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Por prudência ou por não ter com o que gastar, os brasileiros estão poupando mais em 2020. A taxa de poupança alcançou o equivalente a 15,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre, o maior nível desde o primeiro trimestre de 2015, de acordo com o IBGE. A captação líquida da caderneta de poupança, aplicação mais popular, segue batendo recorde e acumula R$ 144,2 bilhões no acumulado de janeiro a outubro deste ano, segundo o Banco Central.
Apesar desse colchão, especialistas avaliam que não dá para contar apenas com esses recursos para impulsionar a retomada da economia em 2021, porque parte do que foi poupado não será usado para consumo imediato. Para os mais ricos, que economizaram mais, a tendência é de voltar ao mesmo patamar de gastos anteriores à pandemia, e não expandi-los. Os mais pobres, por sua vez, estão vulneráveis à redução de renda com o fim do auxílio emergencial.
Além disso, a incerteza em relação a uma nova onda da Covid-19, que provoque novos fechamentos no país, e à recuperação do mercado de trabalho fazem com que essa propensão à poupança aumente, limitando a disposição para gastar. Ainda se soma a esse cenário o risco fiscal do país, decorrente do aumento do gasto público para ações de mitigação da pandemia, que acarretaram em déficit primário recorde e elevação da dívida pública. Essa situação desestimula o consumo.
Poupança também está atrelada a risco fiscal
O Banco Central está de olho nesses efeitos. No último relatório de inflação, a instituição avalia que o auxílio emergencial, por exemplo, ajudou a sustentar o consumo ao longo dos primeiros meses de impacto da pandemia, mas não teve uma parcela relevante poupada. “Nesse caso, o fim do programa pode contribuir para a desaceleração do consumo das famílias, ainda que de forma temporária”, avalia.
A manutenção dessa reserva precaucional também foi observada na última ata do Copom, que manteve a taxa Selic em 2%, mas fez um alerta sobre a evolução da inflação. Em um dos cenários traçados pelo BC, a atual pressão inflacionária pode ser revertida a depender do nível de ociosidade, especialmente se estiver concentrado no setor de serviços, mais afetado pela pandemia. “Esse risco se intensifica caso uma reversão mais lenta dos efeitos da pandemia prolongue o ambiente de elevada incerteza e de aumento da poupança precaucional”, alerta o BC.
Luana Miranda, pesquisadora da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), explica que o cenário de incerteza e o risco fiscal acabam freando os gastos – e mantendo o dinheiro nas poupanças.
A avaliação é de que as discussões para continuidade do auxílio emergencial ou implementação do Renda Cidadã, sem uma redução dos gastos obrigatórios, ou postergação do chamado Orçamento de Guerra vão respingar na expectativa da trajetória da dívida pública, que já é ruim, e na capacidade do governo de manter o compromisso com o teto de gastos.
“Esses gastos podem vir trazendo desconfiança e desconforto sobre o compromisso fiscal do governo no médio prazo, o que já atinge a curva de juros futuros. Nesse cenário de incerteza, as pessoas montam poupança precaucional porque não sabem se os empregos serão mantidos ou não”, diz.
Ela lembra que em 2020 está havendo uma situação rara de descompasso: o consumo das famílias caiu, embora a renda tenha aumentado. Dados do Monitor do PIB, do Ibre/FGV, apontam que o consumo das famílias caiu 6,7% no trimestre móvel encerrado em agosto, em comparação ao mesmo trimestre no ano anterior. O resultado negativo é um pouco melhor do que o registrado no segundo trimestre, marcado pelo recuo de 13,5%.
Mas a renda média do brasileiro aumentou. Sondagem especial do Ibre, divulgada em setembro, mostrou que 13,5% dos brasileiros receberam algum tipo de renda extra durante a pandemia. Esse número chega a quase 30% quando se analisa as pessoas com renda mensal de até R$ 2,1 mil, que foram mais beneficiadas pelo auxílio emergencial. O levantamento também levou em consideração verbas do FGTS (saque emergencial ou por demissão), seguro-desemprego e outros.
Embora parte dessa renda extra tenha sido empregada em gastos correntes, isso não implicou em aumento significativo do consumo. De cada R$ 100 extras, só R$ 2,30 foram usados para aquisição de bens como eletrodomésticos, móveis ou ainda roupa e serviços, e R$ 20 foram poupados. Outros R$ 74 foram usados para compras de bens essenciais, dívidas em atraso ou itens do dia a dia.
Para Luana, essa sondagem mostra que até mesmo os mais pobres conseguiram poupar alguma coisa, muito embora esse colchão tenha sido engordado principalmente pela poupança involuntária dos mais abastados. “O crescimento da taxa de poupança foi importante. A grande dúvida é como essa poupança será usada no ano que vem para suavizar essa transição”, afirma.
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Sem segurança, sem consumo
O economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira, observa que a propensão a poupar do brasileiro não aumentou. Para ele, o aumento da captação líquida da caderneta é resultado de mera transferência de aplicações, e a taxa de poupança merece uma investigação mais aprofundada para determinar o peso da economia das pessoas físicas.
“Provavelmente as pessoas que receberam renda maior conseguiram poupar. Não significa que a propensão a poupar aumentou. A poupança precaucional pode ser positiva, mas eu não comemoraria isso porque as pessoas pouparam auxílio emergencial”, diz.
A questão é que a parcela mais rica, na avaliação de Oliveira, não irá expandir os gastos e, portanto, não contribuirá mais com o consumo. “Aqueles que pouparam auxílio até poderiam sustentar o consumo num patamar não tão baixo, mas a tendência é o consumo diminuir por aumento do desemprego”, observa.
Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo Investimentos, concorda. Como o brasileiros nunca passou por grandes desastres ou períodos de doença e guerra, não tem a propensão a poupar e acabou fazendo isso “na marra” durante a pandemia da Covid-19. A grande questão é se essa reserva, formada a muito custo, será usada para consumir.
“O grande ponto de discussão para o ano que vem é confiança do consumidor. Será que ele vai ter confiança para se endividar a médio e longo prazo? Acho que o movimento é de se manter mais poupador, estável, e guardar essa reserva, do que usar essa reserva para o consumo”, avalia.
Esse consumo poderá ocorrer se o consumidor sentir confiança no emprego e na renda. Caso contrário, a tendência é de aumento da poupança. “A majoritária procura pelo investimento conservador, que é a caderneta, é reserva de muito curto prazo. Se ele não vai assumir risco para volatizar, ele não vai assumir o risco de gastar essa reservar num curto espaço de tempo porque não tem segurança para gastar, nem para arriscar”, diz.