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A revisão de gastos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não deve ser suficiente para restabelecer a confiança dos investidores no ajuste das contas públicas, segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo. O corte de R$ 25,9 bilhões nas despesas obrigatórias anunciado na noite de quarta-feira (3) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a declaração de Lula sobre a necessidade de cumprimento do arcabouço fiscal ainda levantam dúvidas.
O anúncio do corte foi precedido, nas últimas semanas, de declarações do presidente contra a política monetária, liderada pelo Banco Central, e contra a necessidade de um ajuste das contas públicas pelo lado das despesas. Nos últimos 30 dias, a cotação do dólar passou de R$ 5,284 para R$ 5,484, no fechamento desta quinta (4). Na terça, chegou a ser negociado próximo a R$ 5,70, a maior marca em dois anos e meio.
“Não foi uma queda grande. Eu acho que o mercado comprou exatamente o tamanho da magnitude do corte, que foi pouco”, diz Cláudio Shikida, especialista do Instituto Millenium. Segundo ele, trata-se apenas de uma revisão, sem nenhuma ação concreta e efetiva de redução de despesas.
Benefícios serão submetidos a pente-fino
O corte será feito por meio do pente-fino nos benefícios. Já havia previsão de medidas nesse sentido para a Previdência. Está prevista para julho a convocação de beneficiários do auxílio-doença e de aposentadorias por invalidez para detectar fraudes e irregularidades. Também serão revistos procedimentos do BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.
"Nós já identificamos, e o presidente autorizou levar à frente, R$ 25,9 bilhões de despesas obrigatórias que vão ser cortadas depois que os ministérios afetados sejam comunicados do limite que vai ser dado para a elaboração do Orçamento 2025", disse o ministro Fernando Haddad, no lançamento.
"Isso vai ser feito com as equipes dos ministérios, não é um número arbitrário. É um número que foi levantado, bem na linha do orçamento, daquilo que não se coaduna com o espírito dos programas sociais que foram criados. [...] Não é um número que o Planejamento tirou da cartola. Por isso que levou 90 dias. É um trabalho criterioso, não tem chute. Tem base técnica, é com base em cadastro, com base nas leis aprovadas", afirmou.
Medidas apaziguaram mercado, mas este quer ver cortes
Outros sinais de acomodação foram registrados pelo mercado. A probabilidade de manutenção da taxa Selic em 10,5% ao ano pelo Comitê de Política Monetária (Copom), na reunião dos dias 30 e 31 passou de 71,5%, na terça-feira, para 79%, nas negociações dos contratos de opção na B3, nesta quinta.
A preocupação do mercado era o risco de o movimento do dólar respingar na economia real, elevando os preços e forçando o Banco Central a aumentar a taxa Selic, para conter a inflação. A mediana das projeções do IPCA para 2024 vem aumentando há oito semanas. Na segunda estava em 4%. Já as expectativas para 2025 vem aumentando há nove semanas.
Matheus Spiess, analista da Empiricus Research, avalia que a reação se deve ao “apaziguamento” do discurso de Lula. Na última semana, em entrevistas a rádios regionais, o presidente aumentou o tom contra o ajuste fiscal e a política monetária do Banco Central, reforçando as críticas recorrentes ao presidente Roberto Campos Neto. “O anúncio da medida pacificou um pouco a situação, que estava saindo do controle. Pelo menos, Lula parou de falar bobagem."
Segundo ele, sobre o corte, o importante foi o direcionamento. “O problema fiscal brasileiro é estrutural. Não vai ser esse governo que vai resolver, não tem condição porque não tem apoio muito grande no Congresso. Agora, a gente precisa ver a execução, uma coisa é falar, outra é fazer.”
Problemas de credibilidade por parte do governo
Na tarde desta quarta-feira (3), o ministro Haddad reafirmou o compromisso do Planalto no arcabouço. "A primeira coisa que o presidente determinou é: cumpra-se o arcabouço fiscal. Não há discussão a esse respeito", disse em entrevista coletiva.”
Mauro Rochlin, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), se mostra cético sobre os cortes. “O Lula falou que vai buscar a meta zero. A mudança da meta [de superávit de 0,5% do PIB para déficit zero, anunciada em abril] e a própria postura dele desautorizam a gente acreditar que a coisa é para valer”, diz.
Os resultados fiscais confirmam a desconfiança. Desde junho de 2023, o Brasil vem registrando déficits primários no acumulado em 12 meses. E eles têm aumentado, passando de um superávit de 0,23% do PIB, naquele mês, para 2,53% do PIB, em maio, segundo o Banco Central. Desde o início do governo Lula, em janeiro de 2023, o endividamento público passou de 71,37% do PIB, para 76,81%, em maio.
Ele avalia que o mercado deu um voto de confiança ao governo Lula quando o Congresso aprovou a PEC da Transição, que permitiu o aumento de R$ 200 bilhões para o Orçamento de 2023. “Agora, não serão medidas cosméticas que vão ancorar as expectativas de inflação. É primário [o presidente Lula] pensar que se faz política fiscal desvinculada do mercado.”
O corte sugerido, avalia Rochlin, é circunstancial e não "pode resolver um problema que é claramente estrutural”. “Temos um problema sério no que diz respeito à indexação de despesas federais programadas, como de saúde e educação, e relacionadas à Previdência, com a indexação do salário-mínimo, que agora aumenta acima da inflação”.
O professor da FGV ressalta que o recuo do dólar significa que o mercado acredita que Lula, pelo menos, não vai dobrar a aposta e ignorar totalmente a responsabilidade fiscal. “A reação seria muito ruim, aumentando os juros futuros e a perspectiva de inflação.”
Jefferson Laatus, estrategista-chefe do grupo Laatus avalia que a única medida que salvaria o arcabouço fiscal seria o governo ter anunciado um plano coerente de corte de gastos na casa de R$ 20 a R$ 30 bilhões que é o necessário. “Isso mudaria completamente o jogo do mercado, o dólar desaceleraria, a bolsa voltaria a ganhar fôlego”
Contenções dos gastos do governo devem ser formalizadas no dia 22
O relatório de avaliação do Orçamento deste ano, que será divulgado em 22 de julho, deve formalizar as contenções e ser enviado ao Congresso. Será indicada a necessidade de fazer ou não um bloqueio para o cumprimento do teto de despesas do arcabouço fiscal ou de um contingenciamento para não estourar a regra da meta.
Para Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, com a medida, o risco de o governo não cumprir a meta fiscal de 2024 diminuiu. “Se a determinação é contingenciar o necessário, cresce a chance de um cenário de cumprimento de meta em 2024”, disse em nota.
Outro cenário provável, na avaliação de Salto, é o governo “esticar ao máximo a corda” e mudar a meta na última hora, o que permitiria um contingenciamento menor. Sem mudar a meta, não há como contingenciar menos do que obriga a lei. “Para descumprir a meta e acionar gatilhos, por sua vez, também seria preciso demonstrar que o máximo contingenciamento teria sido feito”, explica.