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Tramitam no Senado dois projetos que propõem mudanças relevantes na tributação de micro e pequenas empresas. Ambos afetam o Simples Nacional, regime especial que simplifica o pagamento de impostos federais, estaduais e municipais.
Uma dessas propostas, de interesse dos empresários, amplia o limite máximo de faturamento para que uma empresa possa se enquadrar no Simples. Na prática, isso significa carga tributária menor sobre os negócios e, portanto, menos dinheiro entrando nos caixas dos governos. O regime especial já é a maior renúncia tributária federal: neste ano, segundo a Receita, a União deixará de arrecadar R$ 88,5 bilhões, valor que não considera uma eventual correção na tabela.
Por outro lado, um projeto de interesse dos governos estaduais permite a cobrança da diferença de alíquotas do ICMS nas vendas de um estado para o outro, a chamada Difal, o que hoje não ocorre nas operações que envolvem empresas do Simples. O que significa mais dinheiro para os governos estaduais e mais carga tributária sobre o consumo.
Projeto amplia para R$ 5,7 milhões o limite de faturamento do Simples
A proposta mais avançada é o Projeto de Lei Complementar 127/2021, que eleva em 18,75% os limites de enquadramento das microempresas e empresas de pequeno porte. Ele já foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) e recebeu emendas parlamentares no plenário pouco antes o início do recesso, no fim de dezembro do ano passado.
A inflação acumulada desde a última correção da tabela do Simples, em janeiro de 2018, é de pouco mais de 31%, segundo o IBGE. O objetivo do projeto é reduzir essa defasagem e permitir o ingresso de mais empresas no regime tributário. Pelo texto, o faturamento anual bruto máximo das microempresas subirá de R$ 360 mil para R$ 427,5 mil, e das empresas de pequeno porte, de R$ 4,8 milhões para R$ 5,7 milhões.
Com os aumentos de preço dos últimos anos, empresas tiveram um aumento nominal no faturamento. Muitas passaram a faturar acima dos limites do Simples Nacional, perdendo direito ao regime especial e passando a ser tributadas nos regimes de lucro real ou lucro presumido, em que a carga de impostos e a burocracia são maiores.
Muitos empresários passaram a pagar mais imposto sem ter um aumento real nas receitas, diz Hadler Favarin Martines, membro do comitê tributário e empresarial do Instituto de Executivos de Finanças do Paraná (Ibef-PR) e sócio da consultoria PwC. É o mesmo que ocorre com a falta de correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, que a cada ano eleva o número de contribuintes e o imposto devido.
“O governo acaba sempre se beneficiando, porque vai protelando esse tipo de atualização. [Esse projeto de lei] era para ter sido votado no ano passado, e agora vai ficar para essa nova legislatura, que terá de retomar toda a discussão e aprovar com maioria no Senado”, diz Martines.
Se o projeto for aprovado como está ainda neste ano, só poderá entrar em vigor em 2024, quando a defasagem será ainda maior. O ideal, analisa Martines, seria a criação de um mecanismo de reajuste automático desses limites, por meio de uma legislação complementar à LC 123/2006, que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.
O diretor-tributário da Confirp Contabilidade, Welinton Mota, conta que a falta de correção da tabela faz muitos empresários abrirem novas empresas apenas para "diluir" o faturamento e, assim, não serem desenquadradas do Simples.
“O empresário acaba abrindo uma nova empresa no nome da esposa, de algum parente, e isso é muito comum por conta dessa falta de atualização. A lei não pode demorar tanto para ser corrigida, para se adequar à inflação”, explica.
Para Martines, o desenho dos regimes tributários acaba "segurando" o crescimento das empresas brasileiras. As que deixam o Simples não apenas pagam impostos maiores, mas também têm mais despesas com obrigações legais e emissões de diferentes guias de tributos.
