Ano de eleição é tempo de abrir os cofres públicos, e 2014 não foge à regra. Depois de três anos de estagnação, os investimentos do governo federal em obras e equipamentos aumentaram 26% no primeiro semestre e somaram R$ 27,5 bilhões R$ 5,6 bilhões a mais que no mesmo período do ano passado. O valor é o mais alto desde pelo menos 2006, segundo levantamento feito pela ONG Contas Abertas no Siafi, sistema que acompanha a execução do Orçamento Federal.
O recorde anterior havia sido registrado na primeira metade de 2010, quando Lula tentava eleger Dilma Rousseff como sucessora. Naquela ocasião, o desembolso federal de janeiro a junho saltou 66% e atingiu R$ 25,1 bilhões, em valores atualizados pelo IGP-DI (Índice Geral de Preços Disponibilidade Interna).
O ministério que mais investiu neste ano foi o dos Transportes, responsável pela manutenção das rodovias, com R$ 5,7 bilhões. A pasta com maior crescimento foi a do Desenvolvimento Agrário, que quintuplicou os investimentos.
Além de darem visibilidade ao governo que busca a reeleição, os aportes buscam melhorar a delicada situação da economia brasileira. O país tem baixo crescimento e inflação elevada e vê cair a confiança dos consumidores, que estão comprando menos, e dos empresários, que evitam investir.
Segundo os dados mais recentes do IBGE, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) que mede os gastos privados e públicos em máquinas, equipamentos e construção civil foi de R$ 213,1 bilhões no primeiro trimestre, o equivalente a 17,7% do PIB. A taxa ficou abaixo da observada um ano antes, de 18,2% do PIB, que já era considerada ruim.
A capacidade do governo de resolver sozinho esse problema, no entanto, é limitada. Em primeiro lugar, porque sua participação nos investimentos totais é pequena: o valor que a União investiu de janeiro a março deste ano, cerca de R$ 12,7 bilhões, correspondeu a apenas 6% da FBCF do período. O Executivo, além disso, enfrenta problemas de caixa que inibem gastos muito maiores. Tanto que, depois de investir em média R$ 4,8 bilhões por mês nos cinco primeiros meses do ano, em junho o Planalto pisou no freio e liberou apenas R$ 3,7 bilhões.
A professora do Departamento de Administração Geral e Aplicada da Universidade Federal do Paraná, Melody Porsse, a freada tende a ser ainda mais forte em 2015. "Os governos gastam mais em ano eleitoral e no ano seguinte se obrigam a ajustar as contas, o que costuma significar uma redução drástica dos investimentos."
Outro problema criado pelo calendário eleitoral, segundo ela, é que investimentos que não têm resultado imediato e são menos visíveis para o eleitor, como aqueles voltados à educação básica, acabam ficando em segundo plano. "A preocupação com as eleições dificulta a continuidade de uma série de programas e políticas de prazo mais longo", diz.
Despesa sobe mais do que a receita e compromete meta fiscal
O governo federal bateu recorde de investimentos no primeiro semestre, mas isso não quer dizer que suas contas estão em ordem. Segundo o relatório mais recente, em maio as despesas do Tesouro Nacional foram R$ 11 bilhões maiores que as receitas. Foi o primeiro déficit primário resultado antes do pagamento de juros da dívida desde dezembro de 2008.
O resultado acumulado de janeiro a maio é melhor, mas não muito. Com receitas crescendo 6,5% e despesas avançando 11%, o governo conseguiu poupar apenas R$ 19,2 bilhões no período, o equivalente a 0,93% do PIB. Bem menos, portanto, que a meta do governo federal para este ano, de superávit de 1,55% do PIB.
Esse desempenho pode ter pesado sobre os investimentos de junho, que caíram em relação aos meses anteriores. "Fica a sensação de que o governo pode ter segurado as despesas já com vistas ao resultado fiscal", diz o economista Gil Castelo Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas.
Para Felipe Salto, economista da Tendências Consultoria, o governo não conseguirá cumprir a meta. Incluindo na conta as estatais e os estados, o setor público tem de economizar 1,9% do PIB para pagar os juros da dívida. "Nossa projeção é de um superávit de 1,5%, mas ele pode ser até menor. Se considerarmos apenas o resultado efetivo recorrente, que desconsidera receitas atípicas, o superávit deve ficar entre 0,6% e 0,8% do PIB", diz.
"Criatividade"
Nos últimos anos, o governo recorreu à chamada "contabilidade criativa" para fechar suas contas, antecipando dividendos de estatais e fazendo outros malabarismos. Em 2014, voltou a permitir o refinanciamento de dívidas tributárias, o que deve gerar uma receita extra de R$ 15 bilhões, e pretende arrecadar cerca de R$ 12 bilhões com o leilão da tecnologia 4G, em troca da redução da exigência de investimentos por parte das telefônicas. Em maio, chegou a computar um crédito de R$ 4 bilhões em uma conta até então desconhecida para melhorar o resultado fiscal.
"A economia está crescendo pouco e a arrecadação, consequentemente, também não avança. Há ainda o peso das desonerações fiscais, que tiveram um custo elevado, mas não mostraram o benefício esperado, que seria o aumento da atividade econômica. A renúncia chegou a R$ 77,7 bilhões em 2013 e deve passar de R$ 100 bilhões neste ano", diz Salto.