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O tarifaço sobre importações de aço e alumínio decretado por Donald Trump, que mexeu com o tabuleiro do comércio mundial, é ponto central de seu plano econômico para "tornar a América grande novamente", como diz o lema do presidente dos Estados Unidos. A estratégia protecionista, porém, embute prós e contras para os próprios americanos.
O anúncio da medida, na esteira da metralhadora giratória de decretos do republicano desde que assumiu a Casa Branca, catalisou a apreensão dos países sobre a intensidade da guerra comercial que se desenha e instaurou a volatilidade nos mercados mundiais. Nesta quinta-feira (13), Trump deu mais um impulso ao plano ao anunciar a adoção de tarifas recíprocas a todos os parceiros comerciais.
Apesar do impacto, as medidas eram esperadas. Trump passou a campanha eleitoral reiterando que “amava” tarifas . Em relação ao aço e alumínio, a mesma estratégia já havia sido implementada na sua primeira administração em 2018. “Na época, levou a retaliações de outros parceiros da União Europeia, da China, do Brasil”, lembra Lívio Ribeiro, sócio da BRCG e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre).
“No Brasil, foram substituídas ao longo do tempo por um regime de cotas, que continuou sob a administração Biden. Agora [Trump] está desfazendo os acordos e voltando à discussão que houve no primeiro mandato. É um processo que está começando e a gente ainda não tem uma visão perfeita de onde isso vai dar.”
"Canetadas" de Trump entusiasmam envolvidos
Se a iniciativa conseguiu tirar o sono de parceiros comerciais históricos, em especial Canadá, Brasil e México – maiores exportadores dos produtos para os EUA –, no cenário interno foi bem absorvida e Trump segue com aprovação em alta. "Para tornar a América grande novamente, precisamos proteger nossas indústrias e nossos trabalhadores”, disse o republicano ao anunciar a medida.
As “canetadas” do presidente têm entusiasmado os apoiadores e o setor produtivo, que aposta na redução de impostos e na desregulamentação da economia. O foco da administração nos combustíveis fósseis impulsionou as petrolíferas, que já anunciaram investimentos bilionários.
Pesquisas com executivos-chefes, diretores financeiros e proprietários de pequenas empresas americanas mostraram aumento no otimismo a partir de janeiro. O índice de novos pedidos de fabricantes ao Institute for Supply Management (ISM, maior e mais antiga associação de gestão de suprimentos do mundo) subiu para o maior nível em quase três anos.
Em fevereiro, no entanto, a curva pode começar a se inverter. Resultados preliminares de uma pesquisa de pequenas empresas feita pela Vistage Worldwide para o Wall Street Journal mostram redução da confiança pós-eleição nos primeiros dias do mês. Pequenas e grandes empresas têm retido investimentos e contratações.
Segundo o jornal americano, a execução das propostas de Trump gerou incerteza entre empresários, trabalhadores e parceiros comerciais, o que pode prejudicar o crescimento, pelo menos temporariamente.
O presidente de uma organização em Cleveland que trabalha com fabricantes locais disse ao jornal: “Há tanta turbulência. As pessoas não sabem o que vai acontecer. Embora haja um potencial benefício de longo prazo para as tarifas em termos de relocalização, as coisas imediatas que estão acontecendo são apenas turbulência”.
Protecionismo é foco de questionamentos
Os questionamentos sobre os efeitos do protecionismo de Trump têm sido recorrentes. Primeiro, por se distanciar dos ideais históricos do Partido Republicano em apoio ao livre comércio.
Neste sentido, Ribeiro destaca que Trump não é um republicano “raiz”. “Tanto que na eleição, diversos republicanos 'raiz' se posicionaram contra ele abertamente, sugerindo o voto na Kamala [Harris, candidata democrata]”, ressalta. “A gente tem que entender o que é o republicano e o que é o trumpista. E essas duas coisas têm interseções, mas não são exatamente a mesma coisa.”
Além dos conflitos internos, o receio dos analistas é de que o plano econômico de Trump resulte em inflação e perda de competitividade.
No caso dos produtos taxados, a indústria siderúrgica americana pode se beneficiar, aumentando a geração de empregos. A utilização da capacidade instalada do setor atualmente é baixa, em torno de 60%. O ideal seria em torno de 80%.
“Pode haver geração de emprego e tal”, diz Ribeiro. “Mas a um custo alto. É uma postura de risco [de Trump] para dar uma satisfação para o trabalhador que o elegeu, que quer emprego.”
A economia, segundo o consultor, deve sair perdendo, porque o produto importado vai ficar mais caro internamente, tanto para as empresas que se utilizam dele quanto para o consumidor final. “O movimento é claramente inflacionário”, diz. “Vai pegar nas cadeias de suprimentos, bater na inflação ao consumidor em algum nível, em algum momento.”
