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Intervenção ou competição: duas opções na “disputa do cartão” entre bancos e maquininhas

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Um desafio complexo está sendo enfrentado por um grupo de trabalho composto pelo Banco Central, o Ministério da Fazenda e entidades representativas dos setores bancário, das maquininhas de pagamento e do varejo: encontrar soluções para os altos juros cobrados no crédito rotativo – usado por quem paga a fatura integral do cartão – e, ao mesmo tempo, decidir se o parcelamento sem juros nas compras com cartão de crédito deve continuar permitido.

Ainda em agosto o presidente do BC, Roberto Campos Neto, falou na possibilidade de extinção do rotativo. A decisão deve ser tomada até novembro. Essa é uma das linhas de crédito mais caras que existem: o juro médio era de 445,7% ao ano em julho, o que faz uma dívida crescer mais de cinco vezes em 12 meses.

O temor de parte dos envolvidos na discussão é de que, por pressão dos bancos, o fim do rotativo leve também à extinção ou a restrições no parcelamento de compras sem juros oferecido pelo comércio.

Quase 90% dos lojistas do país usam o parcelamento sem juros no cartão como estratégia de vendas, segundo recente pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

Denis Forte, professor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, avalia que há duas alternativas nessa questão: uma abordagem mais liberal, permitindo que o mercado atue e fomente a concorrência; e outra mais intervencionista, limitando o campo de ação de empresas de maquininhas que são independentes dos bancos, como Stone e Pagbank (novo nome da PagSeguro).

Até o momento, prevaleceu uma postura mais liberal por parte do Banco Central. Ou seja, sem intervenção, estimulando a competição. Nos últimos anos, isso contribuiu para o surgimento de novos concorrentes no segmento de maquininhas, independentes dos bancos, e a redução dos custos de comerciantes e prestadores de serviços.

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Esse cenário complexo envolve diversos interesses.Uma ideia considerada pelo grupo de trabalho é que, com o fim do rotativo, o consumidor que não paga integralmente a fatura passe a cair automaticamente na modalidade do parcelamento, cujas taxas são menores, mas ainda elevadas: 198,4% ao ano, em média.

A questão é que, com a possibilidade do fim do rotativo e sua substituição pelo crédito parcelado do cartão, o parcelamento sem juros oferecido por boa parte dos varejistas do país corre o risco de ser extinto ou limitado.Pesquisa da CNC aponta que 47% dos estabelecimentos do varejo têm até metade das vendas faturadas no cartão de crédito sem juros. Para 29% dos varejistas, as vendas no parcelado sem juros representam entre 50% e 80% do faturamento. E para outros 13%, a fatia dessa modalidade no total das vendas é superior a 80%.

Os bancos afirmam que, enquanto o varejo e as empresas de maquininhas faturam mais ao viabilizar negócios por meio do parcelamento sem juros, são eles – os bancos – que arcam com os riscos de inadimplência dessas transações.

O argumento é de que a modalidade estimula compras que muitos consumidores não conseguirão pagar. O nível de inadimplência no rotativo é astronômico: o dado mais recente indica que 49,5% – quase metade – desses financiamentos têm atraso de mais de 90 dias no pagamento, segundo o BC. O risco tão alto de calote é uma das principais justificativas dos bancos para explicar por que o rotativo custa tão caro.

Essa crítica dos bancos mira as adquirentes independentes, como Pagbank e Stone, uma vez que os próprios bancos comandam parte do setor. A Cielo (antiga Visanet) é controlada por Bradesco e BB; a Rede, pelo Itaú; a GetNet, pelo Santander. O Safra também atua no ramo.

Eventuais limitações – como a proibição dos parcelamentos sem juros, por exemplo – podem significar uma restrição à atuação das adquirentes independentes, que não têm um banco por trás. O que abriria espaço para as maquininhas dos bancos (como Cielo, Rede e Getnet) retomarem a hegemonia no setor.

