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Cenários

Juros, inflação, PIB: pessimismo domina projeções para 1º ano do novo governo Lula

previsões para a economia em 2023
Painel de cotação de ações na B3: mercado está em compasso de espera devido à questão fiscal. (Foto: Divulgação/B3)

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Crescimento menor, economia global desaquecida, incertezas fiscais e possibilidade de aumento na taxa básica de juros. O cenário que se desenha para 2023 é desafiador para a equipe econômica do novo governo, chefiada por Fernando Haddad. Nos dois primeiros pregões da B3 no ano, o dólar subiu e o Ibovespa caiu.

As expectativas continuam se deteriorando, aponta o boletim Focus do Banco Central. Nas últimas quatro semanas, as projeções para a taxa Selic no final de 2023 passaram de 11,75% para 12,25% ao ano. E as da inflação avançaram de 5,08% para 5,31%.

“Dependendo do que sair do novo regime fiscal, o Banco Central pode subir a taxa de juro para a casa dos 16% ao ano”, diz o economista sênior do Julius Baer Family Office (JBFO), Gabriel Fongaro. Atualmente, a Selic está em 13,75%.

Segundo ele, o Congresso terá uma importante decisão a tomar: jogar ou não uma crise fiscal nas costas do governo Lula. “É muito difícil estimar o impacto nos juros”, diz o economista.

O que é certo, de acordo com o economista-chefe da Suno Research, Gustavo Sung, é que os juros mais elevados vão se traduzir em um crescimento menor em 2023. Depois de uma expansão que pode chegar a 3% em 2022, o PIB deve aumentar bem menos no novo ano. A mediana das projeções do boletim Focus para o crescimento da economia é de 0,8%.

Um dos impactos principais será sentido no consumo das famílias, diz o analista-chefe da Toro Investimentos, Lucas Carvalho. “Mesmo com uma eventual política fiscal mais expansionista, a taxa Selic elevada deverá atuar como um limitador a um crescimento maior da economia”, diz.

Um fator com o qual a economia contou neste ano e não poderá contar no ano que vem é o efeito da reabertura, essencial para o bom desempenho do setor de serviços nos últimos tempos. A inflação ainda elevada deve afetar o consumo. E com os juros no patamar em que estão ou até mais altos, o mercado de trabalho deve perder dinamismo.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) é mais otimista que o mercado. A entidade projeta um crescimento de 1,6% do PIB para 2023. Segundo o gerente-executivo de economia, Mário Sérgio Telles, o número será influenciado por três fatores:

  • O resultado do crescimento de serviços de 2022 ainda influenciará 2023;
  • Haverá continuidade da expansão do número de pessoas com trabalho e da massa salarial real; e
  • As despesas do setor público vão aumentar.

A indústria de transformação, por sua vez, terá um crescimento de apenas 0,3%, de acordo com a entidade industrial. O desempenho não será homogêneo: os produtores de bens mais sensíveis à renda terão desempenho melhor que aqueles mais sensíveis ao crédito.Um dos trunfos da economia brasileira no próximo ano poderá ser o agronegócio. A expectativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é de um recorde de safra no ciclo 2022/23, com bons preços. A produção nacional de grãos é estimada em 312,2 milhões de toneladas, 15% mais que na temporada anterior.

Confiança de empresários e consumidores está em queda

As expectativas das empresas e de consumidores estão baixas, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). O indicador empresarial reflete a desaceleração das atividades econômicas no fim de 2022, enquanto a dos consumidores, apesar de recuperar parte das perdas dos meses anteriores, indica uma postura mais cautelosa.

"O resultado é reflexo de uma possível desaceleração econômica para os próximos meses, à medida que há um esgotamento do crescimento de setores antes reprimidos, manutenção de preços elevados e política monetária contracionista", citam os especialistas da FGV.

Eles apontam que, mesmo com a melhora no mercado de trabalho, a inflação continua sendo um fator de pessimismo para os consumidores, além do cenário de endividamento elevado das famílias, principalmente as de menor renda; taxa de juros alta e o fim dos incentivos à demanda.

A economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória, disse, em dezembro, que esse ânimo mais deteriorado pode se transformar em queda de atividade à frente. “Não só os juros mais altos impactam os negócios, mas o cenário de incerteza também dificulta o planejamento”, diz.

