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Apesar de aprovado por unanimidade na Câmara dos Deputados no último dia 13, o projeto de lei 6726/16 (leia no fim da matéria), que prevê o "fim" dos “supersalários” no serviço público, ainda tem um longo caminho pela frente até que mudanças possam vistas na prática.
Isso porque a matéria é tratada com passividade desde o ano de 2016, quando foi endereçada ao Legislativo. Na Câmara, seu relatório já havia sido finalizado há mais de três anos, embora nunca apreciado. Após a deliberação recente na Casa, e como sofreu alterações, o texto voltará a ser avaliado pelos senadores.
Além disso, há interlocutores que enxergam outros possíveis desdobramentos e que apontam para poucas chances de que a proposta prospere. Uma decisão dessa natureza poderia conflitar, por exemplo, com uma decisão do próprio Executivo, que recentemente “permitiu” salários que ultrapassam o teto constitucional no funcionalismo público por meio de Portaria.
Pela Constituição Federal, a remuneração dos servidores não pode exceder o subsídio mensal dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), atualmente no valor de R$ 39.293, 32. Constitucionalmente, portanto, a diretriz é para que seja aplicado o chamado "abate-teto" quando um servidor receber, cumulativamente, remuneração, provento ou pensão acima desse valor. Alguns "penduricalhos", no entanto, acabam escapando, a exemplo do auxílio-moradia, horas extras e outros. O objetivo do PL aprovado na Câmara é justamente impedir o acúmulo dos "penduricalhos".
União quer evitar judicialização
Em um movimento contrário ao cumprimento da Constituição, a Portaria publicada em abril pelo Ministério da Economia permitiu que parte dos servidores públicos receba remunerações que ultrapassam o teto, beneficiando, inclusive, membros do alto escalação do governo, a exemplo do presidente Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão e alguns ministros, além de centenas de servidores militares e civis.
Na prática, a medida autoriza que o chamado "abate-teto" seja aplicado isoladamente sobre cada remuneração de um servidor público que acumule duas fontes de renda, e não mais sobre a soma dos dois salários. Isso faz, portanto, com que alguns servidores passem a receber acima do limite.
O Ministério da Economia justificou estar "apenas" cumprindo decisões de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal (STF), proferidas em 2017. Isso é, a decisão da pasta se baseia em duas principais situações específicas analisadas pela Corte:
- A acumulação de dois cargos públicos de médico, e a
- Remuneração de cargo de odontólogo no SUS com proventos de aposentadoria (tenente coronel PM da reserva).
A decisão final permitiu que o redutor fosse aplicado separadamente e não nos vencimentos acumulados. O argumento principal foi o de que, uma vez que a Constituição permite o exercício simultâneo de cargos, não poderia impedir a remuneração por um deles.
Um outro argumento apresentado com ênfase pela União, em uma troca de documentos internos aos quais a reportagem teve acesso, foi o de que permitir que os servidores recebessem esses salários acima do teto resultaria em menos judicialização e oneração para o próprio governo. Desde que o Supremo proferiu as decisões sobre o tema, vários servidores e pensionistas que acumulam fontes de renda começaram a pleitear na Justiça para poder receber a verba.
O que prevê a matéria aprovada
O objetivo principal do PL, aprovado por unanimidade na Câmara, é barrar os chamados “penduricalhos”, em geral auxílios, subsídios, parcelas indenizatórias que acabam não sendo considerados no "abate-teto”, e que, quando somados ao salário, ultrapassam o limite.
A matéria lista os tipos de pagamento que não se sujeitam ao teto, além de criar regras que travam os "penduricalhos". "O objetivo é evitar o abuso, que infelizmente vem acontecendo no país, e que não sabemos a quanto chega e muito menos que tipo de abuso acontece em mais de 5 mil municípios", disse o relator da proposta, Rubens Bueno (Cidadania-PR), à Jovem Pan.
A medida se aplica a agentes públicos de todas as instâncias de governo - esfera federal, estadual, distrital e municipal - e a todas as esferas de poder - Executivo, Legislativo e Judiciário -, incluindo o Ministério Público, a Defensoria Pública, contratados temporários, empregados e dirigentes de empresas públicas que recebem recursos dos governos para pagar salários e custeio, militares e policiais militares, aposentados e pensionistas.
O teto não deve incidir, segundo a proposta, sobre os seguintes pagamentos: auxílio-moradia, adicional de férias, auxílio-alimentação, 13º salário, adicional de insalubridade, adicional noturno, auxílio-creche, auxílio-transporte, ressarcimento de plano de saúde, pagamento de férias não gozadas, entre outros. Mas ainda assim, para casos como esses, foi fixado um limite para o recebimento de valores. O PL lista um total de 31 situações em que o teto não deve incidir.
A matéria aprovada também impede que os servidores aleguem sigilo para negar o fornecimento de informações sobre as parcelas pagas fora do teto, quando questionados por órgão ou entidade que precisar das informações para aferir o cumprimento do teto de remuneração.
Ainda, determina que pagamentos feitos em moeda estrangeira a servidores no exterior, e que não sejam considerados indenizatórios, devem ser submetidos ao limite remuneratório.
Qual pode ser o impacto da medida
Levantamento do Centro de Liderança Pública (CLP), com base em dados da PNAD Contínua, aponta que a parcela do funcionalismo público que recebe acima do teto é de apenas 0,23% dos servidores, com um adicional médio de rendimento mensal de cerca de R$ 8,5 mil. São poucos servidores, cerca de 25 mil funcionários públicos, afirma a pesquisa, que concentram uma renda gigantesca.
"Levando em consideração que o país possui cerca de 11 milhões de servidores públicos (o número total é subestimado na PNAD Contínua), isso equivale a aproximadamente 25 mil servidores com proventos acima do teto (0,23% x 11 milhões de servidores)", diz a pesquisa.
O Brasil poderia economizar até R$ 2,6 bilhões por ano apenas cortando as remunerações acima do teto do funcionalismo público nas três esferas (Executivo, Legislativo e Judiciário) e nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal), aponta o levantamento.
O Centro também criou uma calculadora com base nos microdados da Relação Anual de Informações Sociais para permitir que os internautas saibam quanto tempo levariam para chegar apenas ao teto remuneratório do setor público.
A título de exemplo, um professor da rede privada, que recebe R$ 4.257,44 mensais, levaria 7.883 anos para atingir o teto salarial do setor público. “Você deveria ter nascido na época dos homens das cavernas para ter a chance de chegar ao teto salarial do setor público”, sugere, em tom de brincadeira, a calculadora.
Ainda segundo o Centro, R$ 2,6 bilhões gastos, hoje, com supersalários no serviço público equivalem a “construção de 16 fábricas de vacinas do Instituto Butantan, com o custo de R$ 160 milhões cada, e capacidade de produzir 100 milhões de doses da vacina (incluindo CoronaVac) cada fábrica”.
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Leia a íntegra do PL: