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A Era do Real

Real, 30 anos: o próximo desafio é o controle dos gastos do governo

Notas de R$ 200: 30 anos após sua implantação, o real ainda tem muitos desafios pela frente (Foto: Rafael Ribeiro/BCB)

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O fim da hiperinflação e a adoção do real, que completou 30 anos no dia 1°, foi um grande pilar para as mudanças na economia brasileira e abriu os olhos para novas necessidades, mas ainda é preciso avançar mais. “O Plano Real é uma obra inacabada”, diz o presidente do conselho curador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e professor da Universidade de São Paulo (USP), Simão Silber.

Uma das causas é que a estabilização monetária foi só uma das muitas reformas necessárias para o país.

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, aponta que não se manteve o ímpeto reformista que surgiu a partir do Plano Real. “Avançou-se muito na frente monetária. O trabalho de construção de um país é contínuo. Não houve avanços relevantes em questões como abertura da economia e educação. Também faltou endereçar a situação fiscal.”

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Questões políticas impediram que mais avanços fossem conseguidos. Um dos exemplos citados pelo economista é a das privatizações como a da Vale e a do sistema Telebras. “Elas foram realizadas no limite do possível”, afirmou.

Vale considera que o ponto de inflexão em relação aos avanços na economia brasileira após o real aconteceu com a saída de Antônio Palocci do ministério da Fazenda, em março de 2006, devido a denúncias políticas relacionadas ao Mensalão. Ele foi substituído pelo então presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Guido Mantega, que permaneceu no cargo até 2014.

Por sua vez, Silber complementa que o PT não aprendeu as lições geradas pela estabilização da moeda. “Quer um estado enorme, extrativista, gastão e que interfira na atividade econômica.”

Com real, país teve crescimento abaixo da média mundial

Alguns dos maiores desafios na economia, de acordo com os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, são a necessidade de avançar no controle do gasto público; assegurar superávits primários, ou seja, gastar menos do que se arrecada; e crescer mais. “Acabou-se com a inflação, mas não conseguimos crescer com vigor”, destaca o presidente do conselho da Fipe.

Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que entre 1993 e 2023, a economia brasileira cresceu ao ritmo médio anual de 2,4%. No mesmo período, o PIB global avançou, em média, 3,5% ao ano. A situação deve persistir nos próximos anos.

Um dos caminhos para ampliar o crescimento da economia seria o de uma maior abertura da economia. Sergio Vale, da MB Associados, afirma que ela não está no radar do atual governo. Políticas de ampliação de conteúdo nacional e de mais tributos para máquinas e equipamentos importados com similar nacional são algumas estratégias usadas para inibir compras de bens de capital do exterior.

Segundo o professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV EPGE) e ex-diretor do Banco Central, Sérgio Werlang, esse tipo de política dificulta a expansão da produtividade brasileira.

Outro aspecto que poderia ajudar na abertura da economia brasileira seria a homologação do acordo comercial União Europeia-Mercosul. Questões ambientais e de protecionismo agrícola, no lado europeu, dificultam a sua concretização.

Questões fiscais e orçamentárias são urgentes no Brasil do real

Duas questões urgentes para fazer a economia brasileira ter maior dinamismo são os temas fiscais e orçamentários. “É preciso rever o arcabouço fiscal para facilitar o trabalho de política monetária do Banco Central”, enfatiza Vale.

A questão fiscal foi um dos pilares do plano de estabilização da moeda, mas que não conseguiu se sustentar com o desenrolar do tempo. Até outubro de 2014, o setor público consolidado – que reúne a União, os estados e municípios - vinha registrando superávits primários (quando as receitas são maiores do que as despesas, excluídas aquelas com juros da dívida pública), em um período acumulado de 12 meses, segundo dados do Banco Central.

A situação degringolou no governo de Dilma Rousseff, que adotou uma política de maior intervenção do estado na economia e de mais gastos públicos para tentar fazer a economia girar. O resultado foi exatamente o contrário: o PIB encolheu quase 7% entre 2015 e 2016.

Um dos principais símbolos do ajuste fiscal nos anos que se seguiram à implantação do Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2001, acabou sendo enfraquecido com o passar do tempo. “Não foi bem aceita”, resume Werlang.

Outras medidas nessa área, como o teto dos gastos, implantado durante o governo de Michel Temer, foram substituídas por um frágil arcabouço fiscal, fundamentado mais no aumento da arrecadação do que no corte de gastos.

Um novo e curto momento de superávits primários acumulados aconteceria entre novembro de 2021 e abril de 2023.

Rigidez orçamentária é trava ao crescimento

Os entraves não decorrem só de uma política fiscal mais leniente, apontam especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo. Um problema, mais antigo, que tem suas raízes na Constituição Federal de 1988 é a rigidez orçamentária.

