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Trabalho

Redução da jornada de trabalho promete mais folga, mas ameaça emprego e PIB

Carteira de trabalho digital
Implantação de jornada de trabalho de 36 horas semanais poderia acabar com 18 milhões de empregos, aponta Fiemg (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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Quatro propostas de emenda constitucional (PECs) para redução da jornada de trabalho tramitam atualmente no Congresso, sem considerar seus impactos na produtividade e na economia. Três delas preveem a diminuição das atuais 44 horas semanais, estabelecidas na Constituição Federal, para 36 horas. A quarta propõe 40 horas semanais. Acuado pela repercussão do roubo bilionário contra aposentados e pensionistas no INSS, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apoia a medida.

Estudos da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) e da Fundação Getulio Vargas (FGV) alertam para consequências negativas como perda de empregos, aumento de custos para empresas e redução na atividade econômica.

Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelam que o Brasil já possui uma carga horária semanal trabalhada (média de 39 horas) inferior à média global (39,9 horas) e à de países com renda similar. A jornada brasileira é maior apenas que a praticada em países da Europa e América do Norte, regiões com níveis de produtividade significativamente superiores.

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Segundo José Pastore, consultor em relações trabalhistas e que contribuiu para o estudo da federação mineira, 64% dos trabalhadores formais brasileiros cumprem entre 41 e 44 horas semanais, concentrados em setores como indústria de transformação, construção civil, comércio e agropecuária. Esses setores seriam os mais afetados pelas mudanças propostas.

A redução da jornada em economias desenvolvidas tem ocorrido de forma lenta e gradual. Nos países que pertencem à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), houve uma redução média na jornada de trabalho anual de 55 horas anuais desde 2010. Nos Estados Unidos, a diminuição foi bem menor: 11 horas.

Casos bem-sucedidos, como Coreia do Sul e Alemanha, acompanharam a redução com substanciais investimentos em tecnologia, automação e educação, resultando em ganhos de produtividade. Por outro lado, a França, ao reduzir bruscamente de 39 para 35 horas, enfrentou perda de competitividade, aumento de custos e desaceleração no crescimento da produtividade.

O que propõem as PECs em tramitação

As quatro propostas em análise no Congresso compartilham objetivos similares. Elas diminuem o limite constitucional máximo de horas semanais traballhadas e mantêm a permissão para compensação de horários mediante acordo coletivo.

A mais antiga (148/15), de 2015, liderada pelo senador Paulo Paim (PT-RS), prevê redução gradual para 36 horas semanais, começando com 40 horas a partir de 1.° de janeiro do ano seguinte à aprovação da PEC e diminuindo uma hora anualmente. A proposta teve uma audiência pública no Senado no mês passado e agora está na Câmara, onde deve passar pelo mesmo procedimento.

Proposta (PEC 221/19) do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), de 2019, também prevê redução para 36 horas, mas implementada dez anos após a publicação da emenda. Ela tramita na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara.

Uma proposta deste ano (PEC 4/25), do senador Cleitinho (Republicanos-MG), limita a jornada a 40 horas semanais no regime 5x2 (cinco dias de trabalho e dois de descanso), com vigência em 180 dias.

A mais recente (PEC 8/25) é a da deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que reduz a jornada para 36 horas em até 360 dias, estabelecendo regime de quatro dias por semana, não excedendo oito horas por dia, com possibilidade de compensação e redução de horários por acordo coletivo.

As propostas apresentadas pelos parlamentares encontram eco nas centrais sindicais. Elas estão fazendo pressão para a redução. Um documento apresentado na última segunda-feira (28) e assinado por oito entidades – entre elas a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical – defende que a redução de jornada ocorra "sem redução de salário, com controle das horas extras e eliminando as formas precarizantes de flexibilização."

As centrais também querem "acabar com a escala 6x1, com a substituição, em cada setor econômico e categoria profissional, por jornadas que promovam melhores condições de trabalho e de vida, eliminando escalas que intensificam a precarização laboral".

Impactos econômicos projetados: números preocupantes

O estudo da Fiemg aponta perdas significativas caso a jornada seja reduzida sem correspondente aumento de produtividade. Para uma redução para 40 horas, as projeções indicam:

  • queda de até R$ 2,9 bilhões no faturamento anual das empresas;
  • perda potencial de até 18 milhões de empregos com carteira assinada; e
  • redução de até R$ 480 bilhões no total de salários pagos

Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre), estima que apenas a redução para 36 horas semanais poderia causar impacto negativo de até 6,2% no PIB. Considerando outros fatores, como a elevação real do custo do trabalho, as perdas projetadas poderiam alcançar 11,3% do PIB.

A redução da jornada sem corte salarial elevaria significativamente o custo do trabalho por hora. Pastore exemplifica: "Um salário de R$ 2.200 para jornada mensal de 220 horas resulta em custo horário de R$ 10. Com redução para 180 horas mensais (36 horas semanais), o custo por hora subiria para R$ 12,22 – aumento de 22,2%."

Esse aumento de custos geraria diversos efeitos em cascata, como:

  • pressão inflacionária: empresas precisariam repassar parte dos custos aos preços finais;
  • automação acelerada: para compensar custos mais elevados, empresas intensificariam investimentos em tecnologia, reduzindo postos de trabalho para trabalhadores menos qualificados;
  • impacto em pequenos negócios: empreendedores de menor porte, com margens reduzidas, enfrentariam maior dificuldade para absorver o aumento de custos;
  • aumento da informalidade: a elevação dos custos do trabalho formal estimularia contratações informais; e
  • perda de competitividade internacional: produtos brasileiros ficariam menos competitivos no mercado global

Produtividade brasileira: um problema a ser enfrentado

As propostas de redução da jornada surgem em um contexto de estagnação da produtividade brasileira. Segundo análise do FGV Ibre, entre 1981 e 2024 a produtividade cresceu a uma média de apenas 0,5% ao ano, desacelerando para 0,3% nos últimos cinco anos.

"O crescimento da produtividade tem sido modesto ao longo das últimas décadas, tanto da produtividade total quanto da dos trabalhadores", afirma Barbosa Filho. Ele ressalta que o aumento da renda per capita brasileira desde a década de 1980 foi mais influenciado pelo bônus demográfico e pelo aumento da taxa de participação na atividade econômica.

A Fiemg destaca que a produtividade do trabalhador brasileiro corresponde a apenas 23% da americana. Entre os fatores que comprometem a produtividade nacional estão: infraestrutura logística deficitária, complexidade regulatória, insegurança jurídica, alta carga tributária e baixo nível educacional.

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