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Aviação

Insegurança jurídica assusta investidor e dificulta entrada de empresas aéreas no Brasil

Latam, Gol e Azul dominam 99,5% do transporte doméstico de passageiros no Brasil. Há 20 anos, as três líderes de então (Varig, TAM e Gol) tinham 84,8% do mercado. (Foto: Ricardo Wolffenbuttel/ Zurich Airport Brasil)

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A insegurança jurídica tem sido um obstáculo para a entrada de novas companhias aéreas no mercado brasileiro. “É um assunto que assusta os potenciais investidores”, afirma a presidente da Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear), Jurema Monteiro.A concorrência é limitada no setor aéreo brasileiro. Três empresas (Latam, Gol e Azul) dominam 99,5% do transporte doméstico de passageiros, de acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Nos últimos 20 anos, essa concentração aumentou. Em fevereiro de 2004, as três líderes de então (Varig, TAM e Gol) tinham 84,8% do mercado.Marcelo Guaranys, especialista em direito aeronáutico da Demarest Advogados e ex-presidente da Anac, aponta que o principal problema é a tentativa constante de alterar as regras do marco regulatório do setor. Segundo ele, o Brasil possui um bom arcabouço que permite a entrada de empresas com 100% de capital estrangeiro.

Marco regulatório da aviação sofre tentativas de interferência

Os exemplos mais recentes são a interferência de governos nas rotas que podem ser estabelecidas a partir dos aeroportos e possibilidade de que as empresas sejam novamente proibidas de cobrar pelas bagagens despachadas.

No segundo semestre de 2023, o governo federal impôs restrições aos voos com destino ao aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. A medida visava preservar a qualidade do serviço prestado pelo aeroporto, operado pela estatal Infraero.

A ação foi justificada como uma tentativa de prolongar a concessão do Tom Jobim (Galeão), o aeroporto internacional do Rio de Janeiro. O terminal enfrentou problemas na execução de seu contrato devido à demanda de passageiros abaixo do esperado, resultando em ociosidade que chegou a 80%.

Volta e meia, a cobrança de bagagens despachadas no porão dos aviões volta a ser discutida. A prática foi autorizada pela Anac em 2016 e implementada em 2017. Em 2022, o Congresso tentou derrubá-la por meio da modificação de uma medida provisória com regras para o setor.

No entanto, o presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou a iniciativa dos parlamentares. Segundo ele, a medida contrariava o interesse público, pois levaria as companhias aéreas a revisar o preço das passagens devido ao aumento dos custos operacionais. “A cobrança do despacho de bagagens é uma questão fundamental para a operação das empresas de baixo custo”, diz Guaranys.

Necessidade de alto investimento também é barreira para novas empresas aéreas

Os altos custos de investimento também são um obstáculo para a entrada de novas empresas no setor aéreo. Especialistas apontam que que é preciso ter escala para iniciar as operações.

“Não é possível começar com apenas três aviões”, diz Guaranys. A Gol, hoje a segunda maior em participação de mercado, iniciou suas operações em janeiro de 2001 com sete aeronaves.

Fabricantes de motores, peças e aviões enfrentam dificuldades para atender à demanda mundial crescente. “Não existe produção suficiente de aeronaves para atender os pedidos no mundo inteiro”, diz Bruno Corano, gestor de fundos nos Estados Unidos.

O setor aéreo teve um forte início de ano. De acordo com a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), a demanda total por viagens aumentou 16,6% em janeiro, em comparação com o mesmo mês de 2023.

Corano ressalta que não há espaços nas rotas mais interessantes, que são mais lucrativas. Em muitos casos quase não existem slots (autorizações para pousos e decolagens em um determinado horário). “Mesmo se uma companhia quisesse se estabelecer, seria preciso um investimento enorme, em um setor muito arriscado e volátil, com margens pequenas e que demanda alto capital. Não é nada atraente”, diz.

Atualização do marco regulatório ainda não trouxe investimento estrangeiro

Apesar da atualização do marco regulatório em 2018, o Brasil ainda não atraiu investidores estrangeiros. Em 2019, a Air Europa, empresa espanhola, considerou a possibilidade de se estabelecer no país por meio de uma subsidiária, mas as negociações não avançaram.

Ricardo Jacomassi, sócio e economista-chefe da consultoria TCP Partners, afirma que a entrada de um novo competidor no mercado brasileiro poderia beneficiar os consumidores. Isso exigiria das empresas uma postura mais competitiva.

Recentemente, a chilena JetSmart, controlada pelo fundo americano Indigo Partners, sinalizou interesse em atuar no Brasil. O fundo tem participações em empresas aéreas nas Filipinas (Cebu Pacific), Estados Unidos (Frontier), Canadá (Lynx), México (Volaris) e Europa (Wizz).A empresa, que recentemente ingressou no mercado colombiano, vê o Brasil como um potencial destino. Um dos atrativos é a disponibilidade futura de aeronaves. Atualmente, a companhia aérea tem 35 aviões, operando no Chile, Peru, Argentina e Colômbia. Tem encomendadas cerca de 100 aeronaves.Em fevereiro, uma executiva da JetSmart declarou ao portal Exame que, sem o mercado brasileiro, a empresa não teria como operar com os novos aviões. A companhia já realiza voos internacionais para o Brasil.

Judicialização também é desafio para o setor

Outro desafio significativo para o setor aéreo é a judicialização. As três maiores empresas aéreas no Brasil são obrigadas a reservar R$ 1 bilhão anualmente para cumprir decisões judiciais, segundo a Abear. Esses processos variam desde responsabilidades diretas das empresas, como questões relacionadas com atendimento, até questões meteorológicas.

A presidente da Abear descreve a situação como uma “indústria de ações”. O volume de processos já está afetando as malhas aéreas das empresas. A região Norte do país, especialmente Rondônia, é uma das mais impactadas. As empresas Gol e Azul reduziram o número de voos devido ao grande volume de demanda judiciais.

Um levantamento da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata) revelou que, antes da pandemia, as três maiores empresas aéreas norte-americanas (American, Delta e United) enfrentavam uma ação para cada 1,2 milhão de passageiros. No Brasil, o índice subiu para uma ação a cada 227 passageiros depois dos problemas com a Covid-19.Para tentar minimizar os problemas, o setor tem buscado soluções. Em dezembro, a Abear, a Iata, a Associação Latino-Americana de Transporte Aéreo (Alta) e a Junta dos Representantes das Companhias Aéreas Internacionais (Jurcaib) firmaram uma parceria com a Associação de Magistrados do Brasil (AMB) e a UnB. O objetivo é realizar um estudo sobre a judicialização no país, que deve ser concluído em um ano.

Na tentativa de conter o problema, especialistas sugerem o desenvolvimento de estratégias que envolvam o Poder Judiciário e entidades como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Guaranys, ex-presidente da Anac destaca, a necessidade de capacitar a Justiça.

No ano passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) desenvolveu uma iniciativa para capacitar conciliadores e mediadores em sessões envolvendo demandas do setor aéreo. No último 20 de março, as empresas aéreas e o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) firmaram uma parceria para facilitar a solução extrajudicial de conflitos no setor aéreo.

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