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Técnicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) assinaram uma carta em que denuncia o que seria propaganda política em uma publicação oficial do órgão. O levantamento anual “Brasil em Números 2024” foi lançado nesta terça (28) e, segundo os servidores, contém informações com viés político ao estado de Pernambuco.
O estado é governado por Raquel Lyra (PSDB), uma das poucas integrantes do partido que declarou boas relações com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e que está sendo cortejada a migrar para o PSD, que faz parte da base governista.
Segundo a carta assinada por dois gerentes do IBGE, Ana Raquel Gomes da Silva e Leonardo Ferreira Martins, e que a Folha de S. Paulo teve acesso, a publicação estaria em desacordo com as boas práticas institucionais e comprometeria a imparcialidade do instituto.
O trecho contestado pelos servidores trata especificamente das deficiências de habitação e saneamento básico do Nordeste, mas com uma melhora tocada pelo governo de Pernambuco.
“O Brasil em Números, do ano passado, revelou, por exemplo, que o Nordeste é a segunda região com o maior déficit habitacional do País e lidera o número de casas sem abastecimento de água. O Governo do Estado de Pernambuco tem resolvido esse déficit com as ações do Programa Morar Bem, a maior política habitacional da história do estado. Uma de suas modalidades, o Reforma no Lar, realiza serviços de engenharia e arquitetura nas residências localizadas em lugares vulneráveis, como os morros e as encostas”, aponta trecho do prefácio assinado por Raquel Lyra (veja na íntegra).
Os servidores denunciam que a inclusão do texto caracteriza propaganda política dentro de um material que deveria manter neutralidade técnica. De acordo com eles, a publicação costuma trazer textos, por exemplo, de acadêmicos, e não de cunho político.
“Conteúdos de tal natureza, característicos de campanhas eleitorais, não se coadunam com a neutralidade técnica que deve nortear a produção editorial do IBGE, sobretudo em uma publicação com abrangência geográfica nacional”, diz o documento. A apuração procurou o IBGE e o governo de Pernambuco, mas sem resposta até a publicação.
Ainda de acordo com os servidores, o anuário consta uma nota informando que as opiniões expressas são de responsabilidade dos autores, mas os técnicos argumentam que isso não justifica a inclusão inédita de um texto com caráter político.
A contestação ressalta que a Gerência de Editoração e a Gerência de Sistematização de Conteúdos Informacionais já haviam alertado, ainda em novembro, sobre a inadequação do material.
“Em face, porém, da solene indiferença às argumentações técnicas de ambas as áreas quanto à conotação política do prefácio hoje [terça] divulgado, restou-nos apenas este espaço [carta] em que nos manifestamos para alertar sobre os riscos decorrentes da quebra do princípio da impessoalidade e da perda de autonomia técnica no trabalho, ora vivenciados”, afirmam os servidores.
A crise no IBGE se agravou neste mês com a saída de vários diretores, que alegaram discordâncias com a gestão do presidente do instituto, Marcio Pochmann. Entre as críticas, está a falta de diálogo na implementação de projetos como a criação da Fundação IBGE+, que permitiria a captação de recursos privados para pesquisas e levantamentos.
A direção do IBGE rebateu as acusações, afirmando que a fundação busca mitigar as restrições orçamentárias do órgão e acusando opositores de disseminarem desinformação. Pochmann ainda foi defendido por entidades de esquerda, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e as frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular.