Ouça este conteúdo
Os gastos da Previdência Social previstos no Orçamento de 2025 atingiram níveis recordes, superando pela primeira vez a marca de R$ 1 trilhão. Ainda assim, eles podem estar subestimados.
A Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, prevê que as despesas dessa área em 2025 serão R$ 23 bilhões maiores que o número orçado pelo governo, alcançando R$ 1,030 trilhão. Projeções de mercado também preveem uma diferença entre R$ 20 bilhões e R$ 25 bilhões.
A Previdência paga aposentadorias, pensões e outros benefícios do INSS, como o auxílio-doença. São gastos obrigatórios. O que significa que, se em 2025 a projeção do Orçamento se revelar incorreta, o governo terá de encontrar recursos para bancar a diferença.
Não é a primeira vez que isso acontece. No ano passado, as despesas projetadas na peça orçamentária foram de R$ 913,9 bilhões. Na época, a IFI calculou que o gasto deveria ficar em R$ 932,4 bilhões, uma diferença de R$ 18,5 bilhões.
O próprio governo acabou tendo de revisar para cima sua estimativa. Na segunda avaliação de despesas bimestrais, em junho passado, a projeção de gastos com a Previdência foi elevada para R$ 923 bilhões.
Ao subestimar as despesas com a Previdência, o governo cria margem para afirmar, no Orçamento, que vai cumprir a meta fiscal – que é de resultado neutro (nem déficit, nem superávit) em 2025. Depois, no decorrer do exercício, o Executivo pode ir revisando aos poucos os números e adequando-os à realidade. O que poderá exigir, por exemplo, o bloqueio de outros gastos – o congelamento de R$ 15 bilhões anunciado em julho foi provocado principalmente pelo gasto previdenciário.
Para Vilma da Conceição Pinto, diretora da IFI, o governo tem considerado, desde o ano passado, previsões muito otimistas em relação ao “pente-fino” programado para os benefícios previdenciários.
“As revisões para identificar irregularidades, pessoas que não deveriam, mas estão recebendo, são muito bem-vindas e traduzem melhora na eficiência”, diz a diretora. “Só que os parâmetros considerados têm sido muito altos e este ano não foram o sucesso esperado.”
Além disso, com o envelhecimento da população e, paralelamente, a implantação do programa de redução de filas do INSS, o número de beneficiários aumentou 5,7% entre junho de 2023 e junho deste ano. Isso significa algo em torno de 2 milhões de benefícios.
“Isso só falando em número de pessoas e sem considerar o impacto financeiro dos reajustes”, afirma Conceição.
As aposentadorias estão vinculadas ao salário mínimo, que, conforme regra definida pelo governo, continuará a ser reajustado acima da inflação – o aumento real será sempre equivalente à alta do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes.
VEJA TAMBÉM:
Previdência é principal fonte de despesas da União
O aumento na concessão de aposentadorias, pensões e outros benefícios tem sido o principal fator de pressão sobre as contas públicas.
As despesas previdenciárias consomem a maior parte da fatia do orçamento destinada às despesas obrigatórias, espremendo as despesas discricionárias, que permitem a alocação de recursos em investimentos e custeio da máquina administrativa.
Em suma, os gastos obrigatórios colocam em xeque o déficit zero estabelecido pelo arcabouço fiscal.
De acordo com o projeto do governo, a despesa com benefícios crescerá R$ 71,1 bilhões em relação ao projetado para este ano no terceiro Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias.
O número é impactado pela política de valorização do salário mínimo e pela redução da fila de espera implantada pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INSS).
Com isso, o rombo previdenciário deve chegar neste ano a 2,5% do PIB, ou R$ 326,2 bilhões, segundo o Balanço Geral da União (BGU) de 2023, divulgado pelo Tesouro Nacional. Uma piora significativa em relação à projeção feita no ano passado, que era de déficit de 2,2% do PIB. As projeções do BGU consideram que o PIB crescerá acima de 2%, em média, até 2030, premissa considerada otimista pelos especialistas.
Subestimar despesa é pratica recorrente, diz especialista
Para Murilo Viana, especialista em contas públicas, a subestimação de despesas é uma prática recorrente por parte dos governos. É uma forma de liberar espaço para as despesas discricionárias, o que pode permitir, por exemplo, a alocação para políticas públicas de interesse do governo. No projeto de lei para 2025, as despesas obrigatórias consumirão 92% do Orçamento e as discricionárias, 8%.
“É claro que outros fatores podem surgir ao longo do exercício do orçamento, fazendo com que alguma despesa fique acima do projetado”, diz Viana. “Nem sempre é má-fé, mas existe uma disposição para a má-fé, para o governo poder ir fazendo a gestão dos recursos conforme suas prioridades. E, além disso, pode ir fazendo um contingenciamento aqui e acolá.”
Do lado do Legislativo, que aprova o Orçamento, Viana acredita que também há interesses em ter uma receita mais “gorda” para ter mais espaço de negociação de emendas. “Os parlamentares ficam mais à vontade para fazer a sua negociação dentro do espaço fiscal”, diz.
Viana destaca que existe uma tendência de normalização das despesas ao longo do exercício, visando o cumprimento da meta fiscal. Os Relatórios de Despesas Primárias, divulgados bimestralmente, têm a função de tornar mais realistas as projeções iniciais.
O remanejamento já faz parte, segundo ele, do jogo político. Para isso existem os bloqueios e contingenciamentos. “Mas em termos de gestão fiscal é péssimo”, diz. “A subestimação impacta a gestão e a previsão dos mínimos constitucionais, como os de Saúde e Educação, que chegam ao final do ano e têm que ser cumpridos. O ideal seria que a peça orçamentária fosse o mais fidedigna possível.”
A discussão, segundo ele, deveria abranger não só a União, mas estados e municípios. “Ainda existe um incentivo ou uma propensão para que os orçamentos sejam mais uma peça de ficção.”