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Taxação sobre consumo

“Novidade” da reforma, maior imposto do mundo ressalta carga que o brasileiro já paga

Maior IVA do mundo ressalta carga tributária que país já paga
Criado pela reforma tributária para unificar a taxação sobre o consumo, o IVA brasileiro deve ter alíquota-padrão de 28% – a maior do mundo para esse tipo de imposto. (Foto: Ilustração/Gazeta do Povo com DALL-E)

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Com a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao projeto de lei complementar (PLP) 68/2024, que se tornou a Lei Complementar 214, a reforma tributária já começa a ser uma realidade. Um dos pontos que mais chamam atenção é a alíquota-padrão do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que vai unificar a tributação sobre o consumo. Ela foi estimada pelo governo em 28%. Se confirmada, será a maior do mundo.

Vale lembrar, porém, que um dos parâmetros da reforma era manter o atual nível de arrecadação e seu percentual em relação ao PIB. A nova legislação, portanto, buscou ser "neutra" nesse aspecto, segundo o governo defendeu ao longo de toda a tramitação. Isso significa que a alíquota-base de 28% apenas reflete o quão alta já é a taxação sobre o consumo vigente no Brasil.

Thulio Carvalho, advogado tributarista e mestre em Direito pela PUC-SP, afirma que o país sempre teve uma alta tributação do consumo, mas ela ficava "escondida" no emaranhado dos distintos tributos, com normas próprias e cada qual com uma infinidade de exceções e regimes específicos. “A reforma tributária trouxe transparência sobre essa carga elevada sobre o consumo”, esclareceu.

Com a reforma tributária, cinco tributos que incidem sobre o consumo – PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS – serão substituídos pela Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS, federal) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS, estadual e municipal). A CBS e o IBS, juntos, vão compor o IVA.

Diogo Olm, sócio da área tributária da VBSO Advogados, explica que, no modelo atual, nem todos os tributos incidem sobre todas as operações econômicas. E que, além disso, mesmo quando incidem, existem diversas regras de apuração e alíquotas aplicáveis. Elas podem variar em função, por exemplo, do regime de tributação do fornecedor, da sua localização e da localização do cliente.

Diante dessa complexidade, diz Olm, pode ser difícil compreender exatamente qual é a carga tributária que onera determinada operação. "No entanto, tomando como referência uma perspectiva macroeconômica, é possível verificar que esses tributos sobre o consumo geram, atualmente, uma arrecadação correspondente a aproximadamente 12,5% do PIB brasileiro”, diz.

Ele destaca que a reforma não busca reduzir a carga tributária sobre o consumo em relação ao PIB, e sim mantê-la. O tempo dirá se o IVA padrão de 28%, combinado às exceções (alíquotas reduzidas para determinados bens, serviços e atividades), será capaz de manter a carga nos níveis atuais.

Exceções à regra geral da reforma tributária elevaram o IVA a 28%

As primeiras projeções do IVA depois que o Congresso Nacional aprovou a implementação da reforma tributária, em novembro do ano passado, apontavam para uma alíquota geral entre 25% e 27%. Após a aprovação pelo Congresso e a sanção pelo Executivo, que incluiu algumas modificações, as previsões mudaram.

“A necessidade de manter o patamar de arrecadação, combinado com os novos incentivos e benefícios concedidos, fez com que houvesse a necessidade de calibrar a alíquota para 28%”, explica Gustavo Duarte Corrêa, sócio e diretor de operações no Rio Grande do Sul da Becomex, empresa especializada na área fiscal, tributária e aduaneira.

Para ele, as novas regras da reforma tributária trazem expectativa de redução da sonegação fiscal, o que implicaria em maior arrecadação e, portanto, redução do IVA final. Por outro lado, alguns produtos e setores foram beneficiados com redução de alíquotas, o que gera uma perda na arrecadação e, desse modo, a elevação da alíquota-base.

Assim, para chegar ao equilíbrio e manter o patamar atual de arrecadação, foi necessário fazer a calibragem da alíquota combinada do IVA para 28%. “Dessa forma, todos os demais contribuintes de bens e serviços pagam um pouco mais para compensar a redução [de arrecadação] gerada pelos incentivos que foram concedidos na reforma tributária”, afirma.