O varejo sustenta que a proibição do parcelado sem juros pode inviabilizar parte das vendas. Nessa disputa, as empresas de maquininhas independentes estão do lado dos comerciantes. Enquanto isso, o consumidor que paga em dia tem muito a perder caso não possa mais parcelar sem juros as suas compras.

A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) diz, em nota, que participa de grupos multidisciplinares que analisam as causas dos juros praticados e alternativas para um redesenho do rotativo, de um lado, e, de outro, o aprimoramento do mecanismo de parcelamento de compras.

“Portanto, nenhum dos dois modelos em discussão pressupõe uma ruptura do produto e de como ele é financiado”, destaca a entidade.As peças deste quebra-cabeça também incluem os adquirentes, empresas responsáveis pelas maquininhas de pagamento, e os comerciantes que parcelam as vendas por meio dessas maquininhas.Estes costumam antecipar o recebimento dos valores pagos pelos clientes, em operação de crédito que tem custo médio de 1,45% ao mês. Os bancos também oferecem essa opção, porém com taxas de juros menos competitivas, variando entre 8% e 10% ao mês.

Cristiane Schmidt, ex-secretária-adjunta de Acompanhamento Econômico do governo federal e consultora do Instituto Millenium, aponta que, no cenário atual, os lojistas enfrentam dois tipos de custos:

  1. o custo do parcelamento das compras sem juros – a soma de quanto o comerciante deixa de ganhar ao não cobrar mais caro na compra parcelada, mais o valor que paga pela antecipação dos recebíveis;
  2. a tarifa de intercâmbio – que as empresas de maquininhas (chamadas de adquirentes) pagam ao banco. O valor é maior quando o comprador parcela a compra, considerando o risco de o cliente não honrar os pagamentos mais adiante.

Bancos querem compartilhar riscos; consultora lembra que eles é que aprovam limites dos clientes

O que a Febraban e as instituições buscam, conforme nota publicada pela entidade em 14 de setembro, é a diluição do risco de crédito entre os elos da cadeia e a eliminação dos subsídios cruzados, como a não incidência de juros no parcelamento.

Cristiane Schmidt, consultora do Millenium, argumenta que é difícil entender esse raciocínio dos bancos. Isso porque, apesar das condições de venda facilitadas oferecidas pelo lojista, quem estabelece o limite do cartão de crédito é o próprio banco, por antecedência, na análise do risco do cliente. Ou seja, é o banco quem primeiramente oferece o crédito ao consumidor.Além disso, observa a consultora, os bancos ganham dinheiro com a cobrança da tarifa de intercâmbio, que no caso dos parcalementos é mais alta justamente devido ao risco adicional.

Para Schmidt, a elevada inadimplência do rotativo não parece estar relacionada ao parcelamento sem juros, mas sim a análises mais permissivas dos bancos durante a concessão de crédito a seus clientes.

Transações com cartão de crédito estão em alta

Dados da Associação Brasileira de Empresas de Cartões de Crédito e de Serviços (Abecs) mostram que, no primeiro semestre do ano, foram transacionados R$ 1,1 trilhão por meio do cartão de crédito, um crescimento de 10,1% em relação ao mesmo período do ano passado.

Para se ter ideia da expansão desse mercado, seis meses de vendas neste ano já superam os valores transacionados em todo o ano de 2018 (R$ 965,7 bilhões).

A Abecs destaca que nos últimos cinco anos o número de cartões em circulação mais que dobrou: eram 99 milhões em 2018 e agora são 210 milhões. Ao mesmo tempo, a inadimplência no crédito rotativo disparou, passando de 36,1% para 49,5%, segundo o BC.

Forte, do Mackenzie, destaca aspectos positivos e negativos com o eventual fim do rotativo. Por um lado, inibiria consumidores desatentos, mal informados, compulsivos ou sem a educação financeira necessária de cometerem abusos que os prejudicam.

Por outro lado, isso tornaria os bancos mais protagonistas, já que 82% do crédito está nas mãos dos cinco maiores, e reduziria o papel das maquininhas, resultando em mudanças nos ganhos do setor.

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