"Na prática, o Simples incentiva a pequena empresa a ficar pequena e desincentiva a ganhar produtividade e escala. Saindo do Simples, o empresário vai para um cenário mais complexo, tem que ter um setor mais específico de contabilidade, apurar os impostos de uma maneira mais complexa”, analisa.
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Nova tabela do Simples afetaria a arrecadação do governo em meio ao ajuste fiscal
Pelo lado do governo federal, a correção dos limites de enquadramento no Simples Nacional afetaria a arrecadação de impostos num momento em que a Fazenda tenta o oposto, ou seja, incrementar receitas. Esse é o cerne do pacote fiscal apresentado pelo ministro Fernando Haddad.
O projeto de lei que atualiza as tabelas do Simples não menciona os impactos que a correção pode causar na renúncia fiscal já calculada para 2023. "Esses limites são a critério do legislador, e a tabela vai estar defasada sim. Mas também não há uma garantia de que essas correções vão passar no Congresso", explica Mota, da Confirp Contabilidade.
Veja a seguir quanto o governo deixou de arrecadar a cada ano com a renúncia fiscal do Simples Nacional. Os dados são da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, à exceção do valor de 2018, informado pela Instituição Fiscal Independente (IFI):
João Elói Olenike, presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), avalia que é um erro pensar em aumento de renúncia fiscal com a atualização da tabela do Simples Nacional. Para ele, a correção é um direito das empresas que, na ponta final da venda, podem praticar preços mais baixos, gerando um aumento de consumo e, consequentemente, da arrecadação de impostos.
“É um direito que está sendo reconhecido agora, tardiamente, e ainda num valor menor do que efetivamente é de direito. Não tem o que falar em renúncia fiscal. Esse dinheiro que o governo está deixando de arrecadar em um primeiro momento vai ficar com as empresas e as pessoas físicas, gerando mais renda e mais consumo lá na frente, com mais arrecadação de ICMS, IPI, PIS, Cofins, entre outros impostos diretos e indiretos”, diz.
Projeto da Difal eleva carga tributária e tende a encarecer produtos
O Projeto de Lei Complementar 33/2021, por sua vez, implanta uma cobrança a mais de impostos nas vendas de um estado para o outro. Ele estende às optantes do Simples a cobrança da Difal, a diferença de alíquotas do ICMS entre os estados. A proposta encontra-se na CAE do Senado.
De acordo com o texto do senador Cid Gomes (PDT-CE), o ICMS passará a ser cobrado em toda “operação interestadual envolvendo mercadoria destinada a consumidor final não contribuinte”.
“O ICMS cobrado de uma venda dentro do estado costuma ser maior do que para fora, e essa recomposição pode passar a ser prevista em lei para que o consumidor final do outro estado pague essa diferença aplicada na origem. Ela será considerada na precificação do produto, com a empresa repassando para o valor final cobrado”, explica Martines.
Os estados tentaram implantar essa medida há dois anos, por meio de convênio do Confaz, mas a iniciativa foi barrada no Supremo Tribunal Federal (STF) por não ter respaldo em uma lei complementar ao Estatuto da Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.
Para o presidente-executivo do IBPT, a incidência da Difal nas vendas das empresas optantes pelo Simples Nacional é um "tiro no pé". "As empresas do Simples vão repassar no custo a Difal, encarecendo a mercadoria ou produto para o consumidor final. Os preços vão subir, o que provoca um aumento da inflação, e as empresas deixam de vender. E isso gera uma retração no consumo, diminuindo o faturamento e a arrecadação de impostos”, diz.
Cálculos feitos pela Secretaria de Estado da Fazenda de Roraima, anexados ao projeto, apontam que os estados deixaram de arrecadar R$ 9,8 bilhões ao ano com a proibição do STF, e que, por isso, o Congresso “necessita urgentemente aprovar as leis complementares” (veja na íntegra) . Um requerimento semelhante foi redigido pelo governo do Distrito Federal (veja aqui) , também pedindo urgência na aprovação da cobrança da Difal.