Definições de estados e municípios podem afetar alíquota-base

Mas não são apenas os benefícios que influenciam o IVA final. Diogo Olm explica que decisões dos estados e municípios também podem afetar o cálculo da alíquota.

No caso da CBS, federal, haverá uma alíquota única de referência e, como regra geral, ela será aplicada para todas as operações tributadas. A lógica para o IBS é similar, mas apresenta algumas complexidades.

Nesse caso, também haverá a definição de uma alíquota de referência, mas cada estado e município terão competência para definir a alíquota aplicável a operações realizadas em seus territórios, o que pode afetar o cálculo final do IVA nacional.

Assim, as definições a respeito das alíquotas de referência, seja da CBS pelo governo federal, seja do IBS pelos estados e municípios, têm o poder de gerar efeitos em relação a todo o sistema de tributação. “Logo, se algum benefício fiscal ou regime diferenciado é concedido, há reflexos no cálculo da alíquota de referência”, afirmou Olm.

Sistema de créditos da reforma tributária foi considerado para as projeções do IVA

Outro fator que influencia o cálculo do IVA é a concessão de créditos. A reforma tributária traz um sistema que irá substituir o atual, no qual a aquisição de bens e serviços pelas empresas permite a geração de créditos que geram descontos nas alíquotas para evitar a sobretaxação ao longo da cadeia produtiva.

Guilherme Corrêa esclarece que, no modelo atual, a escrituração, ou o documento fiscal, é o instrumento que permite ao adquirente de bens e serviços se apropriar dos créditos tributários. Com a reforma não bastará somente a emissão do documento fiscal para que os créditos gerem os descontos: o fornecedor terá que, de fato, pagar IBS e CBS para que a apropriação dos créditos ocorra.

Com essa nova dinâmica, as expectativas do governo federal são de que o sistema reduza a sonegação – feita, muitas vezes, através da emissão de escriturações falsas para gerar créditos. Desse modo, a arrecadação tende a aumentar, o que deveria gerar uma redução da alíquota-base do IVA para manter a neutralidade em relação ao sistema atual.

Quando a reforma tributária foi aprovada no Congresso, alguns deputados usaram desse argumento para defender que a alíquota base do IVA ficaria abaixo das estimativas – que, naquele momento, estavam em 27%.

Thulio Carvalho, no entanto, argumenta que as projeções existentes, que apontam para a alíquota de 28%, já levam em conta o sistema de débitos e créditos do novo sistema. Ele cita estudos dos ministérios da Fazenda e do Planejamento e, ainda, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

“As falas desses parlamentares, portanto, parecem de cunho retórico e não baseadas em dados e estudos. São asserções de pessoas que têm 'fé' no modelo aprovado, e para quem a reforma tributária se tornou um assunto religioso, teológico, ao invés de um tema relativo à ciência das finanças públicas”, comenta.

Trava de 26,5% abre espaço para revisão de benefícios

O Congresso Nacional aprovou um mecanismo na tentativa de evitar que o IVA final não ultrapasse 26,5%. De acordo com a nova legislação, caso se constate que o IVA ultrapassará esse limite, o governo precisa enviar um projeto de lei complementar ao Parlamento para rever descontos e regimes especiais, de forma que a alíquota-padrão não supere esse patamar. A revisão, porém, está prevista apenas para 2031.

Thulio Carvalho avalia que a calibragem pode ser feita mediante a aplicação de um redutor linear, a eliminação de exceções ou, ainda, mediante a exclusão de determinados bens ou serviços das listas de itens com tributação reduzida.

Na prática, contudo, ainda é difícil prever o que vai acontecer se a alíquota combinada superar os 26,5%, comenta Guilherme Corrêa, da Becomex. No entanto, ele defende que um ponto que pode contribuir efetivamente para a redução do IVA é o impacto que a reforma tributária vai gerar na economia como um todo.

“Se houver aumento da atividade industrial e serviços, poderá haver uma maior arrecadação geral, o que poderia permitir uma redução da alíquota de referência”, assinalou.

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