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Os preços de alimentos e bebidas continuarão a pressionar o orçamento das famílias brasileiras em 2025, especialmente para a população de baixa renda, que destina uma parcela significativa de sua renda a esses itens essenciais. Nos últimos 12 meses até janeiro, essa categoria de produtos ficou 7,25% mais cara, em média, superando a inflação geral de 4,56%.
Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que, embora o ritmo de alta de preços deva se desacelerar nestes primeiros meses de ano, a inflação alimentar continuará acima da média.
Fatores como clima, câmbio e demanda global e local são alguns dos principais responsáveis por essa tendência, aponta o economista-chefe da Associação Paulista de Supermercados (Apas), Felipe Queiroz.
Guilherme Gomes, especialista em inflação da Warren Investimentos, projeta que a desaceleração na alta dos preços deve ser mais perceptível no primeiro semestre de 2025. Esse movimento será liderado por alimentos in natura, como legumes, verduras e frutas.
Até agora, porém, o preço médio dos alimentos e bebidas continua a subir mais do que o IPCA geral. Em janeiro, o aumento foi de 0,96%, segundo o IBGE, menor do que no mesmo período de 2024 (1,38%) mas ainda acima da inflação geral (0,16%).
Apesar de o primeiro semestre trazer perspectivas de alívio, os especialistas alertam para uma possível retomada do ritmo de alta nos preços da metade do ano em diante. A carne bovina, por exemplo, deve continuar sendo um dos principais fatores de pressão inflacionária.
O preço da arroba do boi gordo, que alcançou R$ 325 em janeiro, deve permanecer elevado, influenciando diretamente o custo da carne para o consumidor. Segundo Alcides Torres, da Scot Consultoria, o aumento das exportações e a alta demanda interna são fatores que pressionam os preços.
Além disso, a carne bovina mais cara leva os consumidores a optarem por carnes suínas e de frango, o que pode aumentar os preços dessas proteínas alternativas.
O café também enfrenta desafios significativos em 2025. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) projeta uma queda de 4,4% na produção nacional, devido aos efeitos climáticos adversos acumulados nos últimos anos.
Pavel Cardoso, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), destaca que a demanda global crescente e os problemas logísticos em países como o Vietnã, um dos maiores exportadores, têm agravado a situação. O país teve dificuldades para escoar a produção para a Europa, um dos principais consumidores mundiais.
Em janeiro, o preço da saca de café arábica para entrega em março subiu 29,3% em Nova York. No Brasil, o preço do café moído para o consumidor teve alta de 8,6% no primeiro mês do ano, enquanto o cafezinho consumido fora de casa aumentou 2,7%, segundo o IBGE. A expectativa é de que os preços continuem pressionados ao longo do ano.
Por outro lado, a preocupação com o preço do óleo de soja diminuiu. Segundo o IBGE, em um ano o preço ao consumidor aumentou 24,6%, mas a projeção de uma safra recorde de grãos no Brasil deve ajudar a reduzir as pressões sobre os preços.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que sejam colhidas 166 milhões de toneladas de soja neste ciclo, 12,4% a mais que no anterior, graças a condições climáticas favoráveis em regiões como Mato Grosso e Goiás. Desde o início do ano, o preço da soja no mercado interno recuou, com a saca de 60 kg no Porto de Paranaguá caindo 6,2% em reais, segundo o Cepea-Esalq/USP.
Por outro lado, o preço internacional da soja teve leve alta devido ao clima adverso na Argentina e nos EUA, importantes produtores. De acordo com o Itaú, isso pode abrir novas oportunidades para exportadores brasileiros, suavizando os impactos de custos e de aumento da oferta no mercado interno.
Clima teve peso importante na alta dos preços dos alimentos em 2024
Eventos climáticos como o El Niño e, na sequência, o La Niña foram determinantes para a alta nos preços dos alimentos em 2024. Na virada de abril para maio, o El Niño levou fortes chuvas ao Rio Grande do Sul, um dos principais polos agrícolas do Brasil, enquanto o La Niña afetou negativamente a safra de culturas como o café.
Para 2025, a Conab projeta uma safra recorde de 325,7 milhões de toneladas de grãos, um aumento de 9,4% em relação ao ano anterior. Segundo Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, a boa colheita no primeiro semestre pode ajudar a conter a alta nos preços dos alimentos.
Sobe e desce do dólar se refletiu na inflação
Outro fator importante para o comportamento dos preços dos alimentos é o câmbio. Em 2024, o dólar chegou a ser negociado a R$ 6,30, mas nos últimos dias está mais próximo dos R$ 5,70. A valorização do real pode trazer algum alívio, reduzindo o impacto do câmbio nos preços de produtos importados e de grande consumo, como o trigo.
André Braz, coordenador de índices de preços do FGV Ibre, explica que a valorização da moeda brasileira diminui a competitividade das exportações, o que pode aumentar a oferta interna de alimentos e ajudar a conter os preços.
Além dos fatores climáticos e cambiais, questões estruturais também contribuem para a inflação dos alimentos. A desvalorização do real em 2024, que chegou a 27%, aumentou a competitividade dos produtos brasileiros no exterior, reduzindo a oferta no mercado interno. Isso, aliado à alta demanda interna, formou um cenário desafiador para os preços.
Laís Martins, sócia da Fundamenta Investimentos, lembra também que a forte perda de valor da moeda brasileira frente à americana contribuiu para a alta nos preços de insumos agrícolas, como fertilizantes.
Além disso, mudanças no ICMS dos estados levaram à alta dos combustíveis, elevando os custos de transporte e logística. As altas se refletem diretamente nos preços de supermercados e restaurantes, que acabam por repassar os aumentos para seus produtos e serviços. Segundo dados de janeiro do IBGE, em um ano a gasolina aumentou 10,7%; o etanol, 21,6%; e o óleo diesel, 2,7%.
Governo quer conter alta dos preços dos alimentos, mas não tem ferramentas
Diante desse cenário, o governo federal anunciou iniciativas para tentar conter a inflação dos alimentos. Entre as medidas planejadas estão a redução de juros para produtores rurais e o controle de tarifas de importação. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a sugerir que o povo não compre produtos que considere caros, para obrigar vendedores a baixar preços.
“Não tem muito como contornar o problema dos preços dos alimentos”, diz Braz. Segundo ele, a maior contribuição do governo é na estabilidade fiscal, porque controlar as próprias contas ajuda a equilibrar a taxa de câmbio, que por sua vez afeta menos a inflação de alimentos.
Tarifas americanas também podem ter reflexos nos preços dos alimentos
A política econômica dos Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump também pode ter reflexos na inflação. Segundo Guilherme Gomes, da Warren Investimentos, a adoção de tarifas de importação por parte dos Estados pode gerar volatilidade cambial, afetando os preços dos alimentos no Brasil.
Dois cenários são possíveis em sua avaliação: o aumento dos custos de exportação brasileira, que pode resultar em um excedente de produção (maior oferta) e, consequentemente, na redução dos preços; e a redução da competitividade em fornecedores globais de alimentos, dependendo dos países afetados por tais imposições, causando maior inflação nos EUA.