Ouça este conteúdo
Preocupado em fechar as contas do próximo ano, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “tirou da cartola” mais uma medida para elevar a arrecadação de 2025. A iniciativa afeta os bancos.
Medida provisória editada neste mês pretende suprir os cofres públicos em mais de R$ 16 bilhões com o adiamento da dedução, por parte dos bancos, das perdas com inadimplência da base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
A dedução foi autorizada pela Lei nº 14.467, de 2022, que permitia que os bancos considerassem como despesa, para fins de apuração do lucro tributável, as operações de crédito não pagas pelos clientes. A medida era justificada pela ausência de acréscimo patrimonial para os bancos.Com a MP, o início do prazo para os descontos, que seria em janeiro de 2025, passa para janeiro de 2026. Na prática, o governo vai arrecadar dos bancos mais impostos que o previsto no ano que vem, adiando em um ano a perda tributária e aliviando as contas públicas no curto prazo.“A intenção é minimizar a queda de receita”, explica o especialista em direito tributário Leandro Roesler, da RMS Advogados. “O governo tenta buscar o equilíbrio entre a necessidade de preservação da arrecadação e a mitigação de impactos sobre o setor bancário num momento de aperto fiscal”.
VEJA TAMBÉM:
Mudança na dedução de impostos foi discutida com bancos
A MP alonga o prazo de dedução de 36 meses para 84 meses, ou seja, sete anos. A instituição financeira pode optar por um prazo ainda mais longo, de 120 meses (dez anos).
Isso significa que, a princípio, a medida não beneficia os bancos, que não poderão utilizar o benefício fiscal em 2025. Ou seja, a recuperação das perdas será postergada.
Mas o assunto foi negociado entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Isaac Sidney, em reunião em Brasília, na véspera do anúncio.
Em coletiva à imprensa, a subsecretária de Tributação e Contencioso da Receita Federal, Claudia Pimentel, afirmou que a lei das deduções foi aprovada em 2022 em “clima de pandemia”. Hoje, segundo o presidente da Febraban, o ritmo do crédito está em seu melhor momento depois da pandemia.
Com a MP, a concessão de empréstimos poderá ser afetada, admitiu a representante da Receita. Caso a instituição não tenha uma rentabilidade suficiente para absorver as perdas, a reserva de capital poderá ser menor e impedir a ampliação de recursos para financiamentos.
Para Roesler, num primeiro momento, haverá um aumento da carga tributária para as instituições. Mas deverá ser absorvido.
“A dedução é um mecanismo contábil importante, pois permite que as instituições financeiras equilibrem suas obrigações tributárias com as perdas decorrentes de operações de crédito malsucedidas”, afirma. “Esse impacto poderá ser diluído ao longo de um prazo mais extenso, com a ampliação do período de dedução para até 120 meses”.
Procurada pela Gazeta do Povo, a Febraban não se manifestou.
Iniciativa revela dificuldade de cumprir meta fiscal
Para Guilherme Tinoco, do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre), a medida é mais uma no rol de iniciativas tributárias que traduzem a dificuldade do governo para cumprir o arcabouço fiscal.
O orçamento enviado ao Congresso (PLOA 2025) prevê a arrecadação de cerca de R$ 168 bilhões em receitas extras para alcançar a meta de déficit zero, prevista na regra fiscal, que tem limite de tolerância de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB).
“O Orçamento tem que dar conta de entregar a meta e, para isso, é preciso prever novas formas de arrecadação, já que a despesa está crescendo no limite”, afirma Tinoco. “O governo não quis abrir mão de deixar a despesa aumentar tudo que podia, então vai ter que arrumar um jeito de fechar as contas.”
O recurso extra não está previsto no PLOA, mas é um reforço no caixa do governo. O Ministério da Fazenda argumenta que a iniciativa não tem caráter arrecadatório, mas “prudencial”. A ideia, destacou a pasta em nota, é utilizar o volume como forma de compensar perdas com “mudanças no sistema tributário”. O texto não detalha quais seriam essas perdas.
“Esses recursos serão destinados para outros projetos de lei que podem melhorar o sistema tributário para torná-lo mais justo e eficiente, como as aplicações financeiras e a revisão das regras de TBU (tributação de subsidiárias operacionais no exterior das empresas brasileiras)”, completou a nota.
Claudia Pimentel, da Receita, descartou que os recursos serão usados como compensação para a isenção da faixa de Imposto de Renda de contribuintes que ganhem até R$ 5 mil, que vem sendo debatida no âmbito do governo. A reforma do IR também não está prevista no Orçamento.
Número de R$ 16 bilhões em impostos de bancos foi "tirado da cartola"
Para a tributarista Maria Carolina Gontijo, o governo não explicou como chegou à receita de pelo menos R$ 16 bilhões esperada com o adiamento dos prazos.
“O número de meses em que os bancos vão ter que distribuir esse saldo que eles têm de perda pelo não recebimento de créditos mais que dobrou”, afirma Gontijo. “Daí, sem mais dados, o governo ‘tira da cartola’ R$ 16 bilhões. Ninguém conseguiu, na realidade, entender como se chegou nele. Pode estar superestimado.”
O otimismo na projeção de receitas, lembra a tributarista, é uma prática recorrente no governo. Um relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI) calcula que a arrecadação estimada no PLOA do próximo ano está superestimada em R$ 87,4 bilhões.
Projeções da Warren Investimentos, por sua vez, apontam para uma diferença de quase R$ 70 bilhões a menos em relação à receita prevista na peça orçamentária.
Gontijo lembra a frustração do incremento da arrecadação por meio de julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que julga processos movidos pelas empresas no âmbito administrativo.
Para 2024, o governo contava com algo em torno de R$ 55,6 bilhões vindos do Carf. Porém, até maio, não entrou um centavo sequer referente a decisões da corte tributária, segundo a própria Receita.
No balanço de receitas e despesas feito em julho, a estimativa foi revista para R$ 37,7 bilhões. No balanço de setembro, a projeção foi reduzida a praticamente zero.
Para Roesler, é preciso observar que a exatidão do volume a ser compensado depende da capacidade dos bancos de gerarem lucros suficientes e da intensidade das perdas a serem deduzidas, “fatores que podem variar de acordo com o cenário econômico até 2026”.
“Ainda que pareçam viáveis em termos técnicos, sua execução exigirá um esforço considerável de articulação política e uma condução prudente para que o resultado esperado seja efetivamente alcançado, a exemplo de demais medidas legislativas para conter o déficit fiscal”.
A MP, que já está em vigor, deverá ser apreciada pelo Congresso em até 120 dias.