Segundo Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt, especialista do Instituto Millenium e ex-secretária da Fazenda de Goiás, a atual Constituição criou uma série de obrigações para os entes da federação sem que houvesse contrapartidas. Ela avalia que do jeito que foi construída, a Carta Magna impediu que houvesse muito mais avanços do lado fiscal.

Um dos exemplos dessa disfuncionalidade, de acordo com ela, é que mais de 90% dos municípios, onde acontece o dia a dia das pessoas, não consegue viver em função de sua administração tributária. São necessárias transferências de estados e da União.

“A Constituição Federal dá muito, mas não cobra. Ela deu muitas obrigações ao Estado”, diz. A expectativa é de que até 2032 não haja mais espaço para despesas discricionárias no Orçamento da União, o que fará com que ela se torne uma chanceladora das obrigatórias.

A rigidez orçamentária faz com que o espaço para investimentos públicos esteja cada vez menor. Em 2023, segundo o FGV Ibre, ele atingiu 2,61% do PIB, ligeiramente acima dos 2,52% verificados no ano anterior e o maior valor registrado desde 2020. Mas, mesmo assim, é só a metade do registrado em 2010.

Um dos caminhos apontados pelos especialistas passa pela retomada da poupança do governo, que depende da concretização de superávits nas contas públicas. Isto parece um cenário distante. De acordo com o Banco Central, nos 12 meses encerrados em maio, o déficit primário acumulado em 12 meses atingiu 2,53% do PIB, o pior desempenho desde maio de 2021, quando o país enfrentava a segunda onda da pandemia.

Sem a retomada da poupança pública, o endividamento público do governo vai continuar aumentando, destacam os especialistas. A dívida pública do governo geral, que reúne as esferas federal, estadual e municipal, correspondia a 76,81% do PIB em maio. É o maior percentual desde fevereiro de 2022.

E esse aumento na dívida pública vai forçar que o governo seja forçado a pagar mais juros para conseguir vender seus títulos. Os investimentos produtivos ficam menos atraentes, justamente em um momento em que eles estão bem baixos. A taxa de investimento na economia no primeiro trimestre foi de 16,9% do PIB, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE.) O ideal, para gerar um crescimento econômico mais robusto, seria que ela estivesse entre 21% e 25% do PIB.

Um ajuste nas contas públicas é necessário para melhorar este panorama. E, de acordo com os especialistas, teria de passar pela revisão dos gastos públicos. O foco do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em seu terceiro mandato, está na busca de um ajuste fiscal pelo lado da arrecadação.

“Dessa forma é impossível que um arcabouço fiscal dê certo”, diz Schmidt. O Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), aponta que o brasileiro trabalha cinco meses por ano para sustentar o Estado.

Werlang comenta que um primeiro passo é a aprovação da reforma tributária. A ela, seguiriam a revisão de brechas na legislação tributária. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta que duas delas são as deduções sobre saúde e educação existentes no Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF).

Necessidade de reformas previdenciária e administrativa

Uma série de caminhos são necessários a serem seguidos. Um deles é a modernização de boa parte da legislação das finanças. Há textos que são de 1964. Outro é o desenvolvimento de uma ampla reforma orçamentária, que passe por mudanças nas áreas administrativa e previdenciária. “Sem ela, o país não vai muito longe”, destaca Schmidt.

A avaliação dos especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo é que são reformas que vão exigir um esforço redobrado de quem estiver no governo. Os maiores problemas devem ser em relação à reforma administrativa, que deve enfrentar lobbies poderosos do funcionalismo público.

“A política é a que acaba mandando, mas, assim como foi feito no Plano Real, é necessário que os economistas apresentem argumentos sérios e convincentes. Os políticos compram boas discussões”, acredita a especialista do Millenium.

A ex-secretária da Fazenda de Goiás aponta que tanto a administração pública quanto a previdência estão inchadas. Dados do BC mostram que, nos 12 meses encerrados em maio, o impacto da Previdência no déficit primário era de 3,12% do PIB, o maior desde a segunda fase da pandemia da Covid-19, em 2021.

Schmidt defende a desvinculação do reajuste dos gastos de saúde e de educação ao IPCA e de boa parte dos benefícios assistenciais e da previdência ao salário-mínimo. O motivo é que quando a economia cresce, esse tipo de gasto aumenta ainda mais. E mesmo em uma economia com uma expansão mais contida, os riscos de crescimento são grandes. “Isto também facilita o trabalho do Banco Central no controle da inflação.”

Vale, da MB Associados, não vê espaços para avanços nas reformas administrativa e previdenciária no atual governo, devido a uma postura mais refratária. “Vamos ter de esperar o próximo mandato presidencial”, diz.

Este é o terceiro capítulo da série "A era do Real". O primeiro mostrou que o Plano Real trouxe a estabilidade e "abriu os olhos" para outros problemas do Brasil e o segundo mostrou que, em tempos atuais, seria mais complexa a obtenção de um consenso para a construção do plano

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