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O presidente Jair Bolsonaro (PL) até encampou a ideia de instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a Petrobras, mas o governo federal já dá sinais de recuo na proposta. Nos bastidores, comenta-se que a ideia foi sugerida como forma de pressionar o então presidente da estatal, José Mauro Coelho, a abandonar o cargo. Na manhã de segunda-feira (20), ele renunciou.
A renúncia de Coelho "esfriou os ânimos" políticos, segundo afirmam interlocutores do governo. Porém, a confirmação de que a presidência da Petrobras seria assumida interinamente por seu diretor-executivo de Exploração e Produção, Fernando Borges, não agradou o Palácio do Planalto e a base de Bolsonaro. Por isso, a ideia de abortar a CPI ainda não é decisão fechada no governo.
A vontade do governo e da base no Congresso era de que o conselho administrativo da Petrobras convocasse uma reunião extraordinária para deliberar sobre a nomeação do nome indicado em maio para a presidência, Caio Paes de Andrade, que ainda segue como secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.
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A troca no comando da Petrobras por um nome interno e não pelo indicado do governo irritou Bolsonaro, que deu sinal verde para a base manter a ideia de CPI no radar político até a petroleira nomear Paes de Andrade. O Planalto tem a expectativa de que isso ocorra ainda esta semana. O ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, acredita que a troca se concretize em dois ou três dias, segundo apurou o site Metrópoles. Até lá, a ameaça persistirá.
O governo e líderes partidários acreditam que a coleta das 171 assinaturas necessárias para pedir a criação de uma CPI não é uma missão difícil. Muitos deputados são favoráveis à abertura e líderes sabem que a assinatura é algo muito pessoal e os partidos pouco interferem. Porém, entende-se que o prazo para a instalação e o avanço dos debates é muito curto. O Planalto avalia, contudo, que a sugestão cumpriu seu papel de construir uma narrativa política que ajudasse Bolsonaro e aliados a mostrarem ao eleitorado a posição de contrariedade ao último reajuste concedido pela estatal.
Quais os sinais de que uma CPI da Petrobras segue na mira do governo
Ao longo da segunda-feira, o governo deu diferentes sinalizações de que uma "CPI da Petrobras" ainda está em seu radar. A Gazeta do Povo apurou que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), vice-líder do partido na Câmara, iniciou a coleta de assinaturas de deputados interessados a apoiar a proposta.
A lista de Eduardo é apoiada por Bolsonaro e ministros do Planalto e seria referente a um requerimento proposto pelo líder do PL na Câmara, deputado federal Altineu Côrtes (RJ). Segundo Arthur Lira disse após uma reunião com líderes partidários na segunda-feira, o parlamentar vai apresentar um requerimento nesta terça-feira (21).
Para que um deputado possa protocolar o requerimento para a abertura de uma CPI, são 171 assinaturas. Depois disso, o presidente da Casa precisa aceitar ou não criar o colegiado e determinar sua instalação. Lira disse após a reunião de líderes que, se os requisitos forem cumpridos, ele instalaria o colegiado.
"Com relação a isso, temos só o regimento para cumprir com relação às possibilidades de como venham, se tiverem todos os embasamentos, as assinaturas necessárias, fato determinado, teria a instalação", disse. "Os partidos estão cada um com seu convencimento. Os líderes vão conversar com seus parlamentares para dar respaldo ou não e CPI é lícito e normal", destacou Lira.
Nesta terça, Lira terá uma reunião com os membros da minoria e da oposição e, na sequência, vai se reunir com líderes da base do governo para discutir "todos os assuntos do fim de semana", e não apenas uma CPI da Petrobras.
Na manhã de segunda, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), disse em entrevista à CNN Brasil que uma CPI da Petrobras teria o objetivo de "avaliar o preço dos combustíveis e as razões de estarem tão altos". Ele explicou, porém, que haveria a reunião de líderes com Lira ainda nesta segunda para debater as motivações e como ela seria conduzida.
