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Ministro da Fazenda

Haddad fala em ampliar mercados de crédito e capitais. O que dizem especialistas

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, diz que a ampliação dos mercados de créditos e capitais estão entre as reformas a se fazer "além da tributária". (Foto: Washington Costa/MF)

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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, assumiu como meta a ampliação dos mercados de crédito e de capitais. Em dezembro, antes de assumir o cargo, ele citou essas iniciativas como exemplos de reformas para se fazer "além da tributária".

"A questão do crédito, se pegarmos a trajetória de 20 anos para cá, em 2003, nós fizemos uma grande agenda de crédito no Brasil, em uma das mais eficazes agendas de expansão do crédito, com responsabilidade. Não teve quebra de banco, nada, os bancos ficaram mais robustos porque eram programas de expansão corretos", disse Haddad em entrevista coletiva em dezembro. "Mercado de capitais, quantos IPOs foram feitos naquele período, quantas empresas abriram capital", acrescentou.

Segundo Haddad, o foco da "agenda desta década" será aprofundar ambas as questões. A missão, no entanto, pode não ser simples. No caso do mercado de capitais, políticas intervencionistas podem afastar investidores. Esse mercado captou cerca de R$ 544 bilhões em 2022, cerca de 11% menos que no ano anterior, segundo a Associação Nacional das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). As captações foram afetadas principalmente pela queda de 57% nas operações com renda variável, enquanto a renda fixa aumentou 7% e atingiu nível recorde.

A redução da concentração bancária é um desafio ainda maior. Em 2020, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que seis bancos exploravam "200 milhões de trouxas". De acordo com o mais recente Relatório de Economia Bancária do Banco Central, os cinco maiores bancos comerciais do país detinham 77,6% dos ativos ao fim de 2021, ante 81,2% ao fim de 2018. Nas operações de crédito dos bancos comerciais, a fatia dos cinco primeiros recuou de 84,8% em 2018 para 81,4% três anos depois.

Ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Roberto Luís Troster considera que há um "diagnóstico equivocado" sobre o tema e discorda que exista uma concentração bancária elevada no país. Mas concorda que é possível aperfeiçoar o mercado de crédito.

"A gente tem um sistema menos concentrado que a maioria dos outros países. Na média, os grandes bancos cobram menos do que o resto do sistema, o problema não é a concentração. O que falta é uma vontade de mudar. Só falar é bonito, mas não resolve", diz.

André Perfeito, ex-economista-chefe da Necton Investimentos, avalia que são necessárias mais ações para mudar o quadro do elevado spread bancário – a diferença entre os juros que os bancos pagam para captar dinheiro e os que eles cobram nos empréstimos.

"Podem falar que [o problema] é o risco-Brasil, mas acho que não. É algo da nossa indústria financeira, que tem que ser melhorada, mas não é pelo voluntarismo da atividade política. Tem que fomentá-la para diminuir o spread", avalia.

O que pode ser feito para desenvolver os mercados de crédito e capitais

Segundo dados do Banco Mundial, o spread bancário do Brasil, de 25,7%, só é superado por Zimbábue (37,4%) e Madagascar (34,5%). O economista Roberto Luís Troster sustenta que a maioria das medidas para mudar esse cenário cabe ao Banco Central e ao Ministério da Fazenda.

Troster questiona a ausência de padronização dos juros, critica a tributação sobre o crédito e as despesas geradas aos bancos pelos depósitos compulsórios, e sugere que mudanças sobre esses aspectos poderiam mudar a realidade da tomada do crédito no Brasil.

"Uns [bancos] usam taxa ao ano, outros taxa ao mês, por que não faz só uma medida? Também se tributa o crédito, e tem aplicações que nem pagam o imposto. Só depende da Receita Federal tirar imposto do crédito e pôr na aplicação. [Com isso,] quem ganha dinheiro paga imposto, quem deve dinheiro não paga", destaca.

Quanto aos depósitos compulsórios, Troster comenta que os bancos gastam dinheiro para levantar fundos que ficam "congelados" no BC. "A grande questão do sistema financeiro é que ele é obsoleto. Por que bancos que operam aqui e em outros países conseguem operar em outros países com taxas muito mais baixas? Itaú e Banco do Brasil operam em outros países com taxas que, na média, são várias vezes mais baixas que no Brasil", comenta. "A questão não é só falar, tem que fazer", acrescenta.

O economista André Perfeito reconhece que a agenda microeconômica conduzida pelo BC na gestão de Roberto Campos Neto e também por antecessores melhorou a competitividade do mercado de crédito. Porém, afirma que é preciso aprofundar. "Tem que melhorar mais, o crédito no Brasil é muito mal feito ainda. A boa notícia é que toda a tecnologia da informação constrói uma possibilidade de dar um crédito melhor. Se incentivarem a essa indústria nesse sentido haverá um ganho gigante", comenta.

Perfeito enfatiza que, por se tratarem de questão regulatória, tanto o mercado de crédito quanto o de capitais podem ser aperfeiçoados pela equipe econômica do novo governo e pelo Banco Central. Para ele, o melhor que o governo e BC podem fazer é "não atrapalhar" o mercado.

"A indústria de crédito e de capital melhorou bastante, tem que incentivar o setor privado a fazer esse jogo. O governo tem que saber usar as forças da iniciativa privada", analisa. No mercado de capitais, Perfeito avalia que a criação de juros subsidiados seria uma forma de perturbar o mercado. "Se criou uma infraestrutura financeira que finalmente está avaliando projeto, crédito, tudo isso", comenta.

