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Renda total dos brasileiros pode cair em 2021, apesar da retomada econômica

Após avanço, renda do brasileiro deve recuar em 2021
Após avanço, renda do brasileiro deve recuar em 2021 (Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas)

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Apesar da pandemia e de toda a atipicidade a renda do brasileiro avançou em 2020, sobretudo por causa de benefícios para mitigação da crise implementados pelo governo federal, em especial o auxílio emergencial. Só que o efeito de turbinar o rendimento médio ficará restrito a este ano. Sem a continuidade do auxílio ou a ampliação do Bolsa Família, especialistas já alertam para a queda da massa de rendimentos em 2021. Na contramão, o governo está confiante na retomada da economia e do mercado de trabalho e não acredita que haverá uma retração tão acentuada.

A elevação dos rendimentos em 2020 teve efeitos concretos de aumento do consumo, avanço na taxa de poupança e até mesmo redução do indicador de extrema pobreza. Manter esses efeitos no próximo ano depende da concretização de apostas do governo – o que não será simples, na avaliação de analistas ouvidos pela Gazeta do Povo.

O cenário para 2021 ainda é marcado por muitas incertezas, tanto as relacionadas à evolução da Covid-19 quanto aos rumos que o governo tomará na política fiscal. Esses pontos serão determinantes para a trajetória de recuperação da atividade econômica e do mercado de trabalho, fundamentais para dar alguma estabilidade à renda.

A edição de novembro do monitoramento do Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV (FGVcemif) mostra, com base nos dados da Pnad-Covid do IBGE, que a perda média da renda do trabalho por causa da pandemia, que chegou a ser de 20% no auge das medidas de restrição, estacionou no patamar de 10%.

Levando em consideração todos os rendimentos da população, que incluem o auxílio emergencial e outros benefícios além dos salários, o cenário é totalmente distinto. O ganho médio de renda, na comparação ao período pré-pandemia, que era de alta de 29% no momento mais crítico, chegou a uma elevação de 39% na parcial de outubro.

Na avaliação do pesquisador Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), o auxílio teve o mérito de mostrar que era possível criar um benefício progressivo e com regras menos rígidas que as estabelecidas em outras ações de transferência de renda, como o Bolsa Família. “Mas seu valor foi muito elevado, levando a um grande desequilíbrio fiscal nesse ano, e causará uma grande frustração de renda na população nos próximos meses”, afirma.

Para ele, milhões de brasileiros perderão parte da renda em breve, pelo fim do auxílio emergencial e do Programa de Manutenção de Emprego e Renda (BEm), que complementa a renda de trabalhadores formais que tiveram o salário reduzido. “Sem esses programas, devemos ver no início do ano uma reação negativa inicial da economia, a partir da qual veremos a real velocidade de acomodação da economia pós-pandemia”, diz.

Baque na renda virá em 2021 e será diferente em cada região

A elevação da renda já teve impactos distintos em cada região do país, e a redução também terá. O professor da FGV/EAESP e coordenador do FGVcemif, Lauro Gonzalez, lembra da diferença que os R$ 600 mensais recebidos como auxílio emergencial representam em termos de poder de compra. A capacidade de consumo de uma pessoa que recebeu o benefício e vive em uma grande cidade ou capital é menor do que daquela que mora no interior ou nos rincões do país.

Os recursos do auxílio emergencial foram mais efetivos para os moradores das regiões Norte e Nordeste do que para quem mora no Sul e Sudeste. A interrupção desse pagamento também afetará mais fortemente o primeiro grupo, já que a informalidade nessas regiões é mais forte do que no restante do país, que poderá aproveitar a já desenhada retomada do mercado de trabalho formal.

Esse cenário aparece nas análises da Tendências Consultoria, que projeta um avanço de 4,5% da massa de renda total em 2020, seguido de uma queda de 4,3% no ano que vem. Conforme o economista Lucas Assis, tanto a elevação quanto a retração serão sentidas de formas diferentes a depender da região e da classe social.

Enquanto neste ano a classe A viu a renda total encolher, em 2021 ela deverá ser beneficiada com um incremento. As classes D e E, em contrapartida, tiveram avanços de 27,1% na massa de renda em 2020, mas sofrerão com uma redução de 18,9% no próximo ano.

A consultoria avalia a movimentação da massa total de rendimentos, que inclui, além do salário, ganhos com auxílios do governo (como transferências do Bolsa Família e do auxílio emergencial), aposentadoria, aluguel, rendimento de aplicações, aluguel e bolsas de estudo. A diferença para a renda média "convencional" é que esta normalmente só olha para os ganhos obtidos com o trabalho.

“As pessoas ocupadas que pertencem às classes D e E estão em postos de trabalho de maior vulnerabilidade econômica. São pessoas com ocupações mais informais, que habitam domicílios em extrema pobreza, trabalham em setores mais atingidos pela pandemia, como serviços e comércio, ou trabalham em empresas de menor porte. No próximo ano, a expectativa é de lenta retomada do mercado de trabalho, o que para as pessoas em situação de vulnerabilidade é mais negativa, e corrobora a tese que vão ter queda de renda”, avalia o economista.

