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Em sessão virtual extraordinária convocada para esta sexta-feira (15), a Câmara dos Deputados aprovou em caráter definitivo o texto final da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária. Uma versão anterior do texto já havia recebido o aval da Casa em julho, mas, como sofreu modificações no Senado, precisou passar por nova apreciação dos deputados.
O placar da votação em primeiro turno foi de 371 favoráveis contra 121 contrários, com três abstenções. No segundo turno da votação, o placar foi de 365 a 118. Com a aprovação, o texto segue para a promulgação.
A oposição tentou obstruir a votação, mas ao perceber o consenso e a maioria dos parlamentares a favor da proposta, decidiram mudar o voto para não. A líder do Novo na Câmara, deputada Adriana Ventura (Novo-SP), criticou a forma como a votação foi conduzida. "Lamento essa votação atropelada, porque a gente não pode votar algo que não consiga quantificar ou ter clareza, e pelo texto do Senado, há sim claramente aumento de alíquotas", disse.
Foi aprovado o parecer do relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que acatou boa parte das sugestões dos senadores depois de negociações com o objetivo de evitar o retorno da proposta (PEC 45/19) ao Senado. A proposta foi colocada em votação após reunião entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na tarde de quinta-feira (14).
“Nós fizemos de uma forma a não ter devolução para o Senado. Nós nos manifestaremos hoje sobre o parecer e estaremos prontos para promulgar a reforma tributária no país”, disse o relator na Câmara, antes da votação.
Para ser promulgado, o texto de emenda constitucional precisava ser aprovado nas duas Casas em dois turnos. Dessa forma, havendo concordância sobre exclusões, elas preservam um texto não modificado e que pode ir à promulgação.
O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), afirmou na votação que eventuais mudanças propostas pela oposição não impedem a promulgação da medida já na próxima semana. “Mesmo tendo destaques que a oposição vai fazer, nós vamos chegar na votação com um texto redondo pronto para a publicação, porque era o maior desafio unificar o que nós votamos na Câmara e o que foi votado no Senado”, disse Guimarães.
Apoiada pelo governo, a PEC tem como premissa principal a criação de um sistema de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) “dual”, formado pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cuja responsabilidade será compartilhada entre estados e municípios. Serão extintos os atuais ICMS, ISS, PIS e Cofins.
Um dos principais impasses entre parlamentares dizia respeito à incidência da Contribuição sobre Intervenção de Domínio Econômico (Cide) sobre produtos que concorram com similares produzidos na Zona Franca de Manaus (ZFM). A cobrança foi incluída pelo relator da PEC no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), com o objetivo de manter a vantagem competitiva da região.
A arrecadação com a contribuição pesaria para os demais estados mas iria para um fundo que beneficiará o Amazonas. Na versão aprovada anteriormente na Câmara, a cobrança adicional para beneficiar a ZFM seria feita por meio do imposto seletivo, que é partilhado de forma mais igualitária entre todos os estados.
A solução encontrada foi eliminar a menção à Cide e excluir também dispositivo que extinguia o IPI quando a nova contribuição fosse instituída. Com isso, ao fim da transição para o novo modelo, o IPI terá as alíquotas zeradas para todos os produtos, exceto aos que têm industrialização incentivada na ZFM.
Entre outros pontos, o relator da proposta na Câmara também retirou do texto final algumas atividades que seriam beneficiados com isenção de IBS e CBS, como a aquisição de medicamentos e dispositivos médicos por entidades de assistência social sem fins lucrativos e compras pela administração pública.
Também foi suprimido da PEC a criação da chamada cesta básica estendida, que teria desconto de 60% de alíquota. Ficou mantida apenas a previsão de uma cesta básica mais restrita, que terá isenção tributária.
Entre os setores que teriam regimes específicos de tributação, foram excluídos:
- serviços de saneamento e de concessão de rodovias;
- serviços de transporte aéreo;
- operações que enovlvam a disponibilização da estrutura compartilhada dos serviços de telecomunicações;
- bens e serviços que promovam a economia circular;
- operações com microgeração e minigeração distribuída de energia elétrica.
Ribeiro ainda retirou da proposta a necessidade de sabatina e de aprovação pelo Senado do presidente do futuro Comitê Gestor do IBS, instância formada por representantes de entes subnacionais para gerir o novo imposto. Também ficou de fora o controle externo do órgão pelos tribunais de contas, voltando a competência para as assembleias e câmaras legislativas.
Já a prorrogação do incentivo para montadoras automotivas das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que havia sido excluída do texto por deputados e foi reinserida pelo Senado, foi mantida pelo relator na Câmara. O dispositivo, no entanto, será analisado em destaque e ainda pode ser rejeitado.
Na quarta, Lira esteve com o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que teria aceitado a derrubada de uma série de vetos em troca da aprovação, ainda este ano, da reforma tributária e da medida provisória (MP) 1.185/2023. Ambas as pautas são de interesse do Ministério da Fazenda.
Aprovada mais cedo, a MP 1.185 trata da incidência de tributos federais sobre subvenções estaduais e de mudanças nos Juros sobre Capital Próprio (JCP).
O que muda com a reforma tributária
Com uma grande modificação no atual modelo de tributação sobre o consumo de bens e serviços, a PEC trata-se da primeira reforma no atual sistema de impostos brasileiro desde a Constituição de 1988.
