litti entende há alinhamento e sensibilidade de Lula e sua equipe em relação à pauta. "Eles estão muito mais alinhados [com o fim do PPI do que o governo Bolsonaro]. Não pode o preço do barril de petróleo estar inferior a US$ 80 e, na bomba, continua o mesmo preço de quando o preço era de US$ 110. O preço de paridade existe só para dar lucro a acionista", critica.
Maues diz que, sendo a CNTA a entidade legal que representa os interesses da categoria, haverá um processo natural de diálogo. "O governo [eleito] sabe que tem que sentar conosco para saber como conduzir, pois quem conhece as demandas e quem tem feito o trabalho técnico e tem agenda positiva e conhece com propriedade o assunto somos nós", afirma.
Quais as chances de uma greve dos caminhoneiros e como Lula pode evitá-la
"Existe uma bomba-relógio. O caminhoneiro pode de um dia para o outro acordar com uma série de insatisfações de algo que não foi feito ou de algo que pode vir a ser feito, mas o movimento grevista é sempre o último recurso. Se o governo eleito está dialogando com "A" ou "B", já mostra uma boa vontade, mesmo que imaturo e no momento errado de querer fazer algo", diz o presidente do Sindicato dos Caminhoneiros de Ourinhos (SP), Júnior Almeida.
Conhecido como "Júnior de Ourinhos", ele é uma das lideranças da categoria que apoiou os protestos após o resultado eleitoral e tem um diálogo próximo ao Ministério da Infraestrutura. Para ele, as atuais conversas apenas tomam a "dianteira de um movimento que não existe". "Querendo ou não, Bolsonaro é presidente até dia 31. Tem muita coisa para a categoria que está no 'forno' e ainda não saiu, mas que está para sair e estamos aguardando", diz.
Segundo Júnior, depende apenas do aval da Casa Civil e da assinatura de Bolsonaro uma série de medidas já encaminhada pelo Ministério da Infraestrutura, a exemplo da regulamentação do documento de transporte eletrônico (DT-e), que favoreceria a demanda da contratação direta do transportador autônomo pelas empresas embarcadoras, as donas das mercadorias.
Outras pautas que estão no aguardo da assinatura de Bolsonaro incluem o estímulo para a empresa contratar o caminhoneiro através de incentivos fiscais, como o retorno de crédito do ICMS sobre o óleo diesel para o caminhoneiro por meio de um fundo criado para possibilitar que o transportador possa fazer dedução fiscal ou no frete de tudo que consumir. O modelo foi inspirado no que se aplica às empresas do transporte rodoviário.
"Já está tudo na mesa do Bolsonaro. Por isso, digo que é muito cedo buscar um diálogo [com o governo eleito], até porque a transição ainda faz seus ajustes, não sabemos quem serão os ministros da Infraestrutura e de Minas e Energia, por exemplo, nem se essas pastas serão mantidas. Como que vou falar com a deputada Gleisi Hoffmann [presidente do PT], que nunca fez nada por nós?", diz Júnior.