Ouça este conteúdo
Se confirmada, a venda da divisão de celulares da Oi para o consórcio formado por Vivo, TIM e Claro, em leilão marcado para amanhã, vai provocar a maior concentração no setor de telefonia móvel dos últimos 15 anos.
O Brasil experimentou concentração mais alta nos tempos do monopólio do Sistema Telebrás para telefonia fixa. Mas isso acabou em 1997, com a privatização e divisão da rede em 12 grupos com atuações regionais. Ao longo dos anos, porém, houve uma espécie de movimento reverso, com a junção desses grupos em conglomerados, como é o caso da própria Oi (antiga Telemar, que arrematou a Brasil Telecom).
Existe um termômetro de concentração usado por órgãos antitruste mundo afora, que é o Índice Herfindahl-Hirschman (HHI). Ele vai de 0 a 10.000 pontos, sendo que, quanto mais alto, mais concentrado. No Brasil, um cenário até 2.500 pontos é considerado de concentração moderada e, acima disso, requer análise aprofundada de riscos de abusos de poder, conforme parâmetros do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
O termômetro das telecomunicações no Brasil oscilou de 2.400 a 2.700 pontos entre 2005 e 2020 e vai subir para cerca de 3.300 se a venda da Oi Móvel para as rivais for confirmada. Será o maior salto já registrado no setor, de acordo com levantamento da consultoria internacional Omdia. “O mercado vai ficar nas mãos de três grupos nacionais: Vivo, TIM e Claro. Então, teremos uma concentração maior”, diz o analista sênior da Omdia, Ari Lopes.
Essa trajetória é apontada por especialistas como um desdobramento natural para o setor, que persegue ganhos de escala para diluir os custos de instalação e atualização constante das redes. Basta observar as mudanças nas comunicações desde o 2G. Como quase toda a população já tem celular, não há mais consumidores novos para fisgar. Na verdade, as teles vêm perdendo clientes desde 2014, quando deixou de ser importante para os usuários ter chips de várias operadoras para economizar nas chamadas, e muitos acabaram desligados.
“Há mais de cinco anos o setor não cresce. Nesse cenário, a consolidação é quase inevitável”, afirma Lopes. “As empresas que não conseguiram alcançar escala são os alvos das aquisições.”
Recuperação judicial
O caso da Oi se encaixa nessa lógica. A antiga supertele nacional entrou em recuperação judicial em 2016 com uma dívida de R$ 64 bilhões. Mais da metade disso foi renegociado, mas a própria direção diz que a operadora não terá condições de se sustentar no médio prazo sem vender as redes móveis – que tiveram lance de R$ 16,5 bilhões do consórcio de rivais.
A Oi tem 16% de participação no mercado móvel, atrás de Vivo (33%), Claro (26%) e TIM (23%). Sem dinheiro, a tele já ficou de fora do último leilão de faixas para tráfego dos sinais de 4G, o que prejudicou sua capacidade de aprimorar o serviço. Agora, seu futuro é incerto. No ano passado, a Nextel também sentiu o peso da falta de escala e acabou sendo vendida, em um situação pré-falimentar, para a Claro.
“Em tese, um grau de concentração mais alto implica diminuir a concorrência. Só que a Oi é uma empresa em recuperação judicial, com poucos recursos para investir e que pode sucumbir e sair do mercado de qualquer fora”, afirma o ex-conselheiro do Cade e professor de economia na Fundação Getulio Vargas (FGV) Arthur Barrionuevo.
Segundo ele, o argumento de maior concentração não seria um impeditivo, por si só, para justificar a reprovação do fatiamento da companhia entre as rivais sob os olhos do Cade. “Qual benefício a Oi está oferecendo para telefonia móvel?”, questiona Barrionuevo.
Já o consultor e ex-presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) Juarez Quadros tem uma visão mais cautelosa. “O consumidor poderia ser beneficiado, porque as empresas vão ganhar escala e investir mais em inovação e qualidade”, diz. “Por outro lado, precisamos ver como fica a estratégia comercial. O consumidor pode não ser prestigiado nas ofertas de pacotes e sofrer algum aumento de preços.”
Um ponto comum citado pelos especialistas para minimizar os efeitos da concentração do mercado é que as operadoras têm obrigações de cobertura e qualidade impostas pela Anatel. O órgão regulador é visto como um xerife atuante, que ajudou a reduzir as queixas da população na última década, quando a telefonia móvel foi massificada.
Concorrentes vão pagar R$ 16,5 bi e partilhar tele
O mercado brasileiro de telecomunicações viverá um dos principais capítulos da sua história a partir de amanhã com o leilão da Oi. A preferência da compra é do consórcio firmado pelas rivais Vivo, TIM e Claro, que já fizeram uma proposta firme de R$ 16,5 bilhões. A outra possível candidata é a Highline do Brasil, que chegou a apresentar uma proposta formal cujo valor exato não foi revelado, mas que acabou superada pelo trio. Depois disso, a Highline deu declarações públicas de que não seguirá na jogada.
A potencial divisão da Oi Móvel entre as rivais levará a uma nova configuração do mercado brasileiro, sendo aproximadamente assim: Vivo vai de 33% para 37%; TIM, de 23% para 32%; e Claro, de 26% para 29%. A Oi, com 16%, desapareceria do segmento móvel. Os 2% restantes seguiriam nas mãos de operadoras regionais. Os cálculos são da consultoria internacional Omdia, especializada em telecom, tecnologia e mídia.
A expectativa é que a TIM fique com a maior fatia da Oi Móvel, como parte de uma estratégia do grupo para obter menor resistência do ponto de vista regulatório e concorrencial. “Na divisão, a tendência é que o operador com menor participação de mercado em cada região fique com os ativos da Oi naquele pedaço”, diz Ari Lopes, da Omdia.
Os números da partilha desenhada pelo consórcio ainda não foram revelados, mas a expectativa do mercado é que essa definição leve em conta dois elementos. Um deles é a carteira de clientes das operadoras em cada região – segmentadas pelos DDDs. A predominância de uma tele frente às outras poderia afetar a concorrência e ser motivo de contrariedade dentro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Outro ponto que pesará na partilha é a quantidade de frequência de cada tele. Frequência é uma espécie de “rodovia no ar”, por onde trafegam os sinais de internet. Quanto mais frequência cada operadora tem, maior sua capacidade de cobertura e maior a qualidade do serviço.
Mercado Internacional
Se a Oi Móvel for dividida entre o consórcio formado pelas rivais Vivo, TIM e Claro, o mercado brasileiro seguirá o mesmo rumo visto nas maiores economias do mundo, nas quais restaram apenas três grandes operadoras.
É assim hoje nos Estados Unidos, China, Japão, Alemanha, Itália, Canadá, Espanha, Portugal, Holanda, Austrália, México, Colômbia, Argentina e Uruguai.
O mercado com quatro grandes teles é menos comum, mas ainda é visto, como nos casos de Reino Unido, Índia, França, Rússia e Chile.
O levantamento foi compilado pelo consultor e ex-presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) Juarez Quadros. “A tendência de consolidação desse mercado é natural, tendo em vista as necessidades das empresas para ganho de escala e eficiência”, diz.