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O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve apresentar até a semana que vem o anteprojeto de lei que regulamenta o trabalho por aplicativos, conforme prazo estabelecido pelo Ministério do Trabalho. Há vários impasses sobre valores de hora trabalhada e direitos de motoristas e entregadores, mas um ponto já pacificado será a inclusão, na proposta, da representatividade sindical desses profissionais – hoje são perto de 2 milhões de trabalhadores.
Segundo apurou a Gazeta do Povo, a ideia do governo é garantir a participação dos sindicatos nos acordos e convenções coletivas. As centrais sindicais integram o grupo tripartite formado pelo governo com representantes de trabalhadores e de empresas. Desde abril, o GT vem discutindo os parâmetros da regulação para o projeto de lei a ser apresentado à Câmara dos Deputados.
O projeto não trará o reconhecimento de vínculo de trabalho nos moldes da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), mas deverá ser estabelecida uma nova relação jurídica para empregados plataformizados, a exemplo do que já existe em outras categorias. É o caso dos trabalhadores portuários avulsos, que não são empregados de uma empresa, mas são registrados e cadastrados no Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO), e assim, representados pelos sindicatos de suas categorias.
Segundo fontes ligadas ao Ministério do Trabalho, o primeiro passo será estabelecer o recolhimento de benefícios previdenciários e um valor de hora trabalhada baseada no salário mínimo nacional.
O passo seguinte é dar forma de legitimidade para representação pelos sindicatos dos trabalhadores. Vale lembrar que no Brasil – diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, por exemplo – o trabalhador é automaticamente representado pelo sindicato de sua categoria profissional, mesmo que não se filie a ele.
A princípio, o texto não deve tratar da implementação de taxas a serem pagas pelos trabalhadores por aplicativos aos sindicatos. Porém, abrirá caminho para que os sindicatos incluam a contribuição assistencial nos acordos coletivos, que passaram a valer para todos os representados, inclusive os não sindicalizados, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
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Objetivo é sindicalizar trabalhadores e gerar receita para entidades
José Pastore, professor da FEA-USP e especialista em relações do trabalho, não se surpreende com a disposição do governo – que encontra certo amparo na legislação brasileira, que admite inclusive autônomos sindicalizados. Para ele, esse sempre foi o objetivo de toda a proposta de regulamentação dos aplicativos.
"O que eles querem é sindicalizar 5 milhões de trabalhadores para gerar receita. Esta parcela é o 'filé mignon' do mercado de trabalho", diz.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em outubro, 2,1 milhões de trabalhadores realizavam trabalhos por plataformas digitais, sendo 1,5 milhão em aplicativos de serviços e 628 mil em comércio eletrônico. Há indicativas informais que apontam números maiores.
A medida existe em outros países e integra o rol de iniciativas que o governo tem tomado para fortalecer os sindicatos. Uma delas foi a recente determinação de que o trabalho no comércio aos feriados dependa de aprovação em convenção coletiva. A portaria gerou repercussão negativa e o Ministério do Trabalho recuou. "Temos um governo sindicalista", afirma Pastore. "É natural que eles tentem estimular e fortalecer as entidades em tudo quanto é setor."
A tendência, acredita Pastore, é de que os profissionais que trabalham por aplicativos sejam representados por diversos sindicatos que vão estabelecer negociações com as empresas individualmente, já que será difícil a criação de um sindicato patronal de serviços de aplicativos.
Projeto está atrasado por impasse nas negociações
O anteprojeto do GT deveria ter sido apresentado até o fim de setembro, mas não houve acordo entre as empresas e os representantes dos entregadores. O principal impasse é o pagamento por hora logada no aplicativo, reivindicado pelos profissionais, e não por hora efetivamente trabalhada, como querem as empresas.
O governo havia decidido arbitrar os valores e, segundo apurações de bastidores da época, o projeto previa ganhos mínimos por hora trabalhada, de R$ 30 para motoristas e R$ 17 para entregadores.
A alíquota de contribuição previdenciária seria de 27,5%, dos quais 20% seriam pagos pelas empresas e 7,5% pelos trabalhadores. As negociações, no entanto, continuaram e a apresentação do projeto foi sendo postergada.
