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As principais entidades industriais brasileiras, entre elas a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), apresentaram uma série de sugestões durante a campanha eleitoral de 2022, em parte acolhidas num documento divulgado pelo então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dias antes do segundo turno.
A reindustrialização do país foi um dos pontos centrais do documento, que defendia levar a indústria brasileira para o século 21. Para isso, seria criada uma política industrial focada na inovação, no estímulo à cooperação público-privada, o fortalecimento da ciência e da tecnologia e a garantia do acesso a financiamento com custos adequados.
Passados sete meses de mandato, porém, pouco se avançou em política industrial, apontam especialistas. O que está sendo visto até agora, assim como na área social, é a reciclagem de velhas ideias, como o fortalecimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o programa que resultou em incentivos para a compra de carros, beneficiando a indústria automobilística, e incentivos à indústria naval, com base na obrigação de conteúdo local.
Outra medida que pode ser tomada, segundo o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin (PSB), é a disponibilização de recursos do BNDES com juros abaixo do mercado para inovação e digitalização de empresas.
No banco de fomento, a visão é de que a reindustrialização – ou "neoindustrialização", termo alardeado pelo governo – é a única alternativa de desenvolvimento para o Brasil.
É o que sustentam José Luís Gordon e Alexandre Abreu, diretores do banco. Em artigo na “Folha de S. Paulo”, eles argumentam que agricultura e serviços têm baixa densidade tecnológica e não geram crescimento sustentado. Afirmam que todos os países protegem suas manufaturas, e que o Brasil deveria fazer o mesmo.
O retrato, entretanto, é mais complexo. A indústria de transformação vem perdendo espaço no PIB. Um estudo feito pelos pesquisadores Claudio Considera e Juliana Trece, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) mostra que em 1985 o setor representava 36% do PIB brasileiro. Em 2023, a fatia é de apenas 11%, segundo o dado mais recente.
O fato é que a indústria não consegue acompanhar o ritmo de outros setores. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos últimos dez anos a produção industrial encolheu em seis ocasiões. No acumulado de 2013 e 2022, a atividade do setor diminuiu 14,25%. No mesmo período, o comércio cresceu 5,45% e a prestação de serviços, 6,23%.
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Incentivos do governo não se alinham com outras políticas
Claudio Shikida, professor do Ibmec Belo Horizonte e especialista do Instituto Millenium, destaca que os incentivos à indústria até agora concedidos pelo governo não se alinham com o discurso ambientalista do governo.
“Queremos mais carros populares baseados em combustíveis fósseis? Queremos produção de carros elétricos caríssimos? Não me parece a melhor opção de política pública. Houve algum estudo de impacto desta proposta? Digo, um estudo sério, feito sob metodologia científica sólida? Não me parece que tenha sido feito uma análise de política pública desta proposta”, diz ele, sobre o pacote de socorro às montadoras implantado meses atrás.
Segundo ele, não há mal em se querer um setor industrial economicamente forte. “Por outro lado, não é realista querer gerar, artificialmente, um setor industrial com elevada participação no PIB. O mundo mudou, as sociedades mudam”, diz.
Políticas devem ser horizontais, beneficiando todos os setores
Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso, professores da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE/FGV), defendem a adoção de políticas horizontais, que beneficiem todos os setores, mediante melhora do ambiente de negócios e a redução de distorções na alocação de recursos – como a reforma tributária do consumo, por meio da implantação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual.
“Estas [políticas horizontais] seriam complementadas por políticas de inovação, tecnológicas e educacionais focadas em aumento de produtividade, que reconhecessem que inovações em serviços têm sido o motor do crescimento em economias avançadas”, afirmam em artigo no jornal “O Globo”.
Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, vê como preocupante a intenção do governo de implantar no Brasil, mais uma vez, parte de um modelo asiático que funcionou graças aos elevados investimento e poupança e aos sucessos na educação e na produção para exportação. O que está muito longe da realidade brasileira.
“Uma estratégia que dependa de alta taxa de poupança e pouca proteção social claramente não é para nós”, apontou Fraga em texto no jornal “O Estado de S. Paulo”.
O professor Rogério Furquim Werneck vê um certo fascínio por uma agenda restauracionista, movida pela insistência em políticas que se provaram equivocadas no passado – como construção de refinarias, desenvolvimento da indústria naval, exigências severas de conteúdo local, programas de crédito subsidiado e fixação na ideia de “reindustrializar” o país a qualquer custo.
Em artigo no “Globo”, ele também cita que há uma cruzada de desmantelamento de tudo que esteja remotamente associado aos governos Temer e Bolsonaro. É o caso do teto dos gastos, Lei das Estatais, reforma trabalhista, reforma do ensino médio, Marco do Saneamento, BC independente e privatização da Eletrobras.
Shikida destaca que a indústria, como qualquer outro setor da economia, responde melhor aos estímulos de oferta e demanda do que a demandas governamentais.
Tamanho da tarefa é grande demais para um só governo
Considera e Trece consideram que a discussão sobre reindustrialização é retórica. Eles consideram que uma recuperação da indústria brasileira será uma tarefa árdua e de longa duração – e não algo a ser resolvido por um governo apenas.
“Exigirá medidas continuadas de vários governos para voltar a ocupar papel relevante na economia. Será necessário adquirir tecnologia moderna para aumentar sua competitividade internacional e, em conjunto com as universidades inovar e aprimorar a tecnologia adquirida", afirmam.
A atuação do governo, entretanto, precisa ser diferenciada, apontam os pesquisadores. Não deve ser como no passado, com tarifas protetoras da indústria nascente, nem com subsídios para setores eleitos, como ocorreu mais recentemente.
“O governo deveria atuar por meio de incentivos aos meios que permitam a indústria tornar-se eficiente e competitiva. Um dos exemplos é o estímulo ao surgimento de especialistas vindos das universidades. A forte interação da Petrobras com universidades possibilitou que ela viesse a ser líder em novas tecnologias de exploração de petróleo", apontam.
Outro exemplo citado por eles é o agronegócio, que beneficiou-se de investimentos em pesquisa, tecnologia e inovação iniciados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) ainda nos anos 1970.
Não é o que está sendo feito no momento, aponta Rubens Moura, professor de economia da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio. Ele aponta que falta coordenação por parte do governo, o que inibe o desenvolvimento tecnológico: “O mercado não acredita na academia, o governo não faz a ponte entre o mercado e os centros de pesquisa e o governo não os financia”.
Indústria brasileira foi protegida; países de sucesso se abriram ao mundo
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, ressalta que a indústria brasileira cresceu protegida e fechada, beneficiada por tarifas de importação elevadas. “Os países que cresceram industrialmente foram aqueles que fizeram acordos comerciais, diminuíram a proteção e se abriram à concorrência.” É o caso de países como Coreia do Sul, Cingapura, Malásia, Polônia e Taiwan.
Marcos Mendes, professor associado do Insper, aponta que prosperam as nações que conseguem superar condições adversas e tirar proveito das favoráveis.
“O importante é que as pessoas sejam instruídas, com capacidade para inovar ou usar métodos inovadores; que as oportunidades de criação de valor, inovação e absorção de tecnologia via comércio internacional sejam exploradas; que o governo faça a sua parte na provisão de bens públicos e não interfira excessivamente, impedindo a absorção eficiente de capital”, defende Mendes em texto na “Folha de S.Paulo”.