Iniciativas que compartilhem os riscos entre Estado e o setor privado, porém, podem ser bem-vindas. "Qualquer tipo de iniciativa do BNDES ou da Fazenda, que seja acompanhada de tentar jogar isso para a iniciativa privada e fazer junto, seria importante e realmente poderia ajudar, como as debêntures incentivadas. Ou seja, criar um tipo de incentivo do governo, de compartilhar os riscos", avalia Perfeito.

O que Haddad disse sobre fomentar os mercados de crédito e de capitais

Na coletiva de imprensa em que falou sobre a "agenda da década", Haddad defendeu "voltar ao mercado de microcrédito" e garantir a "democratização do crédito". "Podemos desmamar grandes empresas que estão recorrendo ao mercado de capitais. Como acontece no mundo todo, não há necessidade de nenhum tipo de apoio do Estado para aqueles que têm acesso a crédito barato", afirmou.

Na ocasião, Haddad disse que as cooperativas de crédito estão "reclamando por providências" que, segundo ele, podem ser feitas. Ele defendeu a regulação do mercado financeiro, que, de acordo com o ministro, prosperou nos governos Lula no sentido de garantir mais concorrência. E também demonstrou disposição em discutir a agenda com o sistema financeiro.

"Não temos nenhum problema de sentar com o sistema financeiro para o aperfeiçoamento das regras, da governança, da sustentabilidade. Sem educação de qualidade e crédito não há economia de mercado que prospere. São dois pilares de um mercado eficiente", disse Haddad. Ele defendeu que as pessoas tenham mais acesso ao crédito por entender que "é o mecanismo mais eficaz, junto à educação, para garantir a ascensão social e a multiplicação de oportunidades".

Haddad citou a possibilidade de um sistema de crédito pelo Pix e disse que, "com os rigores da autoridade monetária", é possível haver uma profusão de agentes que "vão ajudar a democratizar o crédito, fortalecer a concorrência e fazer a taxa de juros ao tomador cair", bem como os spreads. "Em relação à democratização do crédito, considero que poderemos contar com um mundo novo que nos ajuda a garantir mais concorrência e queda dos spreads, da taxa de juros ao tomador final", comentou.

Haddad se mostrou sensível ao mercado de capitais, mas deixou claro seu entendimento de que ele não é a solução para todos os problemas de investimentos. "Há ansiedade por investimentos de longo prazo e nem sempre isso cabe no mercado de capital privado", disse. "Por exemplo, mobilidade urbana, nem sempre para fazer um metrô a conta fecha com mercado de capitais", justificou Haddad, ao defender a ampliação das parcerias público-privadas (PPPs).

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Lideranças da Câmara cobram empenho por mercados competitivos

O deputado federal José Nelto (PP-GO), vice-líder do partido na Câmara, apoia a ampliação do mercado de crédito defendida por Haddad, mas enfatiza que irá cobrar. "Meu primeiro ato na nova legislatura vai ser convidar o Haddad e a equipe dele e o presidente do Banco Central para discutir a abertura do sistema financeiro", afirma.

"Lula vai ter que provar que não é governo de banqueiros. Que ele faça e mande para o Congresso Nacional o que for necessário, e nem é preciso inventar nada. Copia a legislação americana, tanto a trabalhista quanto a judiciária", diz Nelto.

O deputado defende reformas para incentivar bancos estrangeiros a competir no mercado brasileiro. "A nossa legislação trabalhista é draconiana, o banco não quer ficar aqui. Temos o cartão de crédito mais caro do planeta e os juros mais caros do planeta porque os ministros, os governos e parte do Congresso Nacional se vendem para os banqueiros", opina. "Muda as duas legislações e você vai ver todo dia chegando um banco diferente. O dinheiro foi feito para produzir e não para especular", acrescenta.

O deputado federal Zé Vitor (PL-MG), vice-líder do partido e escalado para a presidência da Frente Parlamentar Digital em 2023, defende o fomento de um mercado de crédito competitivo que "empodere" os consumidores e favoreça a redução das taxas de juros praticadas para ampliar o crédito, "com responsabilidade e sem pressionar o Orçamento da União".

Para ele, as fintechs têm papel central no debate e as regulamentações do BC que incluíram os arranjos de pagamento e as instituições de pagamento no Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) também contribuíram muito para o fomento, em complementação à lei dos meios de pagamento. "Na última década, as fintechs foram responsáveis por uma redução de 10 pontos percentuais nos índices de concentração bancária no Brasil. São mais de R$ 60 bilhões economizados em tarifas graças a elas. Isso aumenta a concorrência e facilita o acesso ao mercado de crédito", destaca.

Zé Vitor defende, ainda, uma agenda de reformas para a construção de um ambiente de crédito competitivo e sustentável para a população, com maior atuação das fintechs. Também promete fiscalizar a regulamentação da lei que chancelou a legalidade da criptoeconomia e destaca a importância dos fluxos da portabilidade de serviços financeiros, como salário, crédito e investimento.

"Eles podem ser mais rápidos, transparentes e eficientes, mediante uso de tecnologias hoje amplamente difundidas e que não estavam disponíveis quando tais procedimentos foram concebidos. Isso empodera o consumidor, aumenta a competição no mercado, provoca uma redução de juros e ampliação do acesso a crédito responsável. Temos um problema sério quando falamos em portabilidade e que deve ser considerado", diz Zé Vitor.

Segundo a Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP), metade dos pedidos de portabilidade salarial é negada. De um total de aproximadamente 15,5 milhões de solicitações feitas nos últimos quatro anos, 7,4 milhões foram reprovadas. "O Banco Central fez importantes avanços ao regulamentar a portabilidade salarial, mas alguns aspectos operacionais ainda tornam essa transferência lenta e burocrática", diz o vice-líder do PL.

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