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Retratos da economia

Na crise, construção sofreu menos do que esperava. Mas “ressaca” da economia preocupa o setor

Construção de prédio em Curitiba
Obras continuaram funcionando, mas empresas tiveram de readaptar canteiros contra a Covid-19. (Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo)

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No início da crise do novo coronavírus, a expectativa do setor da construção civil não era das melhores. Afinal, em tempos de contração econômica e incertezas, parecia claro que a tendência seria de retração também na compra de imóveis. A realidade, porém, se mostrou completamente oposta: além de sofrer menos do que o inicialmente esperado, o setor conseguiu se recuperar rapidamente. Junho, de acordo com a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), foi o melhor mês para a indústria da construção civil no Brasil em quatro anos.

O comportamento do setor na pandemia se reflete no número de postos de trabalho com carteira assinada na construção civil. De acordo com a última divulgação do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia, os meses de março, abril e maio tiveram saldo negativo no estoque de empregos formais na construção (-17.317, -71.292 e -20.950, respectivamente).

Mas, em junho, o setor começou a recuperar os postos de trabalho, e teve saldo positivo de 17.270 vagas. Além da construção, só a agropecuária registrou mais admissões do que contratações (saldo de 36.836) na última divulgação do Caged.

“Um dos problemas que a gente tem agora é de falta de material de construção. Produtores de cimento desligaram os fornos, pensando que haveria menos demanda. De aço, a mesma coisa. Agora começou a faltar, porque nem eles imaginavam que teríamos bons resultados na pandemia”, diz José Carlos Martins, presidente da CBIC.

O que explica os bons resultados, mesmo na crise

Não há apenas um fator que explica como a construção civil conseguiu ter bons resultados mesmo com a crise do coronavírus. Um conjunto de medidas deu apoio às construtoras e impediu que o baque não fosse tão grande quanto era esperado no começo da pandemia.

De início, as empresas do setor conseguiram manter suas operações mesmo quando boa parte das atividades produtivas estava suspensa. Assim, obras que já estavam sendo realizadas não foram paralisadas, o que afetou pouco os cronogramas já estabelecidos.

“As obras não pararam completamente, mas tiveram que passar por um período de adaptação. Tivemos que fazer turnos diferentes para evitar aglomeração, medir a temperatura dos funcionários, mudar os refeitórios. Isso tudo ocorreu principalmente no primeiro mês. Depois, a gente começou a ver uma normalidade”, diz Matheus Lauand, diretor executivo do grupo que engloba as construtoras Bild Desenvolvimento Imobiliário (de empreendimentos de alto padrão) e Vitta Residencial (de residenciais populares).

Com lojas fechadas, construtoras investiram em vendas online e visitas virtuais a imóveis

Como efeito da pandemia, as construtoras perceberam, ainda, um aumento no interesse pela aquisição de imóveis. A lógica é simples: na quarentena, as pessoas começaram a passar mais tempo em casa e perceberam necessidades que antes não ficavam tão evidentes.

Mesmo com o interesse do consumidor, as empresas tiveram de contornar o fechamento de lojas. A aposta foi por tentar digitalizar ao máximo a venda de imóveis, incluindo a visita a apartamentos decorados.

“Mesmo nos lugares em que era possível deixar as lojas abertas, preferimos fechar e fazer as vendas 100% online. O que notamos foi que o volume de vendas ficou estável, os clientes continuaram interessados. Deu muito certo”, diz Renan Sanches, CFO da construtora Tenda, de imóveis populares.

No caso da Bild, a aposta foi por criar vídeos que possibilitassem a visualização de todo o apartamento, do prédio e das áreas de lazer, para contornar a impossibilidade de fazer as visitações in loco. “O cliente se adaptou a essa realidade e está sentindo segurança em fechar o negócio”, afirma Matheus Lauand, diretor-executivo do grupo.

