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A pandemia da Covid-19 afetou fortemente a atividade econômica e o mercado de trabalho em todo o mundo. Não foi diferente no Brasil. Por causa das medidas de distanciamento social, adotadas para conter o avanço da doença, muitas pessoas foram trabalhar em suas casas. O trabalho informal foi fortemente afetado, mas uma série de medidas ajudou a preservar empregos formais, como a suspensão de contratos e redução da jornada. Com isso, um efeito curioso ocorreu no país: a economia se retraiu, mas a produtividade cresceu. Esse efeito, porém, é temporário.
O Observatório da Produtividade Regis Bonelli, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), vem monitorando a situação da produtividade no país e alertando para algumas discrepâncias registradas na comparação entre os dados de horas habitualmente e efetivamente trabalhadas.
A produtividade do trabalho tenta mensurar quanto cada hora trabalhada agrega de valor à produção. Enquanto o primeiro indicador colecionou recuos, o segundo teve avanços significativos, principalmente no segundo e terceiro trimestres de 2020.
A explicação, resumidamente, é que a pandemia de coronavírus afetou principalmente a economia informal, que é menos produtiva. Ou seja, na média, um trabalhador informal gera menos riqueza a cada hora de trabalho do que um formal. Com essa retração "forçada" da informalidade, o mercado formal, mais produtivo, acabou tendo maior participação na formação do Produto Interno Bruto (PIB). É por isso que, mesmo com uma economia em retração, a geração de renda por trabalhador e por hora trabalhada acabou sendo maior.
Como a produtividade avançou em 2020
Os pesquisadores Fernando Veloso, Silvia Matos e Paulo Peruchetti, que assinam relatórios trimestrais sobre o tema, mostram o movimento ocorrido em 2020 na edição mais recente dos indicadores de produtividade do Ibre/FGV. O primeiro trimestre registrou queda de produtividade por pessoal ocupado e por hora habitualmente trabalhada, de 0,7% e 1,1%, respectivamente. Em contrapartida, a produtividade por hora efetivamente trabalhada avançou 3%.
A “mágica” ocorreu no segundo trimestre, quando houve leve elevação da produtividade por pessoal ocupado (0,4%) e por hora habitualmente trabalhada (0,2%), e um forte crescimento da produtividade por hora efetivamente trabalhada, que avançou 23,9%.
Os dados do terceiro trimestre apontam para aumento da produtividade nos três indicadores: por hora efetivamente trabalhada (15,3%), por hora habitualmente trabalhada (9,4%) e por pessoal ocupado (9,5%).
Apesar do crescimento em 2020, os pesquisadores alertam que ainda é muito cedo para afirmar que o Brasil encontrou um caminho para avançar no que diz respeito ao aumento da produtividade. A avaliação é de que há muita incerteza entre os diferentes indicadores de produtividade, o que impede uma projeção do que poderá acontecer com a economia brasileira quando a situação se normalizar.
Os pesquisadores explicam que, até o início da pandemia, os resultados obtidos na comparação das duas medidas de horas trabalhadas eram semelhantes.
“Em função das medidas de distanciamento social necessárias para conter os efeitos da pandemia, desde o primeiro trimestre os dados da Pnad Contínua passaram a revelar um descolamento entre as duas medidas de horas trabalhadas, o qual foi particularmente forte no segundo trimestre, com redução muito mais pronunciada das horas efetivamente trabalhadas que das horas habitualmente trabalhadas”, diz o relatório.
O terceiro trimestre manteve esse cenário, mas com menos discrepâncias. A avaliação é de que já se iniciou o processo de normalização das horas efetivamente trabalhadas.
Cautela com o aumento da produtividade
A pesquisadora do Ibre Silvia Matos lembra que a produtividade deve estar no centro da agenda da política econômica porque a estagnação do crescimento do país, especialmente na última década, ocorreu por causa da estagnação da produtividade.
“A única forma de gerar crescimento da renda per capita nas próximas décadas será através da elevação da produtividade. Não temos atalhos para o crescimento”, comentou durante o webinar Produtividade e Reformas, produzido pelo Ibre/FGV em parceria com o jornal O Estado de S. Paulo.
Embora a produtividade seja um problema crônico do Brasil, o país teve um período de avanço no indicador no início dos anos 2000. A última década, no entanto, foi um “desastre”, intensificado pela recessão iniciada em 2014.
“A recuperação da produtividade foi muito lenta após a saída da recessão”, observa. Após crescimento em 2017, houve desaceleração em 2018 e uma situação atípica em 2019: o ano teve queda da produtividade e aumento do PIB. “Isso é muito estranho e atípico, porque não foi um período recessivo”, explica.
O pesquisador do Ibre Fernando Veloso avalia que isso ocorreu porque o tipo de emprego que estava sendo gerado era muito pouco produtivo. Era um trabalho predominantemente informal, com pessoas com baixa escolaridade, atuando por conta própria ou em empresas com pouco capital e baixa tecnologia.
“O PIB subia, a produção aumentava, mas só porque tinha muita gente trabalhando. Essas pessoas agregavam muito pouco à produção”, disse ele sobre o período pré-pandemia, no mesmo webinar.
Mas o coronavírus bagunçou tudo. Veloso considera o resultado de 2020 surpreendente, porque a produtividade aumentou não pelas razões usuais (produto crescendo mais do que o trabalho), mas sim porque ambos caíram.
Os dois pesquisadores avaliam que esse resultado é reflexo de uma mudança na estrutura do mercado de trabalho, que exigirá acompanhamento nos próximos anos. “Precisamos de cautela na análise do mercado de trabalho e impacto disso na produtividade. Tivemos mudanças muito significativas no mercado de trabalho, porque a pandemia afetou principalmente trabalhadores de baixa produtividade, especialmente os informais e de baixa escolaridade”, avalia Silvia.
Veloso lembra que um dos setores mais afetados pela pandemia foi o de serviços, e os segmentos de alimentação e hospedagem estão entre os menos produtivos. O trabalhador informal, que tem menos qualificação e anos de estudo, foi mais afetado, e muitos deixaram a força de trabalho.
“Foi um choque de enormes proporções, fazendo com que quem sobreviveu, em média, seja mais produtivo. Essa é a interpretação para o aumento [da produtividade]. Não acredito que isso vai continuar; é um fenômeno temporário”, diz.
Aumento consistente de produtividade depende de reformas estruturais
Os pesquisadores concordam que, para o Brasil obter resultados consistentes de aumento de produtividade, precisa avançar na agenda de reformas. “As reformas, que já eram essenciais, por razões estruturais, agora são mais urgentes do que nunca e estão sendo adiadas”, observa Veloso, que menciona as reformas tributária e administrativa, além da PEC Emergencial e o próprio Orçamento, que não foram votados em 2020 no Congresso.
“A agenda de reformas é essencial pois, após superarmos a pandemia, podemos voltar ao nosso ‘velho normal’, que é o crescimento com baixa produtividade. E o que sustenta esse quadro de baixa produtividade é o nosso sistema econômico, que não promove a concorrência e estimula a ineficiência em alocação de recursos produtivos no país”, diz.