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Lula quer retomar política de estímulo à indústria naval que fracassou no passado

Plataforma P-71, da Petrobras, construída no estaleiro Jurong Aracruz, subsidiária da Jurong Shipyard, de Cingapura: governo quer retomar política de conteúdo local para recuperar a indústria naval. (Foto: Divulgação/Petrobras)

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Com a intenção de estimular o uso de estaleiros da indústria naval nacional, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretende retomar a chamada política de conteúdo local (PCL), que prioriza matéria-prima e mão de obra brasileiras na construção de plataformas, navios, sondas e refinarias.

Adotada nos mandatos anteriores do petista, a política é criticada por estudiosos e analistas do setor por ter gerado efeitos negativos para o desenvolvimento da indústria, ao mesmo tempo em que elevou custos para as petroleiras, em especial a Petrobras.

Uma análise qualitativa da política de conteúdo local para a indústria de petróleo e gás no Brasil, de autoria de William Vitto, concluiu que, apesar de alguns resultados positivos, a política adotada durante os governos do PT acabou sendo limitada somente à produção material, deixando de fora do conceito esforços em matéria de exportação e investimentos em infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento.

“Assim também, pode-se considerar que a excessiva ênfase na política protecionista acarretou sérias falências no seu esboço, pois acabou sendo uma trava para a iniciativa”, diz trecho do estudo, desenvolvido no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) considera que, embora políticas de conteúdo local possam ajudar governos a atingir objetivos de curto prazo, a competitividade acaba prejudicada com o tempo.

“Embora a maioria dos estudos tenha se concentrado nas ineficiências de longo prazo causadas por PCLs, um estudo da OCDE também destaca os custos subsequentes impostos ao restante da economia. As ineficiências que surgem em outros setores devido ao PCL na verdade reduzem o crescimento do emprego e as oportunidades para alcançar economias de escala, minando os objetivos originais”, resume a entidade.

Ainda de acordo com a OCDE, países que impõem exigências mínimas de conteúdo local perdem competitividade internacional com uma redução nas exportações de setores não diretamente visados pela política de nacionalização.“Como os setores que se beneficiam da PCL consomem mais recursos internos, outros setores são forçados a reduzir a produção ou aumentar as importações, levando a uma concentração da atividade econômica doméstica. Esse processo acaba prejudicando as oportunidades de crescimento e inovação que vêm de uma economia diversa e dinâmica”, explica a organização.

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O incentivo à contratação de conteúdo local já tem atenção da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) desde 1999, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Naquele ano, quando ocorreu a primeira rodada de licitação de campos de exploração e produção de óleo e gás, o órgão regulador já atribuía uma pontuação maior às companhias que se comprometessem a utilizar um porcentual maior de produtos e serviços nacionais.

Mas foi a partir do primeiro governo de Lula, em 2003, que entrou em vigor a exigência de um porcentual mínimo de conteúdo local por parte das concessionárias. O contrato de concessão da quinta rodada de licitação da ANP previa multa em caso de não atendimento dos índices obrigatórios, que variavam de 30% a 70%, dependendo do bloco.

Na sexta rodada de licitação, os compromissos de conteúdo local ofertados chegaram a uma média de 86% na etapa de exploração e de 89% na de desenvolvimento da produção.

No governo Dilma Rousseff (PT), os índices exigidos variaram, para blocos em alto-mar, de 37% a 55% na fase de exploração. Nas demais etapas, ficavam entre 55% e 65%, dependendo do edital.

Durante a gestão da petista, a política de conteúdo local começou a dar sinais de um desgaste que teve na empresa Sete Brasil sua expressão máxima. A companhia fora criada em 2010 para viabilizar o desenvolvimento da indústria naval brasileira, atendendo às exigências da ANP para a construção de plataformas.

Entre os sócios da Sete Brasil estavam os bancos BTG Pactual, Bradesco e Santander, os fundos de pensão Previ, Petros e Funcef, o fundo de investimento do FGTS e a Petrobras. Em 2012, o grupo chegou a somar 28 encomendas e US$ 75 bilhões em contratos, contando com crédito de R$ 8,8 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

No segundo semestre de 2014, a Operação Lava Jato acabou revelando, entre os escândalos de corrupção que envolviam a Petrobras, esquemas com a própria Sete Brasil. O setor ainda era impactado por uma queda brusca no preço do petróleo e por uma desvalorização cambial.

Em 2016, a empresa pediu recuperação judicial, com um endividamento de US$ 19,3 bilhões.

