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Com crescimento em desaceleração após a boa surpresa de 2022, o Brasil precisará fazer reformas para reduzir a rigidez do orçamento, restaurar a credibilidade das contas públicas e melhorar a eficiência dos gastos do governo, aumentando o investimento em infraestrutura. Essas são as recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em relatório sobre as perspectivas para o país nos próximos dois anos.
"É necessária uma estratégia de consolidação ampla para reduzir o déficit e restaurar a credibilidade do arcabouço fiscal. Reduzir a rigidez orçamentária e limitar as despesas obrigatórias ajudaria a melhorar a eficiência dos gastos", sugere a entidade no documento, divulgado na semana passada (veja o relatório completo aqui).
"Uma melhor gestão do investimento público em infraestrutura, reformar o sistema de proteção social e mais incentivos à agricultura sustentável poderiam aumentar o crescimento potencial e melhorar o estado das finanças públicas. Diversificar a matriz energética reforçaria a resistência aos choques climáticos", prossegue o texto.
Conhecida como "clube dos ricos" por reunir algumas das economias mais desenvolvidas do mundo, a OCDE é um fórum que discute e promove as melhores práticas em políticas públicas. O Brasil está negociando seu ingresso na organização, com a ambição de ser uma espécie de “ponte” entre os países desenvolvidos e os emergentes, hoje sub-representados.
As recomendações vêm a público no momento em que o governo eleito negocia autorização do Congresso para gastar anualmente perto de R$ 200 bilhões acima do teto de gastos – principal âncora fiscal do país – e por tempo indeterminado, a fim de assegurar o pagamento de benefícios sociais prometidos por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na campanha eleitoral.
O tamanho e as características dessa licença para gastar repercutiram mal no mercado financeiro, e a equipe de transição tem dificuldades para finalizar a proposta e garantir apoio dos parlamentares. Após adiamentos, a apresentação do texto é aguardada para terça-feira (29).
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OCDE propõe reformas para limitar gastos obrigatórios e arcabouço fiscal mais sólido
As dificuldades fiscais apontadas constantemente pelo mercado financeiro são enfatizadas no relatório da OCDE. A organização afirma que cumprir com as regras fiscais fica mais difícil devido a um "conflito inerente": de um lado, há um teto que limita o aumento dos gastos públicos e, de outro, uma forte rigidez orçamentária, com despesas obrigatórias consumindo cerca de 92% do orçamento.
"Reformas para limitar as despesas obrigatórias, juntamente com um arcabouço fiscal mais sólido, poderiam proporcionar algum alívio para a política fiscal", diz a OCDE, observando que o investimento público em infraestrutura, que já era baixo em comparação com os países-membros da entidade, diminuiu ao longo do tempo.
"Existem grandes lacunas de infraestrutura em transporte, água e saneamento. A ampliação do investimento em infraestrutura de alta qualidade e amplamente acessível aumentaria a produtividade e o crescimento potencial, para além de contribuir para a mitigação e adaptação climática", aponta o texto.
A avaliação da OCDE é semelhante à do Banco Mundial, para quem gastos sociais e investimentos em obras públicas “são elementos centrais para impulsionar o crescimento na América Latina no cenário pós-Covid”. O Banco Mundial sugere que os gastos extras sejam financiados por meio de novos impostos, reforma tributária e medidas para melhorar a eficiência do gasto público.
A OCDE observa que o Brasil já tem uma matriz energética "relativamente limpa", mas que a grande dependência de energia hidrelétrica mostrou seus limites em momentos de estiagem. A entidade diz que o país deve elevar o investimento em outras fontes renováveis e que as fontes eólica e solar "apresentam um potencial significativo inexplorado".
A energia do sol e a dos ventos têm ganhado terreno na matriz elétrica brasileira. A solar, em especial, avançou muito neste ano, com a potência aumentando 44% em apenas dez meses e se aproximando da capacidade instalada da energia eólica, a segunda mais importante do país.
