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Embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e aliados critiquem o patamar da taxa básica de juros definida pelo Banco Central (BC), a atuação da atual gestão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pode acabar contribuindo para tornar o crédito mais caro no país.
Isso porque a concessão de juros subsidiados a determinados setores pelo BNDES, defendida pela direção do banco, tende a pressionar para cima a chamada taxa neutra de juros para o restante do mercado, aumentando os encargos para empresas e pessoas físicas que não têm acesso às linhas subsidiadas.
Desde que assumiu a presidência do banco de fomento, Aloízio Mercadante defende uma redução na chamada Taxa de Longo Prazo (TLP), utilizada como referência para os contratos de concessão de crédito da instituição. A expectativa é de que uma proposta seja anunciada nos próximos dias.
A justificativa é que o BNDES precisaria voltar a ser indutor da indústria e da inovação tecnológica no setor produtivo, uma vez que o atual custo da TLP, considerado elevado por Mercadante, estaria retirando a competitividade do banco.
Para se ter uma ideia, em meados de 2011, a participação da indústria na carteira de empréstimos do BNDES chegou a 48%. Hoje o setor responde por menos de 20% do valor total de desembolsos. Entre 2008 e 2015, o volume de operações do banco girou em torno de 3,4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro – hoje equivale a cerca de 1%.
“Nosso projeto é voltar ao patamar histórico dos desembolsos do BNDES desde o início da implantação do real, que é de 2% do PIB. Para isso, queremos dobrar o tamanho do BNDES até 2026 para que possa cumprir seu papel de desenvolvimento econômico e social”, disse o presidente do banco em coletiva no dia 14 de março.
“Algumas atividades precisam de subsídio para serem viáveis e o retorno delas não é econômico, mas de externalidade. Elas geram ganhos, como em tecnologia, inclusão social e mudança ambiental”, afirmou o diretor de planejamento do BNDES, Nelson Barbosa, ao jornal “Folha de S.Paulo”.
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A TLP foi criada em 2017, no governo de Michel Temer (MDB), em substituição à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que era aplicada nos financiamentos do banco até então. A TJLP era calculada com base na inflação esperada nos 12 meses seguintes, a partir das metas anuais fixadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
A concessão de empréstimos pelo BNDES a juros subsidiados baseados na TJLP é considerada por analistas do mercado como uma das razões para a Selic, taxa básica de juros, ter ficado em patamares elevados entre 2013 e 2016.
“Taxa Selic e TJLP apresentaram sensível descolamento durante o período de ampliação do papel do BNDES no mercado de crédito total”, diz relatório da XP Investimentos divulgado no fim de março. “A taxa Selic tinha que ser maior do que o necessário porque o BNDES concedia um grande volume de crédito com taxas de juros muito abaixo do equilíbrio.”
A diferença de taxas levava a distorções na alocação de capital, permitindo que empresas que tivessem acesso ao financiamento do banco se beneficiassem de menores custos em relação àquelas que não tinham esse acesso.
Sucessora da TJLP, a TLP é obtida a partir de uma parcela pré-fixada, baseada na média de três meses da taxa de juro real da NTN-B de 5 anos vigente no momento da contratação do financiamento, mais uma parte variável de acordo com o IPCA do mês.
Com a utilização da TLP, há uma redução dos custos do Tesouro Nacional com subsídios, uma vez que os juros cobrados nos empréstimos feitos pelo banco pagam os custos de captação do Tesouro Nacional.
Em março, a parcela fixa da TLP atingiu seu pico histórico de 6,15% ao ano. Agora, a direção do banco quer uma mudança no cálculo da taxa.
“Alterações no método de cálculo podem resultar em aumento do subsídio implícito”, avaliam os economistas da XP Camilla Dolle, Rodolfo Margato e Tiago Sbardelotto. “Esse ‘custo’ adicional acaba sendo pago pelos contribuintes, já que parte dos recursos do BNDES ainda vem do Tesouro Nacional, e pelos trabalhadores, que têm uma remuneração do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador, uma das fontes de financiamento do BNDES] inferior aos demais investimentos disponíveis.”
À CNN, o diretor de desenvolvimento produtivo, comércio exterior e inovação do BNDES, José Luis Gordon, disse que a intenção não é retomar TJLP, nem dar subsídios no financiamento à indústria. “A ideia, isso sim, é que as novas taxas fiquem mais perto da Selic e reduzam a volatilidade [para o tomador do crédito]”, disse.
O economista Fabio Kanczuk, ex-diretor de política econômica do BC e atualmente chefe da área de macroeconomia da ASA Investments, considera, no entanto, que o aumento na concessão de empréstimos pelo BNDES pode elevar a taxa neutra de juros para cerca de 6% ao ano em termos reais.
Ao jornal “Valor Econômico”, ele calculou que cada alta equivalente a 1% do PIB nos créditos concedidos pelo banco levaria a um aumento de 1,5 ponto porcentual na taxa neutra de juros. Assim, o aumento de concessões para cerca de 2% faria com que a taxa neutra, estimada em dezembro pelo BC em 4%, subisse quase 2 pontos porcentuais.
“A gente parece achar muito legal dar crédito para habitação, crédito para a agricultura, crédito para as indústrias, mas isso significa que a gente está tirando o poder do Banco Central para mexer nas taxas de juros da economia, além de estar mexendo nas taxas de juros que a gente tem de fato”, explicou o economista Bernardo Guimarães, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), ao podcast Café da Manhã. “Quando a gente tem menos dessas coisas, a gente tem potencialmente juros menores para todos.”
A estratégia de aumentar a participação do BNDES no mercado de crédito foi criticada de forma indireta pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC na ata de sua última reunião. Sem citar o BNDES, o órgão declarou que considerou “a possível adoção de políticas parafiscais expansionistas” ao avaliar fatores que poderiam levar a uma taxa de juros neutra mais elevada.