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O plenário do Senado Federal aprovou, nesta quinta-feira (2), a proposta de emenda à Constituição (PEC) nº 23/2021, que ficou conhecida como "PEC dos precatórios". Em 1º turno, a matéria foi aprovada por 64 votos favoráveis a 13 contrários e 2 abstenções. No 2.º, foram 61 votos favoráveis a 10; houve 1 abstenção.
Mudanças feitas pelo relator da PEC no Senado, o líder do governo na Casa Fernando Bezerra (MDB-PE), garantiram maior apoio à proposta. Eram necessários 49 votos dos 81 senadores para sua aprovação. Como forma de impedir que os recursos que devem vir com a PEC sejam utilizados para fins eleitoreiros ou emendas de relator, o Senado vinculou todo o espaço fiscal aberto com o subteto para o pagamento de precatórios ao Auxílio Brasil e à seguridade social.
Entre os senadores, havia o receio de que o governo federal utilizasse parte dos recursos para fazer reajuste de salários dos servidores federais e pagar um auxílio aos caminhoneiros, como prometeu. "Assim, todo o esforço feito pelo Congresso Nacional na busca de recursos estará vinculado às finalidades sociais mais urgentes neste momento de crise", disse o líder do governo no Senado.
Com as mudanças realizadas no texto, ele precisará voltar para a Câmara dos Deputados, onde já foi aprovada no dia 9 de novembro. Depois de nova aprovação dos deputados, a PEC pode ser promulgada pelo Congresso – não há sanção presidencial nos casos de emenda constitucional.
Parcelamento de precatórios e correção do teto
A PEC adia o pagamento de parte dos R$ 89,1 bilhões em precatórios que o governo deveria pagar no ano que vem, e ao mesmo tempo altera a regra de correção do teto de gastos, principal âncora fiscal do país. Essas medidas, combinadas, devem permitir um gasto extra de mais de R$ 106,1 bilhões em 2022 e um espaço fiscal de até R$ 15 bilhões no Orçamento de 2021. Segundo o governo, R$ 62,2 bilhões devem vir da mudança na regra do teto e R$ 43,8 bilhões da postergação do pagamento de parte dos precatórios.
Os recursos deste ano foram vinculados às despesas relacionadas à vacinação contra a Covid-19, despesas com previdência e ações emergenciais e temporárias de caráter socioeconômico.
Para facilitar a resposta da União aos precatórios, a PEC muda o prazo para o envio ao Ministério da Economia, por parte do Poder Judiciário, da relação das dívidas. O limite passará de 1º de julho para 2 de abril de cada ano.
O pagamento das sentenças judiciais será limitado até 2026 - e não mais até 2036, como previsto inicialmente - ao mesmo índice usado para corrigir o teto de gastos, tomando 2016 como primeiro ano. Dessa forma, o montante de R$ 89,1 bilhões que a União deveria desembolsar com os precatórios no próximo ano diminuiria para cerca de R$ 40 bilhões.
O objetivo com a mudança é evitar uma possível "bola de neve" de dívidas judicias no futuro. Para alguns especialistas, a PEC pode gerar danos quase irreparáveis sobre as contas públicas. O "saldo devedor" dos precatórios tende a crescer como uma bola de neve e poderia passar de meio trilhão de reais ao fim desta década, chegando perto de R$ 1,5 trilhão em 2036, segundo cálculos da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados.
Com relação ao teto de gastos, a proposta muda sua fórmula de correção. Essa mudança estava prevista para 2026, mas, com a aprovação da proposta, a medida será antecipada. Hoje, a correção anual dos limites de despesas primárias da União é feita com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado até junho do ano anterior. Com a PEC, a correção passa a ser feita pelo INPC acumulado em 12 meses até dezembro. O presidente da República no exercício de 2026 também fica impedido de modificar novamente o método de correção do teto, já que a revisão foi antecipada.
Precatórios são dívidas decorrentes de sentenças judiciais e que não são mais passíveis de recursos, uma vez que já percorreram todas as instâncias da Justiça. No jargão jurídico, essas situações são chamadas de "trânsito em julgado". Esses débitos podem decorrer tanto de ações judiciais relacionadas a salários, pensões, aposentadorias e indenizações como de questões relacionadas a desapropriações e tributos, por exemplo.