Assis comenta que os cenários do Norte e Nordeste são semelhantes, porque foram as regiões mais beneficiadas pelos auxílios. No Norte, a projeção mostra que a massa de renda deve fechar 2020 com um avanço de 16,7%, mas irá recuar 10,8% no ano que vem. Entre as classes D e E dessa região, a situação é mais acentuada: os rendimentos totais crescem 44,2% este ano e se retraem 27% no próximo.

No Nordeste, a expectativa sobre os rendimentos totais é de alta de 13,6% esse ano, seguida de retração de 12,3% em 2021. Nas classes D e E nordestinas, deve haver um avanço de 42,2% no volume de rendimentos em 2020, seguido de uma queda de 26,8%.

Cenários são mais negativos para as classes mais vulneráveis

“Os cenários para as classes mais vulneráveis são mais negativos, com a expectativa de fim dos repasses e reestruturação do Bolsa Família. Isso não deve ser suficiente para manutenção”, diz o analista da Tendências. A consultoria projeta que deve haver migração da classe C para as mais pobres, já que muitas dessas pessoas não foram atendidas pelos programas emergenciais e perderam renda este ano.

A classe A, por sua vez, viu a massa de rendimentos total cair 5% neste ano, mas ela deve avançar 3,9% no ano que vem. Assis explica que isso se deve à estrutura da classe A, composta por empregadores e donos de negócios, que têm rendimentos ligados ao desempenho de lucro das empresas.

“Em momentos de crise, a classe A tende a ter pior desempenho em relação a outras classes, mas na retomada ela toma dianteira no processo de recuperação, porque as empresas buscam retomar ao patamar histórico de lucro antes de voltar a contratar”, diz.

Governo vê retomada com otimismo

Na nota informativa “Considerações sobre a política econômica: objetivos e desafios para 2021”, publicada em 5 de novembro, o Ministério da Economia reconhece que analistas têm dúvidas sobre a capacidade de a economia brasileira manter a retomada, tanto pela redução do auxílio emergencial, que no último trimestre será de R$ 300 e não mais de R$ 600, e também pelo fim dos estímulos governamentais.

Além do auxílio, o governo trabalhou com a manutenção de empregos pelo programa BEm, que permitiu redução de jornada e salário com a premissa de manter o emprego formal, e outras ações de financiamento de pequenos negócios e até mesmo saques do FGTS.

A avaliação da pasta é de que todas essas ações acabaram por injetar valores significativos na economia. “Uma conta conservadora nos leva a concluir que em decorrência do AEI [auxílio emergencial], da extensão do AEI e do saque emergencial do FGTS ainda podem ingressar mais de R$ 130 bilhões na economia até o final do ano”, diz o texto, que considera o montante suficiente para fechar este ano.

Para 2021, o governo está contando com a poupança formada especialmente pelas classes média e alta e a retomada do emprego. E pondera que o avanço da taxa de desemprego ocorreu no setor informal, que usualmente era menos afetado por crises no país – em tese, a recuperação das ocupações informais tende a ser mais rápida.

Em crises anteriores, a “economia do bico” é que absorvia as pessoas que perdiam seus empregos formais. O Ministério da Economia considera essa informação relevante porque “o setor informal apresenta muito mais flexibilidade do que o setor formal, então espera-se uma queda desse desemprego com a reabertura da economia”.

A aposta na redução do desemprego, principalmente no setor informal em razão da redução de medidas de distanciamento social, ainda conta com o retorno da taxa de ocupação da mão de obra para os patamares pré-crise. Com emprego, a renda estaria mantida e garantiria uma retomada mais robusta, avalia a pasta.

O coordenador do FGVcemif, Lauro Gonzalez, vê com reservas esse otimismo do governo. Se, por um lado, esse é o comportamento natural de governos, que tentam “semear” essa ideia de bonança para colher avanços à frente, por outro, a realidade é dura.

“O efeito benéfico do auxílio é grande e eu não vejo, no curtíssimo prazo, a menos que a economia volte à normalidade, uma compensação para seu término”, diz.

Ele também lança luz sobre o cenário do emprego antes da pandemia. “Se, tecnicamente, o Brasil não estava em um cenário recessivo, não dá pra dizer que a gente estava num cenário expansivo. Estávamos em um voo de galinha, com a economia crescendo muito pouco”, diz.

Para ele, a atual conjuntura demonstra falta de estratégia do governo em várias frentes, incluindo a indecisão sobre a reformulação do Bolsa Família e conflitos internos pela questão fiscal, já que há um racha entre a ala fiscalista, que defende o cumprimento do teto de gastos, e a desenvolvimentista, que aposta no investimento público como estímulo da economia. “O que nós vemos é uma gangorra em torno do assunto, cheia de idas e vindas, mas não temos nada”, diz.

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