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Três anos depois de ser apresentada como uma medida provisória, que acabou perdendo validade sem virar lei, a ideia da chamada "carteira verde e amarela" deve ser abandonada de vez pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Já no primeiro relatório da equipe de transição, apresentado no fim de novembro, o grupo técnico da área do Trabalho afirmou que o projeto deve ser descartado. Porém, a promessa é de se criar outro programa para facilitar a contratação de jovens entre 18 e 29 anos que nunca tiveram carteira de trabalho assinada.
O projeto elaborado em 2019 pela equipe econômica de Jair Bolsonaro (PL) reduzia os encargos trabalhistas pagos pelas empresas em troca da geração de empregos aos jovens – como a contribuição ao FGTS caía de 8% para 2%, e a multa em caso de demissão, de 40% para 20% do saldo do fundo. O projeto também permitia que férias e 13º salário fossem adiantados mensalmente.
O texto do projeto ainda isentava as empresas da contribuição de 20% ao INSS e das alíquotas do Sistema S e salário educação. A medida também pretendia flexibilizar a legislação trabalhista para contratações de pessoas com 55 anos ou mais. Editada em novembro de 2019, a MP que criou o programa não foi aprovada pelo Congresso e perdeu validade em meados de agosto de 2020.
A ideia voltou a ser discutida em 2021, quando a Câmara dos Deputados inseriu e aprovou as mesmas medidas dentro da MP 1.045/2021, apelidada de "minirreforma trabalhista". Na sequência, porém, a MP foi barrada pelos senadores, com a alegação de que iria precarizar as relações de trabalho.
Mesmo com a MP rejeitada pelos senadores, entidades como a Câmara Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL) e a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) pediram que ela voltasse a ser discutida.
O deputado federal Rogério Correia (PT-MG), que coordenou o grupo técnico do Trabalho da equipe de transição do governo Lula, explicou à Gazeta do Povo que a MP não pode voltar à discussão, mas disse que uma alternativa será estudada mais adiante.
“O ponto crucial é que ela se transformou em uma minirreforma trabalhista que tira muitos direitos, como o 13º salário e o terço de férias, que acabariam diluídos em 12 meses, dentre tantos outros que seriam retirados. Como o projeto ainda não foi analisado em nenhuma comissão, basta o governo mandar uma mensagem para retirar. Não pode ser desse jeito [como foi proposto], em que tira direitos por conta de dificuldades”, disse.
Quando a contratação pela "carteira verde e amarela" foi proposta pelos ministérios da Economia e do Trabalho e Previdência, a expectativa era criar cerca de 1,8 milhão de vagas até o fim de 2022, que seria o término da vigência do programa. No entanto, apenas 13.032 jovens foram contratados entre os meses de janeiro e abril de 2020, período em que as empresas admitiram na modalidade, segundo informou o agora extinto Ministério da Economia à Gazeta do Povo.
Fontes ligadas ao mercado de trabalho acreditam que as contratações não avançaram em razão da fragilidade da proposta, que acabou não avançando.
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Ideia foi prejudicada por "jabutis", mas discurso de precarização não se sustenta, diz economista
O economista Pedro Nery, consultor legislativo do Senado, diz que a proposta da "carteira verde e amarela" tinha vantagens, mas acabou prejudicada por "jabutis" como a remuneração por hora e o trabalho temporário sem férias, 13º salário e FGTS proporcionais, que não tinham grande apelo entre a opinião pública.
Para Nery, no entanto, o discurso de que a "carteira verde e amarela" iria precarizar o trabalho não se sustenta. Um exemplo: mesmo um recolhimento de FGTS menor que o habitual já seria um direito para o jovem que estivesse desempregado e conseguisse trabalho graças ao programa.
O consultor legislativo observa que, apesar da retórica oposicionista dos últimos anos, governos de esquerda no mundo e no Brasil costumam apoiar programas de inserção do jovem.
"Na Bahia, por exemplo, há um programa interessante para emprego no próprio governo com remuneração via bolsa e direitos previdenciários contratados privadamente, com seguradoras. É um drible na legislação trabalhista, mas é bem-intencionado e o impacto pode ser positivo”, conta o economista, em referência ao Programa Primeiro Emprego (PPE), criado em 2015 pelo ex-governador e atual ministro da Casa Civil, Rui Costa.
