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A Era do Real

Real trouxe estabilidade e “abriu os olhos” para outros problemas do Brasil

Plano Real
Plano Real acabou com um dos maiores problemas da economia brasileira: a hiperinflação, que nos 15 anos anteriores atingiu 13,3 trilhões porcemto (Foto: Joel Santana/Pixabay)

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Há 30 anos, em 1° de julho de 1994, o brasileiro assistia à sua oitava troca de moeda desde 1942: entrava o real, que equivalia a 2.750 cruzeiros reais. Assim como nos outros planos econômicos, a torcida e a esperança eram grandes para acabar com o fantasma da hiperinflação que assolava o país.

Nos 15 anos anteriores ao Plano Real, o Brasil tivera uma inflação “terrível” de 13,3 trilhões porcento. Foram 13 ministros da Fazenda, igual número de presidentes do Banco Central (não incluindo os interinos) e cinco moedas diferentes.

A realidade foi diferente nos 15 anos seguintes. Entre 1995 e 2009, a inflação acumulada foi de 196,87%. Nesse período foram só três ministros da Fazenda e seis presidentes do BC.

Além de trazer estabilidade para a economia brasileira, especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que os principais legados do Plano Real foram o de trazer previsibilidade à economia brasileira e colocar à luz problemas que estavam mascarados pela hiperinflação, como problemas de competitividade e baixos índices de educação.

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Gustavo Loyola, que foi presidente do Banco Central em duas ocasiões (1992-3 e 1995-7) e atualmente é sócio da Tendências Consultoria, ressalta que o novo plano de estabilização econômica impunha vários desafios, sendo o principal de ordem técnica.

“Vínhamos de várias tentativas de estabilização. Tinha de ser algo novo. Foi preciso muito consenso. Não podia ser baseado em congelamento, não podia ser surpresa e não podia mexer em contratos privados”, disse.

Apesar das pressões do então presidente Itamar Franco por um congelamento de preços, a solução envolveu a adoção de uma espécie de moeda intermediária, a Unidade Real de Valor (URV), que entrou em vigor em 1° de março de 1994, e se transformou no real em 1° de julho.

“Foi uma redução planejada e consistente da inflação, que resultou de uma ampla costura teórica, econômica, jurídica e política”, diz Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt, especialista do Instituto Millenium e ex-secretária da Fazenda de Goiás.

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, aponta que uma figura relevante nesse processo foi a do então ministro da Fazenda e depois presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso.

“Não dá para descartar a importância do lado político, ao lado do teórico e do econômico. Fernando Henrique conseguiu montar uma equipe brilhante e conseguiu driblar as pressões e desconfianças de Itamar Franco. Foi uma conjunção nunca vista antes na história.”

Outro ex-diretor do Banco Central e atualmente professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças (FGV EPGE), Sérgio Werlang, destaca a grande coesão do plano. “Foi bem construído e manteve a inflação sob controle. Não há de haver tolerância contra ela”, diz.

Principal vitória foi o fim do “imposto inflacionário”

O principal ganho foi o fim do “imposto inflacionário”, que literalmente comia o rendimento dos brasileiros. O problema era maior entre os mais pobres, que tinham grandes dificuldades em proteger seu dinheiro.

Se hoje, com uma inflação anual de 4%, cada ida ao supermercado é um susto, naquela época, as pessoas se apinhavam nas lojas para fazer o “rancho do mês” como forma de proteger o bolso.

Um dia de atraso podia fazer muita diferença no bolso. Em junho de 1994, às vésperas da adoção da nova moeda, a inflação bateu nos 44,3% ao mês. E não foi o recorde: em março de 1991, o IPCA registrou uma variação de 82,4%. Os preços quase dobraram em 30 dias.

Mesmo com essa elevada inflação, o Brasil não conseguiu chegar perto do recorde mundial. Segundo os economistas americanos Steve Hanke e Nicholas Krus, a maior marca foi registrada na Hungria, em julho de 1946. A inflação média diária foi de 207%. Os preços dobravam a cada 15 horas.

“A inflação era um fardo especialmente para a população mais pobre, que não tinha como proteger seu dinheiro. Ela ajudava a fomentar a desigualdade”, diz Simão Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do conselho curador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

Ele aponta que o cenário brasileiro só não foi pior porque desde o governo Sarney, que começou em 1985, até o Plano Real foram realizados vários planos econômicos e ajustes que resultavam em cortes de zeros, novas moedas, congelamentos, tabelas de preços e quedas momentâneas na inflação. “O real foi a sexta tentativa”, lembra.

