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O ataque iraniano com drones e mísseis a Israel, realizado na noite de sábado (13), está acirrando as tensões geopolíticas e pode se tornar uma fonte de preocupação maior para o Banco Central no combate à inflação, ameaçando o ciclo de redução da taxa de juros no Brasil.
Uma das principais preocupações é com uma escalada nos preços do petróleo, que afetaria os preços dos combustíveis. Um eventual conflito pode resultar em restrições na movimentação de petróleo e derivados. Desde o início do ano, o barril do tipo brent está em alta – no período, já passou US$ 75 para perto de US$ 90.
Segundo a estrategista de inflação da Warren Investimentos, Andréa Angelo, caso a commodity energética tenha mais altas, pode aumentar a defasagem do preço da gasolina e do óleo diesel em relação ao exterior.
Segundo a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), nesta segunda (15), o preço da gasolina estava 19% mais barato no mercado interno do que no externo, com defasagem equivalente a R$ 0,67 por litro. O diesel, enquanto isso, tem defasagem de 12% ou R$ 0,46. “Assim, a Petrobras fica mais pressionada para realizar um reajuste”, destaca Angelo.
A pressão sobre o preço dos combustíveis não viria só com a alta do petróleo. A desvalorização do real frente ao dólar, que influi no cálculo da defasagem, acentua o movimento. Nesta segunda, a moeda americana chegou a ser negociada a R$ 5,21, influenciada também afetada pela revisão – para baixo – na meta fiscal do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Outra preocupação relacionada com o petróleo diz respeito às reiteradas ameaças de autoridades iranianas em bloquear o estreito de Ormuz, que separa o Irã de Omã e Emirados Árabes Unidos. Pela região passa cerca de um terço da produção mundial de petróleo. Ela é importante para o escoamento da produção de cinco dos dez maiores produtores mundiais de petróleo – Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irã, Iraque e Kuwait.
A mais recente ameaça foi feita na terça-feira da semana passada pelo comandante da Marinha da Guarda Revolucionária do Irã, Ali Reza Tangsiri, que advertiu que seu país pode bloquear o estreito em uma hipótese em que o "inimigo pressione o Irã".
Desvalorização do real favorece a inflação
A preocupação com o câmbio não se restringe somente aos preços dos combustíveis. Uma desvalorização contínua do real frente ao dólar pode afetar a inflação, já que muitas commodities e mercadorias que influenciam são cotadas na moeda norte-americana.
O economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, avalia que a deterioração do panorama geopolítico poderá gerar forte aumento dos preços do petróleo, pressão sobre a taxa de inflação nos Estados Unidos, fuga generalizada de investidores para o dólar, valorização da moeda americana e, na mais otimista das hipóteses, adiamento do início do processo de queda dos juros norte-americanos – que, num cenário mais severo, podem até mesmo subir, em vez de cair.
“É um cenário que, se se materializar, deverá forçar o Banco Central do Brasil a interromper o processo de queda da Selic”, diz Camargo. Ele projeta muita incerteza daqui para a frente.
O estrategista-chefe da Warren Investimentos, Sérgio Goldenstein, afirma que o conflito no Oriente Médio pode afetar mais a taxa de câmbio caso haja um escalada das tensões envolvendo diretamente o Irã, o que poderia provocar um movimento de aversão a risco e valorização global do dólar.
“Caso o real continue se desvalorizado, isso geraria efeitos inflacionários e, consequentemente, poderia prejudicar o ciclo de queda de juros que está sendo promovido pelo Banco Central”, diz.
Apesar de a mediana das expectativas dos economistas para a taxa Selic terminal ser de 9% ao ano, o mercado de juros futuros já precifica uma Selic final na casa de 10% a 10,25%. O estrategista-chefe da Warren também destaca que, caso o BC encerre o ciclo com uma taxa Selic num patamar ainda bem restritivo, isso geraria efeitos negativos sobre o mercado de crédito e a atividade doméstica.
“Estas hostilidades recíprocas [no Oriente Médio] durante o fim de semana intensificaram o temor de um conflito regional mais amplo, o que instigou preocupações com a estabilidade e impulsionou a busca por ativos considerados refúgios seguros”, cita a Guide Investimentos. É o caso do dólar e do ouro.
Risco maior se soma às dificuldades dos EUA em conter a inflação
O acirramento das tensões globais está fazendo com que o risco no mundo se eleve, diz Davi Lelis, sócio e economista da Valor Investimentos. A percepção de risco global, medida pelo índice VIX – também conhecido como índice do medo –, aumentou mais de 8% nos últimos seis meses.
O cenário mais turbulento vem acompanhado de dificuldades que os Estados Unidos enfrentam para conter a inflação e levá-la à meta de 2%, fixada pelo Fed, o BC americano. Nos 12 meses encerrados em março, ela fechou em 3,5%, segundo o US Bureau of Labor Statistics.
O principal motivo é a resiliência que a maior economia global vem mostrando nos últimos meses. Outro indicador nesse sentido foi divulgado nesta segunda: as vendas no varejo em março vieram acima do esperado, crescendo 0,7% frente a fevereiro, diante de uma expectativa de alta de 0,4%,
Segundo o estrategista-chefe da Avenue Securities, William Castro Alves, quase dois terços do PIB norte-americano derivam do consumo. Portanto, o dado divulgado guarda relevância para a leitura de uma economia aquecida.
“É importante notar que os dados mais fortes de inflação não foram suficientes para conter o ímpeto de consumo. Números fortes nas vendas de varejo e no emprego só reforçam a visão, agora dominante no mercado, de que há menos espaço para cortes de juros no curto prazo”, diz ele.
Lelis afirma que todo esse cenário contribui para uma postura mais cautelosa por parte de governos e bancos centrais em relação à expectativa de corte nos juros.
Instituições financeiras já estão revendo suas expectativas de corte de juros nos Estados Unidos. É o caso do Rabobank, que projetava três reduções para este ano e agora trabalha com duas, com início em setembro.
Cenário de risco para a economia global
O estrategista-chefe do portal Investing.com, Thomas Monteiro, destaca que o atual contexto internacional traz "riscos enormes" para toda atividade econômica global, uma vez que constitui mais um movimento de desglobalização, como vem sendo observado em vários locais do mundo.
O transporte marítimo também pode ser afetado pela conjuntura internacional, afirma o professor Denis Medina, da Faculdade do Comércio de São Paulo (FAC-SP). Muitos armadores estão procurando evitar também o Canal de Suez, que faz a ligação entre os mares Vermelho e Mediterrâneo, por causa de ataques dos rebeldes houthis, apoiados pelo Irã, a embarcações estrangeiras. "Isso leva ao aumento dos fretes e na demora das entregas de insumos e mercadorias", diz.
Outro problema, citado por Lelis, da Valor Investimentos, é com a possibilidade do desmantelamento de várias cadeias produtivas. É um problema que tem suas raízes na guerra da Ucrânia, em fevereiro de 2022.
“Há uma parada no fornecimento ou então elas ficam mais caras. Pode haver menos gente produzindo, ou vai ter menos produto no mercado ou a mesma quantidade ficando mais cara. Isso pressiona a inflação para cima”, diz ele.