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economia segundo semestre
Nova frente de disputa está sendo aberta entre Lula e aliados e o presidente do BC, Roberto Campos Neto| Foto: André Coelho/EFE

O cenário da economia brasileira se deteriorou muito nas últimas semanas, alimentando as preocupações para o segundo semestre. O real acumula uma desvalorização de 10,8% desde o início do ano. O Ibovespa – o principal indicador da B3, a bolsa brasileira – caiu 10,2% nesse período. A confiança de empresários do comércio e dos serviços, dois setores relevantes para a economia brasileira, está em baixa. Apesar do Desenrola, o programa de renegociação de dívidas do governo federal, a inadimplência ainda é elevada e as recuperações judiciais estão batendo recordes.

Porém, ao mesmo a atividade econômica vem registrando bons números. O PIB cresceu 0,8% no primeiro trimestre. No mercado de trabalho, o país gerou Foram 971 mil postos de trabalho com carteira assinada de janeiro a abril, 39% mais do que no mesmo período do ano passado. A taxa de desemprego foi de 7,5% em abril, um dos menores níveis desde a crise de 2015-16.

Economistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que, no balanço dos números, a situação não é confortável. “Os bons números registrados no primeiro trimestre são fruto de uma política fiscal expansionista. Não são duradouros”, destaca o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.

A política fiscal expansionista, além de estimular a economia, estaria trazendo pressões inflacionárias apontam os economistas. O IPCA subiu 3,93% em 12 meses até maio, acima do índice acumulado até abril (3,69%).

Um alívio relativo veio da decisão unânime do Comitê de Política Monetária (Copom), na quarta-feira (19), de manter a taxa Selic em 10,5% ao ano. Mesmo assim, o dólar continua pressionado por causa das críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em relação aos juros. "Quem perde é o povo brasileiro", disse ele nesta quinta (20).

Uma nova frente de batalha entre Lula e o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, está se formando com as discussões em torno da PEC da autonomia total do Banco Central. O atual dirigente se mostra favorável à mudança, enquanto o PT e siglas aliadas são contrários.

Incerteza e desconfiança crescem com reiterados sinais de intervenção na economia

Segundo Sílvio Campos Neto, economista sênior e sócio da Tendências Consultoria, os reiterados sinais de intervenção na economia, a exemplo da troca no comando da Petrobras; a frágil dinâmica fiscal; os frequentes ruídos entre o governo e o Congresso; e a divisão de votos na reunião do Copom em maio estão deixando os agentes econômicos com menos confiança.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) ressalta que a confiança dos empresários da indústria mostrou-se moderada no primeiro semestre e teve uma ligeira queda em junho. A dos serviços caiu, em maio, pela terceira vez em quatro meses, de acordo com o FGV Ibre, e a do comércio devolveu parte dos fortes ganhos registrados em abril.

A incerteza econômica, medida também pelo FGV Ibre, voltou a um patamar desfavorável em maio, depois de 11 meses. O resultado foi pressionado pela tragédia no Rio Grande do Sul, problemas relacionados à inflação, às expectativas de comportamento da taxa de juros nos próximos meses e pelo cenário menos favorável no âmbito internacional.

O governo também vem dando “tiros no pé” com os ruídos que vem gerando a todo momento. Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, cita duas situações em que isso foi evidente: as idas e vindas na questão da “taxação das blusinhas” e a tentativa de mudar as regras do PIS/Cofins, que teve péssima reação de empresários e parlamentares e levou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a devolver parte da medida provisória ao governo.

Leal aponta que são questões como essas que afetam as perspectivas dos empresários. “É difícil ficar otimista com um panorama desses. Parece que estamos em um inferno astral. Entramos em um ciclo vicioso”, diz.

Tragédia no Rio Grande do Sul amplia preocupação com o lado fiscal

Uma das preocupações mais relevantes é com a política fiscal frouxa e que deverá ter mais gastos diante das fortes chuvas que castigaram o Rio Grande do Sul. As expectativas do mercado financeiro para o déficit primário aumentaram ligeiramente nesta semana, passando de 0,7% do PIB para 0,71%, de acordo com o boletim Focus do Banco Central. O governo, enquanto isso, insiste que está a caminho do déficit zero.

