Ouça este conteúdo
Com as recentes quedas nos preços dos combustíveis e da energia elétrica, o Brasil deve fechar julho com deflação pela primeira vez desde maio de 2020, quando o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) foi calculado em -0,38%, no início da pandemia da Covid-19 e em meio a fechamentos e lockdown. As estimativas do mercado para o IPCA deste mês são de deflação entre 0,5% e 0,7%. O resultado é efeito de medidas patrocinadas pelo governo federal para frear escaladas de preços, com destaque para o teto no ICMS.
A limitação no imposto cobrado sobre energia, combustíveis, transportes e telecomunicações veio acompanhada de outras iniciativas, como renúncias fiscais adicionais e temporárias sobre gasolina e etanol. Como têm forte peso na composição da inflação, esses itens são capazes de puxar o índice para baixo a ponto de superar altas registradas em outros segmentos, como alimentos e serviços. Segundo o economista e líder regional da XP, Marcelo Pedroso, gasolina, transportes e energia elétrica estão entre os itens que mais impactaram o indicador nesse sentido.
VEJA TAMBÉM:
Pelas estimativas da XP, o recuo pode se estender ainda até agosto, mas não além disso. "Nós vemos um cenário de deflação, sim: julho em torno de 0,65% e agosto em torno de 0,30%, voltando a ter inflação de setembro a dezembro e terminando o ano num patamar em torno de 0,87% [no último mês]", completa o economista. Essa esperada volta bastante rápida a um ambiente de alta nos preços, segundo Pedroso, demonstra que os efeitos da Lei Complementar 194 (que limita o ICMS) não passam de "trégua" num cenário que permanecerá pressionado interna e externamente.
"O PLP 18 [número sob o qual tramitou o então projeto de lei no Congresso] chegou a amenizar o impacto de inflação deste ano. O que estava projetado antes em torno de 9% já está em 7%, então tivemos 2 pontos porcentuais de alívio [na estimativa de inflação ao final de 2022]. Acontece que a gente está convivendo com um cenário de inflação sendo puxado principalmente pelo setor de serviços, com a reabertura da economia, consumo, viagens, turismo", elenca, ao apontar o principal gerador de inflação no ano.
Arrefecimento pontual seguido de mais meses de alta nos preços
O analista de macroeconomia da hEDGEpoint Global Markets, Alef Dias, reforça que o movimento de deflação observado é pontual, fruto não somente das renúncias fiscais e tributárias, mas de retrações no preço da energia desde junho, com uma "combinação muito específica para [o índice de] julho".
Além de limitada, a deflação de julho não deve passar de um número para o consumidor que, todavia, não sentirá alívio efetivo no poder de compra, já corroído pela inflação alta e persistente, apesar da desaceleração.
Para o economista Piter Carvalho, da Valor Investimentos, o elevado índice de dispersão da nossa inflação, de quase 70%, contribui para um cenário de baixa pouco duradoura. "Se um item traz arrefecimento [no índice de preços], os demais fatores continuam. Quem abastece todo dia o carro vai ver que o combustível baixou, mas o leite subiu, os alimentos continuam caros, escola cara, convênio de saúde mais caro, enfim. Além disso, segue a guerra [entre Rússia e Ucrânia], a falta do petróleo, os estoques muito baixos pelo mundo todo. Esses fatores ainda existem, pouco a gente pode fazer [sobre eles], mas muito eles podes interferir nos preços", completa.
O cenário externo indicado por Carvalho dá a deixa sobre alguns dos elementos que devem alimentar a inflação nos últimos meses do ano. O câmbio é uma das preocupações citadas por Alef Dias, da hEDGEpoint. Segundo ele, "o real teve desde junho um processo de desvalorização por conta do cenário macroeconômico externo. Conforme tenhamos o repasse desse maior custo, principalmente nas nossas importações, a tendência é de que a inflação retome uma ascendente", avalia. O analista relaciona ainda a possibilidade de alta em decorrência de repasse cambial como resultado do período eleitoral e da redução do diferencial de juros do Brasil para outras economias, por exemplo.
Ainda de olhos voltados para fora, a aproximação do inverno europeu carrega riscos de mais pressão sobre combustíveis, em especial o óleo diesel. Com a elevação da demanda na tentativa de substituir o gás russo e a falta de capacidade ociosa para um aumento de oferta, os preços internacionais devem voltar a puxar a inflação, especialmente a partir de dezembro.
De volta ao país, mais um ponto levado em conta na previsão para a continuidade inflacionária do semestre é o pagamento de benefícios temporários por parte do governo federal, encabeçado pelo incremento no Auxílio Brasil. "Setembro, outubro, novembro e dezembro é exatamente o período em que vai serão concedidos esses R$ 200 reais a mais e em conjunto com esse benefício social vem o auxílio-caminhoneiro, auxílio-taxista, tudo isso é recurso injetado na economia em termos de consumo", pondera o economista da XP, Marcelo Pedroso, ainda que o cenário atual seja de pouco aquecimento.
Já em 2023, o fim de medidas temporárias e que se encerram junto com a virada do ano são consideradas inflação certa. Aqui entra, por exemplo, o ICMS zero para combustíveis, que voltam à alíquota máxima de 17% a partir de janeiro.