Segundo ela, a PEC fura-teto, com elevados gastos adicionais para 2023, trouxe de volta o risco de desancoragem da inflação: “O aumento de gastos sem contrapartida pode ter efeito inflacionário ainda em 2023, colocando a meta do ano novamente em risco, podendo resultar em novas altas da Selic pelo BC”.

As últimas divulgações do boletim Focus já mostram essa maior pressão inflacionária. Esse risco de desancoragem das expectativas pode ter efeito nas taxas de juros e se refletir na economia, ampliando a desaceleração. Carvalho, da Toro Investimentos, já trabalha com a hipótese de uma queda de juros só na virada de 2023 para 2024: “A incerteza fiscal incomoda bastante”.

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Governo terá de formular novo arcabouço fiscal

O analista-chefe da Toro Investimentos aponta que há uma série de dúvidas no ar. Elas se referem à formulação de um novo arcabouço na área fiscal e à trajetória da despesa pública. Em novembro, o endividamento público estava em 74,5% do PIB, segundo o Banco Central.

A falta de dinheiro para emitir passaportes, no último mês do ano, e o corte de recursos das universidades são retratos de que algo precisa ser feito na questão fiscal, aponta o head de mesa da Valor Investimentos, Piter Carvalho. “Há uma bomba armada”, diz.

Segundo os analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o governo terá de formular um novo arcabouço fiscal o mais rápido possível. “O teto de gastos não atende mais aos propósitos para os quais foi criado”, diz o analista de macroeconomia da hEDGE point Global Markets, Alef Dias.

“Apesar da melhoria recente, a relação dívida/PIB permanece em níveis elevados - 74,5% do PIB, em novembro - e as pressões sobre os gastos estão aumentando. Sem uma regra clara e crível para os gastos, a dívida pública não se estabilizará no futuro previsível, pressionando a confiança dos empresários e as expectativas de inflação”, destacam analistas da XP Investimentos.

A corretora estima que as contas públicas podem voltar ao vermelho em 2023 e 2024, devido às sinalizações de expansão de gastos, substancialmente acima do teto constitucional. “A política fiscal expansionista é um risco para o médio prazo”, citam economistas em relatório da XP.

Essa política pode postergar o espaço para cortes nos juros. As expectativas para a Selic no fim de 2023 já vem aumentando nas últimas semanas. Elas passaram de 11,25% ao ano no início de novembro, pouco após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para 12,25% atualmente.

“Se o regime fiscal de fato mudar, os juros nominais podem ficar mais altos por mais tempo. Neste caso, o Copom pode, inclusive, retornar o ciclo de alta de juros em 2023”, citam os especialistas da corretora.

Ao tomar posse na Fazenda, na segunda-feira (2), Fernando Haddad afirmou que, ainda no primeiro semestre, vai encaminhar ao Congresso um novo arcabouço fiscal para organizar as contas públicas. O mês de agosto consta no texto da PEC fura-teto aprovada pelo Congresso em dezembro como prazo final para apresentação de um modelo substituto ao teto de gastos.

O professor Rodrigo Simões Galvão, da Faculdade do Comércio de São Paulo (FAC-SP), aponta que outro agravante é o baixo rating (nota de crédito) do Brasil nas agências de classificação de risco. “Isso faz com que países mais endividados em relação ao PIB, como Estados Unidos e Japão, estejam em uma situação melhor.”

Mercado não quer saber de mais gastos públicos

O mercado não está animado em relação a uma nova onda de gastos públicos. “É uma realidade diferente da de dez anos atrás”, cita Piter Carvalho, da Valor. Ele lembra que a ex-primeira-ministra britânica Liz Truss foi obrigada a sair do cargo, 45 dias após tomar posse, depois de insistir em uma política fiscal mais frouxa, que previa aumento do gasto público.

No mundo, há pouca margem para ampliação dos gastos públicos. “A margem de manobra dos governos é pequena”, diz o especialista da Valor Investimentos. Um dos motivos para isso é a elevada inflação nas principais economias mundiais.

Em outubro, a inflação anual atingiu 10,7% nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A alta foi impulsionada pelo preço dos alimentos, que aumentaram 16,1%, a maior elevação desde maio de 1974.