Fatores econômicos, além disso, ajudaram a tornar o investimento em imóveis mais atrativo. Com a taxa básica de juros (Selic) em seu menor patamar histórico (caiu a 2% ao ano no início de agosto), deixar o dinheiro guardado na caderneta de poupança, por exemplo, ficou pouco vantajoso para os consumidores que não se aventuram em investimentos mais arrojados.

Ações da Caixa Econômica Federal também contribuíram para dar ânimo ao mercado. No início da pandemia, o banco estabeleceu um período de carência para o começo do pagamento de financiamentos de imóveis. Já em julho, a Caixa autorizou a inclusão do Impostos sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e dos custos cartorários nos contratos, reduzindo o montante que o consumidor precisa ter à mão na hora de comprar um novo imóvel.

Segmento de materiais de construção sofreu mais no início da crise, mas vem se recuperando

Na venda de materiais de construção, por sua vez, a queda foi mais profunda no início da pandemia. De acordo com o Índice Cielo do Varejo Ampliado, que vem acompanhando o comportamento do varejo desde o início da crise, o setor chegou a ter queda de 59,7% no faturamento durante a quarta semana de março, na comparação com o período equivalente no ano passado.

Desde maio, porém, a venda de materiais de construção reverteu a queda. Na edição da pesquisa referente à semana entre 26 de julho e 1º de agosto, o faturamento cresceu 31,5%. Na média do período entre março e agosto, já há 6,7% de aumento em relação a 2019.

“Os dados nos levam a crer que o pior já passou. Felizmente o impacto não foi do tamanho que esperávamos”, diz Rodrigo Navarro, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat).

Ele salienta, porém, que a indústria já vinha em um processo de recuperação após a crise iniciada em 2015, e que sofreu um novo baque com o coronavírus. “Agora temos que fazer a retomada da retomada, depois de três anos ruins”, diagnostica.

Possível "ressaca" da crise gera incerteza para o futuro

O cenário de otimismo, no entanto, convive com a preocupação com o futuro. “A nossa dúvida é se isso vai continuar. Será que quando vier a ressaca da crise – com o fim do auxílio emergencial, as empresas tendo que pagar o imposto que foi postergado – isso vai permanecer? As pessoas que tiveram redução de jornada ou suspensão de contrato vão continuar empregadas depois?”, questiona José Carlos Martins, da CBIC.

O governo federal afirma estar trabalhando em programas para apoiar a economia e os trabalhadores depois da crise. Os dois principais são o Renda Brasil, que deve reunir benefícios sociais e atender ao menos parte dos trabalhadores que receberam o auxílio emergencial, e o Pró-Brasil, que deve ser baseado em obras.

“A retomada de obras de infraestrutura é fundamental para que a economia volte ao curso esperado. O setor de construção é um dos que mais emprega e gera resultados para alavancar desenvolvimento no país por meio de obras estratégicas e de grande impacto positivo para a sociedade como um todo”, comenta Fabio Nossaes, diretor executivo de Negócios e Operações da construtora Camargo Corrêa Infra.

Ocorre que, pare retomar as obras com investimentos públicos, o governo precisaria abrir espaço nas contas da União. E não será tarefa fácil: só no primeiro semestre, segundo o próprio Ministério da Economia, o déficit primário da União foi de R$ 417,2 bilhões – o pior resultado em toda a série histórica.

Para o Pró-Brasil, a previsão é de que R$ 76 bilhões sejam destravados em investimentos. Se confirmado, o montante será 30% maior do que o valor investido em obras, máquinas e equipamentos no ano passado (R$ 57,6 bilhões). A previsão é de que o programa seja lançado em agosto – mas a Casa Civil ainda precisa apresentar soluções para encaixar os valores no Orçamento, sem estourar o teto de gastos.

Esta reportagem é parte da série "Retratos da economia", que aborda os efeitos da crise do coronavírus sobre a economia brasileira e também os planos do governo para a retomada. Leia aqui os demais textos.

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Conteúdo editado por: Fernando Jasper

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