A inflação foi só um dos desafios a serem vencidos

“O medo da inflação era muito grande”, diz a especialista do Instituto Millenium. E junto havia outros problemas. A redução da inflação e a maior abertura da economia que se seguiu, além de exigir o desenvolvimento de produtos e serviços ágeis, revelou o grau de ineficiência de muitos setores. O corte de subsídios aumentou a inadimplência no sistema bancário. E a política monetária restritiva, praticada a partir da implementação do Plano Real, contribuiu para gerar as dificuldades creditícias enfrentadas por alguns setores da economia.

O sistema financeiro era um gigante com pés de barro. Segundo o Banco Central, entre dezembro de 1993 e dezembro de 1998, houve um enxugamento no Sistema Financeiro Nacional. O número de instituições financeiras, exceto as cooperativas de crédito, encolheu em 24% nesse período. Grandes grupos como Bamerindus, Econômico e Nacional foram absorvidos por outros.

“Tínhamos de evitar uma crise bancária. Foi um período bastante difícil”, conta Loyola.

Também foi um período de readequação das finanças estaduais. Muitos bancos estaduais foram saneados e privatizados. “Houve um amplo processo de limpeza nessa área”, lembra Vale, da MB Associados.

Real foi testado por crises internacionais em seus primeiros anos

O plano passou por vários outros testes, muitos deles vindos de fora. Logo de largada, ainda em 1994, houve a crise mexicana. A alternativa encontrada, diante de um cenário de baixo volume de reservas internacionais – US$ 38,8 bilhões em dezembro daquele ano, segundo o BC – foi o de aumentar os juros para manter a atratividade do país para os investidores estrangeiros.

Werlang diz que o período da âncora cambial, que buscava manter a paridade entre o dólar e o real, foi fundamental para ajudar no controle da inflação nos primeiros anos da nova moeda.

Novas crises internacionais se sucederam à do México nos anos seguintes: Rússia, Coreia do Sul, Tailândia e Indonésia, até o Brasil virar a bola da vez em 1998. No início do ano seguinte o Brasil abandonaria a âncora cambial, que buscava manter a paridade entre dólar e real. De 31 de dezembro a 3 de março, a taxa de câmbio subiu rapidamente de R$ 1,208 para R$ 2,165.

Um dos retratos dessa preocupação foi personificado na capa da tradicional revista britânica The Economist de 22 de janeiro daquele ano, que mancheteava: “Nuvens de tormenta sobre o Brasil.” O ex-presidente do BC avalia que os cinco primeiros anos da nova moeda foram o período mais complexo. “Foi o período de consolidação do real”, diz Loyola.

Novos desafios se seguiram à flexibilização do câmbio

Os desafios não parariam com a flexibilização do câmbio, em 1999. “O trabalho do Armínio [Fraga, presidente do Banco Central no segundo mandato presidencial] foi fundamental na continuidade do processo”, destaca Vale.

Um desafio adicional veio em 2002 e 2003, na transição entre os governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Havia o temor, no mercado financeiro, de que haveria uma descontinuidade na política econômica. O dólar testou novos patamares. Em 22 de outubro de 2002, quase chegou a bater na marca dos R$ 4, fechando o dia a R$ 3,955.

O governo que estava entrando deu sinalizações de que iria manter a política econômica vigente. “A transição presidencial mostrou que, de fato, a coisa havia mudado. Antônio Palocci e Henrique Meirelles mantiveram a linha adotada pelo governo anterior”, ressalta o sócio da Tendências Consultoria.

A adoção de uma política econômica mais equilibrada, com sucessivos superávits nas contas públicas que perdurariam até o governo Dilma Rousseff (PT), a entrada de capitais no país e o “boom das commodities” da China fariam que o Brasil passasse com relativa folga pela crise mundial de 2008, detonada pelas hipotecas subprime dos Estados Unidos e que foi a pior em 80 anos.

O humor em relação ao Brasil era diferente naquela época. A mesma The Economist, que dez anos antes publicara uma manchete pessimista sobre o Brasil, se “derretia” com a situação do país em 2009: “O Brasil decola”, era o título da reportagem de capa, mostrando um Cristo Redentor sob a forma de um foguete.

Este é o primeiro dos três capítulos da série "A era do Real". Os próximos dois capítulos irão mostrar a dificuldade que hoje haveria na formulação de um plano similar e os próximos desafios a serem enfrentados pela moeda brasileira.

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