A tragédia e a necessidade de mais gastos vieram em um momento pouco favorável para a economia brasileira. A situação fiscal não é das melhores. Dados do Banco Central (BC) mostram que nos 12 meses encerrados em abril houve um déficit primário (quando as despesas, não incluídas aquelas com juros, superam as receitas) de R$ 266,5 bilhões ou 2,4% do PIB. O endividamento público correspondia naquele mês a 76% do PIB, o maior nível desde abril de 2022.

Uma estimativa feita no fim de maio pela Federação das Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul) avalia que a reconstrução do estado deverá demandar pelo menos R$ 110 bilhões.

Por ora, economistas avaliam que o desastre pode tirar até 0,3 ponto percentual do crescimento brasileiro. “Ninguém sabe ainda o real impacto do problema”, diz Leal. Eles também projetam uma reação da economia gaúcha no segundo semestre, com a retomada da atividade econômica e os trabalhos de reconstrução.

Temor de mudanças no BC alimenta preocupações com política monetária

As preocupações não se restringem à política fiscal. Há o temor de uma política monetária mais leniente a partir de janeiro, quando o Banco Central passará a contar com uma maioria de diretores indicados pelo atual presidente da República. Um dos que terão o mandato encerrado é o atual presidente, Roberto Campos Neto.

Um alívio veio na semana passada com as declarações mais duras de dois diretores indicados por Lula, Gabriel Galípolo e Paulo Picchetti, em relação às metas de inflação. Ambos disseram que o objetivo de um IPCA de 3% ao ano, estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), precisa ser perseguido com ênfase.

Os sinais se dissiparam um pouco com a decisão desta semana, mas a preocupação persiste. O favoritismo de Gabriel Galípolo, atual diretor de política monetária, sofreu um baque nos últimos dias. Lula indicou buscar um nome "maduro" e "calejado" para o comando da autoridade monetária. Nas bolsas de apostas entraram nomes como o do ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, cujas políticas econômicas contribuíram para a crise de 2015-16, e o atual presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante.

Um cenário praticamente certo é o da manutenção da taxa Selic em 10,5% ao ano nos próximos meses. Samuel Pessôa, economista do Julius Baer Brasil e pesquisador do FGV Ibre, não espera mais cortes de juros ao longo do ano. “É uma questão que só deve ser decidida no próximo ano”, diz.

Ele projeta uma desaceleração de atividade econômica no segundo semestre, devido à manutenção da política monetária restritiva e a uma política fiscal mais neutra.

Situação financeira das famílias e das empresas é preocupante

Outro ponto de preocupação é com a situação financeira das famílias e empresas. Apesar de a taxa Selic ter caído desde agosto de 2023, de 13,75% para 10,5% ao ano, os patamares para os consumidores ainda permanecem restritivos. 

Segundo a Serasa Experian, a inadimplência do consumidor atingiu, em março, o maior nível da série histórica, iniciada em 2016. Eram 72,9 milhões de pessoas negativadas, o que corresponde a 44,3% da população adulta.

As empresas passam por uma situação parecida. São 6,7 milhões com algum tipo de restrição ao crédito, também o maior número da série histórica. O número de recuperações judiciais requeridas igualmente está em alta. Nos quatro primeiros meses do ano foram 536 pedidos, um incremento de 40,3% em relação ao mesmo período de 2023.

Economistas apontam que essa condição mais frágil de empresas e famílias pode ser um rescaldo da política monetária mais restritiva em 2023.

Questões externas também afetam humor dos agentes econômicos

Pesam dúvidas em relação à queda dos juros nos Estados Unidos. A expectativa, no início do ano, era de que os cortes tivessem início em março. Agora, economistas admitem que isso só ocorra em dezembro, por causa da maior resiliência da economia. “A temporada de balanços das empresas no primeiro trimestre foi boa”, diz Beyruti, analista de macroeconomia da Guide Investimentos.

Apesar desse cenário, a expectativa é de que, diante da manutenção dos juros em patamares elevados, a economia americana deve perder ímpeto ao longo do segundo semestre, avalia Leal, do G5 Partners. Isso., enfim, facilitaria um corte de juros por lá.

Outras questões externas também podem estar afetando o humor dos investidores estrangeiros em relação aos mercados emergentes. No México, a candidata governista Cláudia Sheinbaum, de esquerda, foi escolhida como nova presidente. Na Índia, o líder nacionalista hindu Narendra Modi, pró-mercado, foi eleito para um terceiro mandato, porém sem uma grande maioria.

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