Carteira verde e amarela poderia afetar quem já está empregado
Uma das polêmicas surgidas durante a discussão da medida era a possibilidade de empresas passarem a contratar trabalhadores apenas por meio dessa modalidade mais flexível e menos custosa de emprego.
Julian Alexienco Portillo, professor de ciências econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em escolas de pensamento econômico liberal, acredita que seria, sim, um risco, mas que poderia ser minimizado com um prazo determinado de vigência e regras mais rígidas.
“Em um momento que a economia ainda estava em recuperação por conta da pandemia, [a carteira verde e amarela] era uma forma de estimular, de dar uma oportunidade para o jovem entrar no mercado de trabalho com carteira assinada em vez de um estágio ou um trainee, mesmo com menos direitos no começo”, analisa.
Mas, para o deputado Rogério Correia, mesmo esse prazo determinado poderia correr o risco de se tornar permanente. Ele afirma que já havia emendas prontas a serem adicionadas que permitiriam a contratação por mais tempo.
Para o parlamentar, não haveria geração de empregos, e sim a substituição de um quarto da folha de trabalho das empresas por essa modalidade mais barata. “Na prática, faz com que sejam mandados embora trabalhadores com direitos, substituídos por esses sem direitos. A carteira verde e amarela não gera emprego, ela só tira direitos”, diz.
Na mesma linha, uma nota técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) publicada durante a tramitação da medida provisória rejeitada pelo Senado, afirmava que a contratação via "carteira verde e amarela" e outras modalidades previstas na minirreforma trabalhista elevaria a quantidade de postos de trabalho de “baixa qualidade”.
“A proposta aprovada na Câmara tende, inclusive, a reforçar e legitimar a contratação e substituição de jovens e adultos, em postos de trabalho cada vez mais instáveis, que não caracterizam vínculo empregatício, mal remunerados e sem proteção previdenciária, ao mesmo tempo em que concede subsídios para as empresas contratantes, gerando efeitos futuros cada vez piores para a estruturação produtiva no país”, dizia o texto.
Apesar disso, o professor Portillo considera que o governo é que sairia perdendo com essa modalidade de contratação, e não o trabalhador em si. Como as empresas deixariam de pagar alguns tributos e teriam redução em outros, a União teria uma renúncia fiscal de pelo menos R$ 10,6 bilhões em cinco anos apenas entre os jovens.
Solução passa por discussões de medidas para trabalhadores formais e informais
Com a retirada do projeto da "carteira verde e amarela" e seus “jabutis”, Correia afirma que na gestão Lula uma comissão tripartite – de empregadores, trabalhadores e governo – será formada para discutir uma legislação trabalhista mais assertiva do mercado de trabalho pós-pandemia. E isso englobaria, segundo ele, não só os empregos que já existem, mas também aqueles criados com o avanço das tecnologias de intermediação e para os jovens sem experiência.
Para os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a desoneração das contratações ainda é o melhor caminho para gerar novos empregos sem impactar o caixa das empresas. No entanto, com disciplina para não atingir os direitos já previstos em lei aos empregados.
Pedro Nery considera que um programa de emprego baseado na expansão do estágio seria eficaz para os jovens sem experiência, e seria melhor compreendido pela sociedade.
“O estágio é um contrato bastante flexível e desonerado, mas disponível apenas para os filhos das elites, que conseguem continuar estudando formalmente no início da vida adulta. Um estágio para jovens que não estão na faculdade ou no ensino técnico, mas que ambicionam estudar, ou que cursem programas de menor duração, faria sentido”, diz.
Portillo afirma que, pensando pelo aspecto liberal econômico, o ideal é desonerar o custo de gerar um emprego, dando margem ou folga para o empresário pegar aquele dinheiro que ele ia pagar ao governo e investir na própria empresa, inclusive gerando emprego. "No entanto, precisaria ser algo temporário, e não definitivo que depois poderia ficar sem controle", diz.
Segundo ele, uma reforma tributária bem feita também pode ajudar a gerar mais empregos, racionalizando os impostos e taxas pagos pelos empresários. Além disso, Portillo afirma que a legislação trabalhista também precisa passar por uma revisão que não onere tanto os empregadores, e que ao mesmo tempo não deixe os trabalhadores sem garantias.