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Projetos sobre o tema inundam o Legislativo e ilustram dificuldade de regulamentação
Mais de 50 projetos de regulamentação de aplicativos estão protocolados no Legislativo. Em outubro, o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) apresentou dois, em linha com seu movimento político de desconfigurar a reforma trabalhista, intensificado no atual mandato.
O primeiro (PL 5.283/2023) cria um valor mínimo recebido aos motoristas de R$ 11,50 por corrida, acima da reivindicação dos próprios motorista, que é de R$ 10. O outro estabelece um limite máximo de 10% de comissão cobrada pelas empresas (PL 5.284/2023). Os dois projetos precisam passar pelas comissões antes de ir a plenário.
Um projeto de lei complementar sobre o tema, de autoria do senador Rogério Marinho (PL-RN), tramita no Senado desde abril, aguardando votação na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Além da melhoria das condições de exercício das atividades, cria mecanismos de inclusão previdenciária e disciplina a relação jurídica entre esses prestadores e as operadoras.
Marinho, que é líder da oposição no Senado, tem criticado a demora na deliberação do tema. "O fato é que o governo gastou um ano com reuniões e grupos de trabalho. Prometeu para setembro o envio de uma proposta e não encaminhou nada ao Congresso. Ao mesmo tempo, deixou seus parlamentares construírem propostas como essa [de Lindbergh]", disse à Gazeta do Povo.
Para o senador, a dificuldade no avanço das propostas de regulamentação reside no "viés ideológico do governo Lula, que tem como último interesse o benefício aos trabalhadores e usuários de aplicativos". "Para o PT, em primeiro lugar está mais arrecadação para os sindicatos. Não olham para o problema de forma pragmática", afirma.
Projeto sobre direito de oposição tramita em paralelo
Marinho também foi relator na CAE do projeto que regulamenta o direito de oposição dos trabalhadores à contribuição assistencial aos sindicatos. O projeto veio em resposta à decisão do STF sobre a constitucionalidade da cobrança de uma contribuição assistencial de empregados não sindicalizados.
De autoria do senador Wellington Fagundes Styvenson Valentim (Podemos-RN), o texto, já aprovado na CAE, foi discutido nesta semana na Comissão de Assuntos Sociais (CAS).
Segundo a proposição, o empregador deverá informar por escrito ao empregado qual é o sindicato que representa sua categoria e o valor da contribuição assistencial cobrada. O direito de oposição também será facilitado, podendo ser feito por meios eletrônicos.Um dos principais pontos de discussão é se o direito de oposição deve ser exercido na assembleia ou individualmente. Também há dúvidas sobre o desconto compulsório em folha de pagamento.
Desconto compulsório com oposição em assembleia recria o imposto sindical
José Pastore, que participou da reunião da CAS, explica que a maioria dos países autoriza a contribuição assistencial ou negocial para não sindicalizados. "O benéfico acaba sendo para todos", explica. "Porém, a legislação brasileira atual prevê a necessidade de autorização prévia e expressa do trabalhador para desconto das contribuições sindicais."
Na maior parte dos países, ressalta Pastore, a cobrança das taxas é feita diretamente pelo sindicato, por meio de boleto ou outro mecanismo. O desconto compulsório em folha também só acontece se o trabalhador concordar previamente por escrito.
"O salário é o bem maior do trabalhador e é protegido pela Constituição. O desconto altera o valor do salário, que no Brasil tem caráter alimentar", salienta. "Caso o direito de oposição seja estrito apenas à assembleia, como querem os sindicatos, as dificuldades atuais do trabalhador para se opor ao pagamento continuarão."
As entidades costumam impor critérios rígidos para a manifestação dos oponentes. "Na prática, estarão recriando o imposto sindical, que era compulsório e obrigatório", acredita Pastore. O imposto sindical foi extinto na reforma trabalhista de 2017.
O relator do projeto na CAS é o senador Paulo Paim (PT-SP), que ainda não apresentou seu parecer. Caso seja aprovado e não haja recursos para o plenário, o texto segue diretamente para a Câmara dos Deputados. Não há data para votação.