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Impulsionado pela deterioração financeira dos Correios, o rombo das empresas estatais federais alcançou a marca de R$ 6,35 bilhões no acumulado dos dez primeiros meses de 2025, segundo o Banco Central. O resultado negativo, que pressiona a meta fiscal e expõe ineficiência na gestão das empresas públicas, obrigou o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a determinar um bloqueio de R$ 3 bilhões no Orçamento.
Com o déficit nas estatais, há quebra nas expectativas de recebimento de dividendos pelo governo, o que pode levar também a contingenciamento de recursos até o fim do ano. O bloqueio ocorre quando as despesas crescem acima do previsto; o contingenciamento ou congelamento, quando há frustração nas receitas que pode impactar a meta fiscal.
O bloqueio realizado pelo governo retira recursos que estariam disponíveis para ministérios e áreas finalísticas, como saúde, educação e infraestrutura, para cobrir o déficit operacional das companhias estatais. O governo federal previa que estatais federais teriam um déficit de R$ 6 bilhões em 2025, montante inferior ao recorde de R$ 6,7 bilhões registrados em 2024.
Para 2026, com base nos resultados deste ano, o governo já estuda afrouxar a regra fiscal das estatais federais. O projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026 autoriza um déficit de até R$ 6,75 bilhões para as estatais. Por ser ano eleitoral, o governo quer evitar a todo custo qualquer contenção de despesas.
Como a PLDO 2026 ainda está em votação, é possível para o governo alterar a meta. Além do próprio desempenho das estatais, há preocupações em relação ao empréstimo de R$ 20 bilhões articulado com um grupo de bancos para socorrer os Correios. Mesmo que o crédito entre na conta financeira e, portanto, não interfira na meta fiscal, as amortizações são contabilizadas como gastos, influenciando o resultado primário e, possivelmente, aprofundando o rombo.
A preocupação se materializou na negativa do Tesouro ao empréstimo, anunciada na terça-feira (2). A Fazenda Pública negou a taxa de juros de 136% do CDI (ou cerca de 18% ao ano, com a Selic em 15%) para um empréstimo com garantia do governo federal. Ou seja, a questão dos Correios e do rombo das estatais federais está longe de ser solucionada.
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Déficit das estatais em 2025 tende a ser recorde
O desempenho financeiro das estatais em 2025 caminha para ser o pior da série histórica. O cálculo do Banco Central leva em conta empresas como Correios, Casa da Moeda, Hemobrás, Emgea, Emgepron, Infraero, Dataprev e Serpro. No entanto, estão excluídas a Petrobras e a Eletrobras, bem como os bancos públicos.
O déficit das estatais cresce desde o início do governo Lula. Considerando o período de janeiro a outubro, o saldo negativo do grupo de empresas contabilizado pelo BC passou de R$ 286 milhões em 2023 para R$ 4,45 bilhões em 2024 e R$ 6,35 bilhões agora em 2025.
Por causa da situação dos Correios, que enfrenta uma grave crise, a previsão é de que o déficit das estatais chegue a R$ 9,2 bilhões até o fim do ano. Esse valor já contabiliza o abatimento dos R$ 4,2 bilhões em investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), estimado em até R$ 5 bilhões.
Correios são a principal fonte do déficit das estatais
O principal vetor no desequilíbrio das contas das estatais são os Correios. Detentora do monopólio de cartas e correspondências, a empresa fechou 2024 com um prejuízo de R$ 2,5 bilhões. No entanto, a situação tem se agravado ao longo de 2025: apenas no primeiro semestre, o déficit acumulado já ultrapassava os R$ 4 bilhões. No acumulado até setembro, chegou a R$ 6 bilhões.
As projeções futuras indicam um cenário de colapso financeiro caso não haja intervenção. Estimativas apontam que o déficit dos Correios pode chegar a R$ 10 bilhões ao fim deste ano e disparar para R$ 23 bilhões em 2026.
Em resposta, a nova gestão da empresa aprovou um plano de reestruturação que prevê a captação de R$ 20 bilhões na tentativa de estancar a sangria de recursos. Segundo relatos de bastidores, o empréstimo, aprovado na última sexta-feira (28), deve ser concedido por um consórcio de cinco bancos: Banco do Brasil, Citibank, BTG Pactual, ABC Brasil e Safra.
Contudo, apenas quatro dias após a aprovação, houve um revés: o Tesouro Nacional negou o empréstimo em razão da alta taxa de juros. A Diretoria Executiva dos Correios afirmou que está trabalhando, em conjunto com os ministérios, para chegar a alternativas que reforcem a "liquidez imediata da empresa" e a recuperação financeira da estatal.
Além de empréstimo, Correios preveem reestruturação
Em outra estratégia para driblar a crise, os Correios apostam em um plano de reestruturação, que inclui cortes de pessoal, enxugamento de gastos, parcerias e novos empréstimos. O engajamento com o plano, inclusive, foi um dos requisitos para a concessão do empréstimo.
Segundo anunciado pela estatal, o plano de demissão voluntária estima reduzir em até 10 mil funcionários o contingente atual, de 83 mil. Também serão vendidas cerca de mil agências deficitárias, e a companhia espera levantar R$ 1,5 bilhão com a venda de imóveis.
Segundo a direção dos Correios, o plano de reestruturação tem como foco garantir a sustentabilidade financeira, modernizar a operação e assegurar a continuidade dos serviços postais em todo o país.
Há ceticismo em relação à real capacidade de recuperação dos Correios
Alguns analistas, apesar de apontarem para a importância da reestruturação, questionam se o plano será suficiente para restabelecer a saúde financeira dos Correios. Há quem defenda a privatização da estatal.
Em entrevista à rede CNN, o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente e ex-integrante do Conselho de Administração dos Correios, Marcus Pestana, avalia que o empréstimo de R$ 20 bilhões não será suficiente para restabelecer a saúde financeira da empresa.
Além do déficit de caixa imediato, Pestana ainda identifica uma questão estrutural mais grave: a falência do modelo de negócio da empresa. Segundo ele, o único segmento competitivo com a iniciativa privada é o de encomendas. "Precisa ter uma estatal para garantir ao brasileiro a eficiência no setor de encomendas? Eu creio que não", argumenta.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), descartou uma possível privatização. “Não vejo debate dentro do governo sobre privatizar os Correios”, afirmou o ministro à GloboNews. Até a publicação desta reportagem, ele ainda não havia se pronunciado sobre a negativa do Tesouro ao empréstimo.
Haddad afirmou que o governo fez um levantamento recente sobre a situação dos serviços postais no mundo e que é “muito difícil o Estado abrir mão desses serviços”, pois parte deles precisa ser subsidiada para garantir sua universalidade.