"Mas é uma decisão a ser tomada. Então vamos aguardar que os líderes tenham todas as informações que estão sendo levantadas para podermos tomar uma decisão", justificou. Barros ponderou que a Petrobras tem, em sua fundação, "um caráter social de modicidade de preços, preços sustentáveis e que "precisa se voltar para seus fundamentos".
"Existe o modelo de governança que foi estabelecido, que visa o lucro e remunera muito bem os diretores. Haverá a necessidade de um reenquadramento e reposicionamento da empresa olhando para seus fundamentos", declarou Barros.
O líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes (RJ), que apresentaria seu requerimento para a criação da CPI, disse ao site Metrópoles que a renúncia de José Mauro Coelho da presidência da Petrobras seria insuficiente para esvaziar os argumentos políticos para a criação de uma CPI, e sinalizou sua defesa para a continuidade do debate. "Ao contrário. Por que o presidente José Mauro ficou até dar o aumento [do preço dos combustíveis]? Quis ficar bem com alguém? Com o mercado!? Por que ele não renunciou antes?", questionou.
Quais os sinais de que o governo pode recuar da ideia de CPI da Petrobras
Da mesma forma que há indícios de que o governo pode encampar uma CPI da Petrobras, também há sinais de que a ideia é abortá-la. Governistas ressaltam que a sugestão foi aventada nos bastidores como forma de pressionar José Mauro Coelho a renunciar e, desde o início, ela nunca teve um amplo apoio político da base governista. É um motivo que levam lideranças da base a entender que, diferentemente do que Lira diz, ele não instalaria a comissão.
Aliados entendem que o próprio Ricardo Barros deu sinais de que a CPI não irá adiante. Em mensagem encaminhada a líderes partidários na Câmara pelo WhatsApp, ele teria pedido que esses deputados orientassem suas bancadas a não assinarem um requerimento coletado pelo deputado federal Luis Miranda (Republicanos-DF), vice-líder do partido.
"Caro líder, a criação da CPI do preço dos combustíveis será decidida em nossa reunião de líderes hoje à tarde. O deputado Luís Miranda está pedindo apoio para uma CPI da Petrobras. Peço que orientem seus liderados a aguardar a nossa reunião para, depois, dar o apoio se for o caso", teria dito Barros em uma mensagem que consta em um "print" ao qual a Gazeta do Povo obteve acesso. Deputados da base confirmam a mensagem.
O pedido feito por Barros teria levado o deputado Eduardo Bolsonaro a colocar o pé no freio na coleta de assinaturas do requerimento. Mesmo deputados da base "raiz" de Bolsonaro que o contataram para assinar a lista articulada por ele afirmam que, até a noite desta segunda, não receberam a relação de nomes para adicionar sua adesão à CPI da Petrobras.
A falta de consenso na base política é outro entrave para levar a ideia adiante. Algumas lideranças político-partidárias se mostraram contrárias pela proximidade das eleições. O deputado federal Cláudio Cajado (PP-BA), presidente nacional em exercício do partido, é um dos que se opõe à proposta.
"A CPI neste momento não é interessante porque nós estamos em momento próximo à eleição e, obviamente, para você se dedicar a isso faltando mais 30 dias para se iniciarem as convenções e mais uns 40 e poucos dias para se iniciarem a campanha política, vai exigir esforço muito grande", disse Cajado à Gazeta do Povo.
"E não sei se haverá uma força-tarefa suficiente entre os partidos para fazer com que haja não só a presença de deputados, como também os necessários entendimentos para que essa CPI de fato comece e avance", acrescentou.
Cajado avalia que seria bem-vinda qualquer investigação que tenha por finalidade desvendar o que se diz ser a "caixa-preta" da Petrobras, bem como qualquer ato ilícito ou de má administração na estatal. "Mas pelo que se pretende neste momento, pelo menos, não existe fato de ilicitude ou de malversação. O que se pretende é ver por que a Petrobras não está, comparativamente às outras petroleiras no mundo, reduzindo seus lucros elevados. Essa é uma questão que pode ser analisada, mas não sei se por uma CPI", avalia.