Carla Beni, economista da FGV-SP, destaca o efeito das tarifas no governo anterior. “Há vasto material documentando isso”, afirma. “Um dos resultados foi aumento do preço dos equipamentos que utilizam aço nos Estados Unidos. Alguns chegaram a custar US$ 1,2 mil a mais para o americano. Foi o que se chamou ‘efeito máquina de lavar’. Houve um aumento no preço das máquinas de lavar importadas e os produtores locais também subiram o preço.”
No mesmo sentido, um estudo conduzido pelo Instituto Peterson de Economia Internacional calculou que as tarifas no primeiro mandato de Trump criaram 9 mil empregos nas indústrias siderúrgicas americanas.
Porém, protegidas da concorrência, as empresas se tornaram ineficientes e seus preços aumentaram. O lucro destas empresas foi de US$ 2,4 bilhões, mas elas geraram custos de US$ 5,6 bilhões para as demais indústrias americanas. O instituto calculou custo de cada emprego criado na siderurgia: US$ 650 mil.
Trump aposta em crescimento industrial para conter inflação
As incertezas não parecem preocupar o novo morador da Casa Branca. Mesmo com os alertas de que o mandatário só conseguiu se eleger pelo descontentamento da população americana com a inflação.
“Ele [Trump] tem a esperança, o desejo de fazer uma 'reparametrização' da economia americana”, afirma Lívio Ribeiro. “Neste sentido, ele entende que mesmo que seja inflacionário no curto prazo, isso lá na frente vai levar a um crescimento maior e, eventualmente, a um aumento da produção interna que vai compensar essa menor oferta externa. Isso vai levar, portanto, a uma queda de preços e a um novo equilíbrio econômico com mais crescimento e não tanta inflação.”
O economista ressalta, no entanto, que a estratégia é arriscada. “O perigo de tudo isso é que a gente sabe como começa, mas não sabe como termina”, diz.
“Esse processo pode levar a uma implementação de tarifas de todos contra todos, mudar a engrenagem do comércio global, diminuir o crescimento potencial. A preocupação é acontecer um evento como o da semana passada, quando o Equador taxou o México. E aí você começa a taxar X com Y. E vira uma reação em cadeia”, afirma.
Reciprocidade: Trump está retaliando países que taxam mais os EUA, diz economista
O ecomista Fernando Ulrich, da Liberta Investimentos, destaca, no entanto, o aspecto da reciprocidade. Segundo ele, os Estados Unidos sofrem mais com tarifas aplicadas por muitos países do que o contrário.
"O que é curioso é muita gente diz que agora o Trump está impondo tarifas e outros países vão retaliar", explicou em seu canal no YouTube. "Não, o que o Trump está fazendo, em grande parte dos casos, já é uma retaliação porque os Estados Unidos já sofrem muitas tarifas de importação."
A China, por exemplo, tarifa os produtos americanos em 16% em média. O Brasil, segundo ele, é um caso clássico, com tarifas que variam de 18% a 36% em diversos segmentos.
"Impomos muita tarifas sobre produtos importados dos Estados Unidos, mas eles impõem pouquíssimas sobre produtos exportados do Brasil", diz. "A nossa carga tributária é elevada para proteger vários setores."
O argumento da sobretaxação americana foi exautivamente repetido durante a campanha eleitoral por Trump, que comemorou o anúncio da reciprocidade, nesta quinta-feira (13), em seu perfil no Truth Social.
"Três grandes semanas (de governo), talvez as melhores de sempre, mas hoje é o grande (dia): tarifas recíprocas!!! Faremos a América grande novamente!!!", escreveu o mandatário americano.
Cálculo de Trump é político, diz economista
Para Carla Beni, o que tem pesado mais para as ações do presidente americano é o cálculo político. “O que importa para o Trump agora é, literalmente, o grupo que o elegeu, o Maga [Make America Great Again]”, afirma. “Até porque essas tarifas podem cair lá na frente. Então, você causa uma certa bagunça internacional, mas o efeito disso é muito a conferir.”
Também já está claro para toda a comunidade internacional, destaca a economista, a utilização de tarifas como uma ferramenta de barganha para conquistar o que o republicano realmente está buscando. Exemplo disso foram as alíquotas impostas sobre todas as importações do México e Canadá, em 1.º de fevereiro.
Em questão de dias, ambos os países se sentaram à mesa para negociar. Entregaram o que Trump estava buscando: enfrentar o problema de tráfico de drogas e migração ilegal nas fronteiras sul e norte do país.
“É um xadrez que ele [Trump] está jogando que inclui economia, geopolítica, ideologia, um monte de coisas”, afirma Beni. “E ele precisa melhorar a qualidade de vida da população que está empobrecendo nos Estados. O país vem batendo recordes de pessoas vivendo na rua, problema de desemprego, crise de drogas, uma sociedade muito esfacelada."
Para ela, o ponto central é outro. "Como Trump vai juntar isso com a economia, para melhorar a qualidade de vida das pessoas dentro dessa política extremamente agressiva? Ele parece conduzir a política como um reality show.”