O texto aprovado também garante prioridade para o pagamento de precatórios classificados como de natureza "alimentícia" - relacionados a pensões, aposentadorias, salários, indenizações por falecimento ou invalidez, por exemplo.
Auxílio Brasil permanente
A PEC torna permanente o programa social Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, e incorpora ao texto constitucional o princípio da renda básica. A proposta aprovada também garante que toda folga de recursos aberta nos próximos anos será direcionada para o pagamento do Auxílio Brasil e outras despesas sociais.
Bezerra incluiu em seu parecer um trecho que estabelece que todo "brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá o direito a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda".
A intenção do governo federal é pagar um tíquete de no mínimo R$ 400 para as famílias beneficiárias e aumentar o alcance do programa para que 17 milhões de pessoas passem a receber o recurso. Durante a votação no Senado, falou-se em um potencial para alcançar 20 milhões de famílias.
A partir de 2023, possíveis aumentos no orçamento do Auxílio Brasil devem respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), diferentemente do que o texto inicial da PEC previa. O dispositivo estabelece que qualquer criação de despesa permanente deverá ser compensada por corte de gastos fixos ou aumento de receita.
"Estamos resolvendo o problema de 2022. E estamos também dizendo que, nos anos seguintes, qualquer adição de valor [para pagamento do Auxílio Brasil] precisará atender ao disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal", disse Bezerra durante a discussão da matéria.
Recursos do Fundef
O texto aprovado retira os precatórios do Fundef - cerca de R$ 16 bilhões - do teto de gastos. Apesar disso, será mantido o pagamento parcelado desses débitos: 40% dos precatórios do Fundef serão pagos até 30 de abril de 2022, 30% até 31 de agosto de 2023 e os demais 30% até 31 de dezembro de 2024.
Ao menos 60% do valor devido pela União – cerca de R$ 9,6 bilhões – será repassado aos profissionais do magistério, inclusive aposentados e pensionistas, na forma de abono. Com a mudança, o governo poderá pagar mais precatórios dentro do limite de cerca de R$ 40 bilhões.
Acerto de contas com credores
A PEC aprovada também obriga o governo federal a, pelo prazo de 90 dias a partir do início de 2022, regulamentar as operações de acerto de contas com detentores de precatórios que tenham débitos com a União. A redação ainda estabelece que estados que adotarem medidas de ajuste fiscal - conforme determina a PEC emergencial - tenham alívio no pagamento das prestações de precatórios.
O crédito decorrente do precatório de encontro de contas entre a União e entes subnacionais poderá ser utilizado para amortizar dívidas vencidas e vincendas do credor. A regra vale para débitos relacionados a:
- Refinanciamentos de dívidas não tributárias;
- Contratos em que houve a prestação de garantia do devedor de precatório ao credor;
- Parcelamentos tributários;
- Obrigações decorrentes do descumprimento de prestação de contas ou de desvio de recursos.
Os credores das dívidas da União, inclusive aqueles adquiridos de terceiros, poderão escolher utilizar o crédito que têm direito a receber para:
- Quitar débitos parcelados ou inscritos em dívida ativa da União;
- Comprar imóveis públicos;
- Pagar outorga de delegações de serviços públicos junto à União;
- Adquirir participação societária da União;
- Comprar direitos da União postos à cessão, como a antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo.
Os credores de precatórios que eventualmente não forem pagos por falta de margem no Orçamento de determinado exercício poderão optar pelo recebimento do crédito com renúncia de 40% do valor total.
Acompanhamento
O Senado também determinou que o Congresso crie, no prazo de um ano após a promulgação da PEC, uma comissão mista responsável por acompanhar a evolução dos precatórios da União.
A medida visa prevenir "surpresas" com relação ao montante das dívidas, como teria ocorrido neste ano. O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ter recebido como um "meteoro" a relação do montante de precatórios da União, de R$ 89,1 bilhões, para o exercício de 2022.