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Navio atracado no Porto de Paranaguá
Navio atracado no Porto de Paranaguá| Foto: Albari Rosa / Gazeta do Povo

Surpreendidos pela decisão da Petrobras, em junho deste ano, de não abastecer navios ancorados em portos brasileiros para carregar milho, os operadores marítimos iranianos adotaram uma medida prática para minimizar o risco de uma “pane seca”. Os cargueiros com destino ao Brasil saem agora dos portos de origem com tanque cheio e margem suficiente para fazer o caminho de volta sem nenhuma parada de reabastecimento.

À época do imbróglio, quatro meses atrás, a Petrobras alegou que a recusa de abastecer os dois navios carregados com milho se dava pelo temor de represálias do governo americano, que impõe uma série de sanções ao Irã e seus eventuais parceiros comerciais. O impasse só foi resolvido no STF, por uma decisão do ministro Dias Toffoli, que alegou motivos humanitários e não viu risco à soberania nacional na venda do combustível.

O estratagema de encher os tanques para não precisar abastecer no Brasil tem ajudado a salvaguardar o comércio bilateral, que atingiu no ano passado US$ 15 bilhões e tornou o país dos aiatolás o principal cliente brasileiro no Oriente Médio. O Irã é destino de 23% do total exportado para a região, seguido pelos Emirados Árabes Unidos (20%) e Arábia Saudita (18%). Neste ano, de janeiro a setembro, a troca comercial com o Irã já atingiu US$ 12,18 bilhões, com superávit de US$ 4,73 bilhões para o lado brasileiro.

“Foi uma barbeiragem do pessoal da Petrobras e eles já corrigiram aquele posicionamento. O Irã é um excelente cliente para o milho, a soja e a carne brasileira. E tem uma população de quase 90 milhões de pessoas, quase o dobro da Argentina. Não podemos perder mercados como Irã e Indonésia por causa de atritos com outros países. A China tem 1,5 bilhão de habitantes. Se perdermos esses mercados, quebramos o Brasil”, diz Vlamir Brandalizze, engenheiro-agrônomo e analista de agronegócio sediado em Curitiba.

Briga de formiga contra elefante

A empresa Eleva Química, de Blumenau (SC), esteve no centro da crise envolvendo a Petrobras e os navios iranianos. Desde que os dois navios foram liberados, outros três já chegaram e partiram, cada um carregado com 66 mil toneladas de milho. Carlos Millnitz, CEO da Eleva, conta que até hoje recebe agradecimentos por ter comprado a briga com a Petrobras e levado o caso até última instância, no STF. “Os produtores rurais e os grandes compradores de fertilizantes estão do nosso lado, e nos agradecem bastante”, pontua Millnitz, lembrando que não entra dinheiro nos negócios com o Irã, mas a operação de barter, em que o pagamento do milho é feito pelo envio de fertilizantes, e vice-versa. “Para nós, acabou trazendo uma satisfação. Não é todo dia que uma formiga consegue vitória contra um elefante”, brinca, referindo-se à batalha judicial contra a Petrobras.

“Mas não haverá outras situações como aquela. Simplesmente por que os navios não precisam mais ser abastecidos. Eles já vêm com combustível suficiente para voltar”, revela Millnitz.

Devido ao excelente desempenho da safra de milho no país – que saltou de 88 milhões de toneladas para quase 100 milhões de toneladas – e também em função do barter praticado com fertilizantes, somente o Porto de Paranaguá já enviou para o exterior, até agosto, 4 milhões de toneladas de milho. É quatro vezes o volume exportado pelo terminal no mesmo período do ano passado. E o Irã foi o destino de 58% do cereal brasileiro.

“Independente do episódio envolvendo o abastecimento dos navios, o Irã continua sendo um parceiro estratégico para o agronegócio brasileiro”, destaca Camila Sande, coordenadora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Ela lembra que em 2018 somente a balança do agronegócio com o Irã teve saldo positivo de US$ 2,2 bilhões, e, até agora, neste ano, já alcança US$ 1,8 bilhão.

A concentração das relações comerciais com o Irã no setor agro pode ser reflexo, também, de que apenas alimentos e remédios estão isentos das sanções americanas. As estatísticas do Ministério da Economia mostram que os produtos semimanufaturados de ferro ou aços responderam, em 2018, por 85% dos produtos importados pelo Brasil do país persa. Neste ano, os semimanufaturados praticamente desapareceram das planilhas. A ureia (fertilizante) responde atualmente por 98% das importações brasileiras do Irã.

A reportagem fez contato com a Embaixada do Irã no Brasil para saber se há dificuldades adicionais no comércio bilateral em função das sanções americanas, e com a Petrobras, perguntando qual a política da empresa em relação ao reabastecimento dos navios iranianos. Em nota, a Petrobras informou que "o entendimento sobre sanções permanece o mesmo". "A Petrobras se reserva o direito de não fornecer bunker à navios ou empresas listados na Specially Designated Nationals and Blocked Persons List (SDN), da Office of Foreign Assets Control (OFAC) ou publicações equivalentes, às quais a Petrobras estjea submetida", diz a petrolífera. E completa: "Caso a Petrobras venha a abastecer esses navios, ficará sujeita ao risco de ser incluída na mesma lista e sofrer impactos financeiros em suas atividades, decorrentes dessas sanções. Vale ressaltar que existem outras empresas capazes de atender à demanda destes navios por combustível".

Até a publicação desta matéria, não houve retorno da Embaixada do Irã para comentar o assunto.

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