Com inflação mundial alta, juros sobem e crescimento cai

Esse cenário de maior inflação mundial está obrigando os países a adotarem uma política monetária mais restritiva, com juros mais elevados, que por sua vez reduz as expectativas de crescimento da economia mundial. Em outubro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projetava uma expansão de 2,7% para o PIB global em 2023.

A preocupação é de que, neste cenário mais conturbado, o Federal Reserve (o BC norte-americano) não inicie o corte dos juros em 2023. Dias aponta que, apesar de o Brasil estar relativamente preparado para este cenário, o Comitê de Política Monetária (Copom) não conseguiria reduzir muito a taxa Selic, devido à necessidade de se manter um diferencial entre os juros brasileiro e americano.

O analista-chefe da Toro aponta que há um pouco de cautela em relação aos Estados Unidos, apesar de a inflação estar cedendo por lá. Nos 12 meses encerrados em novembro, os preços ao consumidor aumentaram 7,1%, a menor alta nesse intervalo de tempo desde dezembro de 2021, segundo o US Bureau of Labor Statistics.

A expectativa é de uma recessão menos severa para a economia americana. Para a Europa, o cenário é diferente. Além da alta nos preços, a região convive com uma crise energética, que complica mais o cenário. A inflação acumulada em 12 meses estava em 11,5% em outubro e as perspectivas de crescimento econômico para 2023 são de apenas 0,5% na área do euro, segundo o FMI.

Um complicador adicional, segundo Galvão, da FAC-SP, é a mudança no paradigma dos negócios, devido a questões geopolíticas. A Covid-19 e a guerra na Ucrânia mexeram com as cadeias globais de produção.

O professor diz que esse cenário de custos de produção e dinheiro mais caros vai demorar para ser corrigido. “Ninguém quer ficar dependendo de fornecedores ou de blocos econômicos específicos”, diz o professor.

Um fator que pode contrabalançar, segundo Carvalho, da Toro, é a flexibilização da rigorosa política de combate à Covid-19 na China, que prevê testagens em massa e lockdowns, e a adoção de políticas econômicas mais expansionistas, que resultem em um crescimento maior. “O afrouxamento das restrições na China pode beneficiar commodities como minério de ferro, petróleo, soja, carne, café e suco de laranja”, cita.

Para a XP Investimentos, do ponto de vista global o Brasil continuará sendo um destaque. “Está longe das tensões geopolíticas, se beneficia dos altos preços das commodities e é uma das economias ‘mais verdes’ do mundo”, diz a corretora, em relatório.

Como ficam as commodities em 2023

Segundo o Bradesco, a trajetória de queda das commodities perdeu força após recuar cerca de 17% entre meados de junho e meados de julho. De lá para cá, o CRB (indicador que mede o preço de uma cesta de commodities) permaneceu praticamente estável, influenciado por:

  • Preços mais elevados para as commodities metálicas, refletindo um cenário mais positivo para a China;
  • Estabilidade dos preços agrícolas, combinando riscos para a oferta na América do Sul e desaceleração da demanda global; e
  • Recuo das cotações de petróleo.

Economistas do banco apontam que a oferta de commodities segue restrita, com limitações na safra de grãos, produção de petróleo e extração mineral, mantendo pressão altista nos preços.

“No entanto, e apesar do movimento recente e das restrições de oferta, a tendência segue sendo de preços menores, em linha com a desaceleração global”, escrevem os analistas em relatório.

As maiores pressões devem vir dos grãos, nos quais o Brasil se destaca com a soja e o milho. “Os preços não devem se retrair e o país deve sofrer menos com a desaceleração das commodities”, diz o analista da hEDGE point.

O Bradesco aponta que, no mercado de grãos, a seca e a guerra na Ucrânia limitaram a expansão da produção no Hemisfério Norte e houve quebra na produção de soja, milho e trigo. “No Hemisfério Sul, a safra está em plantio e desenvolvimento, com riscos climáticos, por ora, concentrados na Argentina", diz análise do banco.

No conjunto, o cenário para as commodities tem implicações ambíguas para a economia brasileira. “Projetamos menor inflação doméstica, menor superávit comercial e perda de arrecadação”, destacam os economistas do banco.

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