No caso da eólica, a principal fronteira a ser desbravada é a geração em alto-mar. Segundo o Ministério de Minas e Energia, hoje há mais de 40 projetos desse tipo com pedido de licenciamento ambiental no Ibama, com potência de mais de 100 gigawatts – quase cinco vezes a capacidade atual.
OCDE reajusta previsão para o PIB do Brasil em 2022, mas vê desaceleração adiante
Soma de todas as riquezas produzidas no país, o Produto Interno Bruto (PIB) deve crescer 2,8% em 2022, segundo o relatório da OCDE – bem mais que o avanço de 0,6% projetado pela entidade em junho. Por outro lado, o país deve crescer menos em 2023 e 2024, segundo o documento.
Segundo o relatório da OCDE, o PIB brasileiro deve crescer apenas 1,2% no ano que vem e 1,4% em 2024. A entidade fala em política fiscal mais restritiva, os efeitos do aumento já realizado na taxa básica de juros (Selic) e pela desaceleração da economia mundial em 2023.
Outro obstáculo são as dificuldades que o novo governo eleito terá para implantar as promessas feitas durante a campanha eleitoral, com um orçamento apertado por despesas obrigatórias e a necessidade de promover reformas estruturantes e um arcabouço fiscal mais sólido que deem segurança e confiança para novos investimentos.
Embora bem inferior ao estimado para 2022, o crescimento do PIB esperado pela OCDE para 2023 está um pouco acima da expectativa mediana do mercado financeiro brasileiro, que indica alta de 0,7%. É essa, por exemplo, a projeção do banco Santander, que espera desaceleração da “demanda doméstica e de componentes cíclicos da oferta, refletindo a esperada recessão global em paralelo com uma política restritiva por parte do Banco Central”. O Banco Mundial também prevê baixo crescimento no ano que vem, mais especificamente de 0,8%.
Mais otimista, o Ministério da Economia projeta uma expansão do PIB entre 1,4% e 2,9%, impulsionada, entre outras coisas, por um aumento no investimento produtivo.
Mercado de trabalho e queda da inflação favorecem consumo; juros jogam contra
A OCDE prevê que a inflação deve continuar em queda, seguindo uma tendência que começou após a desoneração tributária dos combustíveis a partir da metade deste ano. No acumulado de 12 meses, o IPCA, índice oficial no Brasil, recuou de 11,9% em junho para 6,5% em outubro.
“As expectativas inflacionárias caíram para 4,7% e 4% em 2023 e 2024, respectivamente. A queda da taxa de inflação ampla deve-se principalmente à retração dos preços internacionais do petróleo e à diminuição significativa da carga tributária, incluindo um teto para a alíquota que os governos subnacionais [estados] podem aplicar para o maior imposto sobre o consumo, além de reduções e isenções de impostos federais”, cita a OCDE.
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Segundo o relatório da OCDE, o consumo das famílias continua impulsionado pelas transferências sociais e pelo crescimento robusto do emprego – a taxa de desemprego caiu de 11,1% no primeiro trimestre deste ano para 8,7% no terceiro, ao passo que a renda do trabalhador aumentou 2,5% em um ano.
Apesar disso, a tendência é de contenção no que vem, sob efeito da elevação da taxa de juros promovida ao longo de 2022. De acordo com a entidade, as condições de crédito mais rigorosas vão limitar o aumento no consumo, e a taxa Selic, hoje em 13,75% ao ano, não deve começar a cair até que a tendência de inflação esteja em trajetória de queda persistente.
“À medida que os gargalos de oferta desaparecem e os efeitos graduais de taxas de juro mais altas se materializam, a inflação deve cair a uma média anual de 8,9% em 2022 para 4,2% em 2023, mas aumentar de novo para 4,5% em 2024 com a aceleração da economia”, diz a OCDE, que espera uma redução progressiva da Selic a partir do segundo trimestre do próximo ano, o que deve levar a taxa para 10% ao fim de 2024.