O presidente em exercício do PP entende que as regras jurídicas que fazem com que a Petrobras haja da atual forma podem e devem ser alteradas. Ele reforça, porém, entender que há outras alternativas para debater, a exemplo da taxação de lucros da estatal, como defende Lira."Eles dizem que estão atuando diante da lei. Então, se a lei, de fato, permite isso, que a gente altere a lei. Eu penso que a Câmara objetivamente pode se debruçar mais rápido neste sentido", analisa. Cajado esclarece que sua análise é pessoal e que a ideia de uma CPI não foi levada a uma reunião da bancada do PP ou da Executiva Nacional do partido.
Por que Luis Miranda mantém a defesa de abertura da CPI
Ainda que o governo recue da decisão de instalar uma CPI da Petrobras ou mesmo de coletar assinaturas, o deputado Luis Miranda promete manter o debate vivo. O parlamentar retomou um requerimento apresentado por ele próprio no ano passado e reiniciou a coleta de assinaturas para a abertura do colegiado.
Autor da denúncia de um suposto esquema de corrupção no Ministério da Saúde envolvendo a compra da vacina Covaxin, Miranda afirma ter recebido no ano passado uma equipe da Petrobras que denunciou a ele ter recebido ordens para criar mecanismos que elevassem o preço dos combustíveis. Segundo a denúncia recebida, os reajustes seriam parte de uma estratégia para a estatal ampliar o desgaste e forçar a sua privatização.
O suposto esquema denunciado seria uma forma de permitir a manipulação de resultados através de tráfico de influência. À Gazeta do Povo, Miranda diz não ter dúvidas de que existem crimes ocorrendo na Petrobras.
"Até porque seu passado lhe precede, e a equipe técnica em sua grande maioria não mudou. Caem os cargos políticos, mas cargo político sem uma boa equipe embaixo fazendo esquema não ocorre, pode ter certeza. Sem o terceiro escalão, segundo escalão, as indicações políticas não conseguem fazer nenhum tipo de esquema. Só que agora é diferente. A manipulação é no sistema financeiro, na Bolsa de Valores", acusa o parlamentar.
O deputado não nega em suas próprias redes sociais o desejo em presidir uma eventual CPI da Petrobras, mas reafirma o desejo de investigar a estatal de maneira isenta. "Por isso que o presidente botou pressão para instalar CIP da Petrobras, pois ele também sabe, assim como sabia da Covaxin quando anunciei a ele em março. O presidente não pode se furtar de dar prosseguimento nessa CPI que eu pedi para que nós fizéssemos ano passado, quando o combustível estava distante de chegar onde chegou", afirma.
O parlamentar critica o recente reajuste concedido pela Petrobras aos combustíveis após o Congresso aprovar o projeto que fixa limite do ICMS sobre os combustíveis e analisa que o reajuste é uma demonstração da denúncia que recebeu em 2021.
"A manipulação da Bolsa de Valores está ocorrendo. Há de se observar para o valor que foram as opções e ações da Petrobras naquele momento. Quem tava em opção lá embaixo chegou a ter mais de 1.000% de ganho. Está claro o movimento da empresa. Estão ganhando o tempo todo constantemente e a valorização do sistema financeiro é enorme. É muito arriscado não agirmos imediatamente", pondera.
O parlamentar defende que uma CPI da Petrobras não desgastaria o governo, pelo contrário. "Demonstraria que o governo não está envolvida nessa máfia e saberíamos certamente quem está ganhando quando essas notícias ocorrem. Nós iríamos investigar na Comissão de Valores, que deveria fiscalizar a a Bolsa de Valores, quem na véspera comprou milhares, milhões ou bilhões de ações antes dos anúncios", diz.
"Saberíamos quem está tendo acesso a informações privilegiadas, pois o jogo do preço de combustível é exclusivamente para ganhos da Bolsa de Valores e nós estamos pagando a conta dessa canalhice que está ocorrendo na valorização de investidores que estão pouco preocupados com o país", complementa.