Embora sejam geridos em diferentes níveis da federação IBS e CBS terão mesmos fatores geradores e bases de cálculo. Além disso, obedecerão aos princípios de não cumulatividade (cobrança em uma única etapa da cadeia de produção) e de recolhimento no destino, de modo a acabar com a “guerra fiscal” promovida pelos estados para atrair investimentos.
A legislação do IBS será única para todo o Brasil, acabando com as milhares de leis que regem os atuais impostos sobre bens e serviços em cada município e cada unidade federativa do país.
Cada tributo terá um período de transição diferente, com a vigência integral do novo modelo para o contribuinte e o consumidor alcançada em 2033.
A transição dos atuais impostos para os IVAs nacional (CBS) e subnacional (IBS) começará ao mesmo tempo, em 2026, com alíquotas de 0,9% no caso do tributo federal e de 0,1% no imposto subnacional.
A CBS deve substituir totalmente os impostos indiretos federais já em 2027, quando ficam extintos PIS e Cofins. Já o IBS permanece com alíquota-teste de 0,1% até 2028. De 2029 e 2032, o IVA subnacional passa a substituir ICMS e ISS na proporção de 1/10 a mais por ano. A partir de 2033, os tributos indiretos de estados e municípios passam a ser integralmente substituídos pelo novo imposto.
As regras para a distribuição do IBS entre estados e municípios, por sua vez, terão um período de transição maior, que totalizará 50 anos, conforme o texto aprovado.
Alíquota do IVA brasileiro será a maior do mundo
A ideia original da reforma era simplificar a tributação sobre consumo, extinguindo ou reduzindo ao máximo a quantidade de isenções ou benefícios tributários concedidos a determinados áreas da economia.
A pressão de representantes de diversos setores, no entanto, gerou uma lista de exceções, o que deve fazer com que a alíquota padrão de IBS e CBS aumente, afetando diretamente setores que não entraram na lista de beneficiados.
O próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, calculou, a partir da versão da PEC aprovada no Senado, que, somadas, as alíquotas de referência dos dois tributos devem chegar a 27,5%, o que já colocaria o IVA brasileiro como o mais alto do mundo, superando o da Hungria, que é de 27%, e pelo menos 70% acima da média mundial e da alíquota mais adotada internacionalmente.
Nas projeções de analistas independentes, no entanto, o imposto pode ser ainda maior. O economista-chefe da Warren Rena e ex-secretário da Fazenda de São Paulo, Felipe Salto, por exemplo, calcula que o patamar pode chegar a 33,5%.
O porcentual que será cobrado em cada um dos tributos ainda será definido por meio de lei complementar que regulamentará a CBS e o IBS.
Imposto seletivo, cashback e fundos para estados
O texto prevê ainda a criação de um Imposto Seletivo (IS), de caráter regulatório e natureza extrafiscal, voltado a desestimular o consumo de determinados produtos ou serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. O rol de produtos que devem ser sobretaxados, no entanto, ainda deve ser definido por lei complementar.
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A PEC também abre a possibilidade de devolução a pessoas físicas de parte do imposto pago com o objetivo de reduzir desigualdades de renda. O mecanismo deve ser semelhante ao que já ocorre com o ICMS em alguns estados, onde, ao informar o CPF no momento da emissão da nota fiscal, o contribuinte pode ter direito a um crédito para desconto no recolhimento de outro tributo estadual ou mesmo para transferência em conta corrente.
O texto prevê mais especificamente hipóteses de cashback para cidadãos de baixa renda no consumo de energia elétrica, cuja reversão pode vir a ser feita na própria conta de luz, e na compra de botijão de gás de cozinha.
Na reforma serão criados ainda dois fundos financeiros voltados a apoiar governos estaduais, cujos aportes somarão R$ 790 bilhões nos próximos vinte anos. O primeiro será um fundo de compensação de benefícios fiscais e financeiro-fiscais do ICMS, com o objetivo de substituir os atuais incentivos estaduais que hoje provocam guerra fiscal.
O segundo será o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), que terá o objetivo de reduzir desigualdades regionais e sociais com a entrega de recursos da União para as unidades federativas.
IPVA, IPTU e ITCMD também mudam
Embora a PEC aprovada esteja centrada na reforma dos impostos sobre consumo, o texto prevê alguns dispositivos que alteram a tributação sobre patrimônio. Uma das mudanças, por exemplo, permite que estados possam cobrar alíquotas progressivas do IPVA em razão do impacto ambiental de veículos.
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Outro dispositivo inclui veículos aquáticos e aéreos entre os veículos sobre os quais incidirá o IPVA, o que faz com que proprietários de embarcações e aeronaves passem a recolher o imposto como ocorre com os donos de automóveis. Ficam excetuadas do tributo, no entanto, aeronaves agrícolas e embarcações voltadas a transporte aquaviário ou de pesca industrial, artesanal, científica ou de subsistência.
Já em relação ao IPTU, cobrado por municípios, o texto prevê que a atualização da base de cálculo poderá ser feita por meio de decreto, a partir de critérios gerais previstos em lei municipal. Hoje os reajustes precisam necessariamente passar pelo crivo do Legislativo para entrar em vigor.
A reforma também dispõe sobre mudanças no Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), de responsabilidade dos estados. Hoje, cada unidade federativa pode instituir sua alíquota, com o limite de 8%, e a possibilidade de isenção do imposto. A PEC prevê que o tributo seja progressivo de acordo com o valor da herança ou doação transmitida, como já ocorre em alguns estados.
Há uma expectativa de que, com a obrigatoriedade do sistema progressivo, o imposto aumente em estados em que hoje a cobrança é de um porcentual fixo.
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