“Na indústria naval eu não acredito particularmente. Eu já paguei minha conta. Cada geração de empresários paga a sua conta da indústria naval brasileira. Vai ficar para a próxima. A minha geração já pagou essa conta”, disse o sócio sênior e presidente do conselho do BTG Pactual André Esteves, em março, no evento CEO Conference, conforme registrou a Bloomberg Línea.

Em 2017, o governo Michel Temer (MDB) cortou praticamente pela metade os níveis mínimos de conteúdo local exigidos nos leilões do setor. Para os blocos em alto-mar, o índice de nacionalização foi fixado em 18% na fase de exploração, considerando produtos e serviços. A etapa de desenvolvimento da produção passou a ter nível mínimo de 25% na construção do poço, de 40% no sistema de coleta e de 25% nas plataformas.

As regras foram mantidas no governo de Jair Bolsonaro (PL) para os principais leilões de petróleo dos últimos anos, como as últimas rodadas do pré-sal pelo regime de partilha e a oferta dos excedentes da cessão onerosa.

Retomada da política de conteúdo local e investimento na indústria naval

A intenção de retomar a política de conteúdo local foi sinalizada por Lula logo no primeiro dia de mandato. “O Brasil é grande demais para renunciar a seu potencial produtivo. Não faz sentido importar combustíveis, fertilizantes, plataformas de petróleo, microprocessadores, aeronaves e satélites”, disse o presidente em sua cerimônia de posse no Congresso Nacional, em 1.º de janeiro. “Temos capacidade técnica, capital e mercado em grau suficiente para retomar a industrialização e a oferta de serviços em nível competitivo”.

Em março, o vice-presidente e ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, assumiu o compromisso de criar um grupo de trabalho e um conselho para debater políticas relativas a conteúdo local. Um estudo levado a ele pela Federação Única dos Petroleiros (FUP) apontou ter havido uma perda de 4,4 milhões de empregos após 2016, com a quebra da indústria naval.

Em abril, no discurso de 100 dias de governo, Lula afirmou que vai ampliar a frota de navios da Transpetro, subsidiária de logística de Petrobras. “Presta atenção, ministro de Minas e Energia [Alexandre Silveira] no que eu vou falar agora: a Petrobras financiará pesquisa para novos combustíveis renováveis e, ao mesmo tempo, retomará o papel de protagonista nos investimentos, ampliando a frota de navios da Transpetro e gerando emprego em nossos estaleiros”, disse o presidente.

Em mais um aceno ao setor, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, indicou Sergio Bacci para o comando da Transpetro. Bacci foi vice-presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), que representa estaleiros e empresas da cadeia da indústria naval.

Na semana passada, Bacci se reuniu com integrantes do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-Geral da União (CGU) para discutir a possibilidade de estaleiros nacionais envolvidos na Lava Jato voltarem a participar de licitações da Transpetro.

"O processo que o país passou nesses últimos anos ajudou a construir uma governança para evitar problemas no futuro", disse ele sobre irregularidades em contratações feitas no passado, segundo o site epbr.

Equipamento complexo feito no Brasil sai "três ou quatro vezes mais caro", disse presidente da Petrobras

Prates já havia afirmado, no início de março, que, durante sua gestão, a empresa voltará a investir na construção de navios de apoio no Brasil e que contará com ajuda do governo para isso. “Se você fizer um levantamento, hoje, talvez, um equipamento bem complexo integralmente feito no Brasil saia três ou quatro vezes mais caro. Então, quando há uma discrepância a esse nível, é preciso política pública e outro tipo de abordagem a esse problema”, afirmou, em entrevista coletiva.

No último dia 24, em entrevista à CNN Brasil, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que a intenção não é voltar aos mesmos índices de nacionalização do passado, mas encontrar um “ponto de equilíbrio” entre as exigências dos governos petistas e as regras atuais.Segundo ele, o propósito é incentivar fabricantes brasileiros de equipamentos e fomentar a indústria naval, “Queremos garantir estímulo à indústria nacional, mas sem estrangular a competitividade das petroleiras instaladas no país e sem gerar risco de atraso nas entregas”, afirmou.Ao mesmo veículo, o diretor fundador do Centro Brasileiro de Intraestrutura (CBIE), Adriano Pires, avaliou que políticas equivocadas de exploração de petróleo e gás podem afastar investidores.“Se você faz uma política de conteúdo local equivocada, você não vai ter investidor para participar de leilões, o que é muito ruim. Vamos lembrar que o petróleo, cada vez mais tende, a médio e longo prazo, a valer menos. Então temos que tirar esse petróleo de baixo da terra”, disse.

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