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A ata da primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) sob o comando de Gabriel Galípolo mantém o tom de alerta sobre os riscos da política fiscal do governo, uma constante durante a gestão de Roberto Campos Neto, e destaca a piora do cenário de inflação.
Galípolo foi indicado ao cargo pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que nos dois primeiros anos de mandato foi crítico contumaz da política de juros do Banco Central, então sob a direção de um escolhido do presidente Jair Bolsonaro (PL). Com a renovação do comitê após o fim de mandatos de outros diretores, agora as decisões sobre os juros são tomadas por sete indicados de Lula e dois remanescentes do governo anterior.
Por ora, a autoridade monetária segue o script desenhado nos últimos meses do ano passado. A taxa básica de juros (Selic) começou a subir em setembro, quando estava em 10,5% ao ano, e agora acumula quatro altas consecutivas.
No encontro da semana passada, o colegiado – responsável pelas decisões de política monetária do Banco Central – elevou a Selic em 1 ponto porcentual (pp), para 13,25% ao ano, conforme havia "prometido" em dezembro. A decisão foi unânime. A ata publicada nesta terça-feira (4) mantém a indicação de outro aumento de 1 pp na próxima reunião, em março.
No entanto, o Copom optou por não apontar que decisão pode tomar na sequência – isto é, nos encontros de maio em diante.
"Para além da próxima reunião, a magnitude total do ciclo de aperto monetário será ditada pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta e dependerá da evolução da dinâmica da inflação (...), das projeções de inflação, das expectativas de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos", diz o texto.
Ata do Copom destaca aumento de preços de alimentos e serviços e pressão sobre produtos industriais
O ponto mais incisivo da ata do Copom diz respeito à piora do cenário de inflação, ressaltando o aumento dos preços de alimentos, possíveis altas em produtos industrializados, a aceleração da inflação de serviços e as revisões – para cima – nas projeções do mercado financeiro para o IPCA.
"Os preços de alimentos se elevaram de forma significativa, em função, dentre outros fatores, da estiagem observada ao longo do ano e da elevação de preços de carnes, também afetada pelo ciclo do boi. Esse aumento tende a se propagar para o médio prazo em virtude da presença de importantes mecanismos inerciais da economia brasileira", aponta o documento.
"Com relação aos bens industrializados, o movimento recente do câmbio pressiona preços e margens, sugerindo maior aumento em tais componentes nos próximos meses. Por fim, a inflação de serviços, que tem maior inércia, segue acima do nível compatível com o cumprimento da meta em contexto de atividade dinâmica e acelerou nas observações mais recentes", prossegue a ata.
Texto ressalta desancoragem das expectativas de inflação e vê descumprimento da meta
O texto do Copom observa que as expectativas de inflação subiram "de forma significativa em todos os prazos" e ficaram ainda mais desancoradas, ou seja, mais distantes da meta perseguida pelo BC – que é de 3%, com tolerância até 4,5%.
No momento, a mediana das projeções coletadas pelo Boletim Focus, do BC, indica inflação de 5,51% ao fim deste ano. "A desancoragem das expectativas de inflação é um fator de desconforto comum a todos os membros do Comitê e deve ser combatida", afirma a ata.
O documento observa que, se concretizadas as projeções, a inflação em 12 meses ficará acima do teto de 4,5% nos próximos seis meses. Assim, em junho ficaria configurado o "descumprimento da meta sob a nova sistemática".
Antes, para cumprir a meta, bastava ao Banco Central levar a inflação ao objetivo no fim do ano-calendário. A nova sistemática, por outro lado, tem caráter contínuo e obriga o BC a monitorar, a cada mês, o IPCA acumulado dos 12 meses anteriores. A meta será considerada descumprida caso esse indicador fique acima da tolerância por seis meses consecutivos.
Política fiscal continua afetando preços e expectativas, diz Copom
Em relação às contas do governo, a primeira ata do Copom assinada por Gabriel Galípolo repete recados que já havia dado em encontros anteriores. Classifica a política fiscal de "expansionista" (ou seja, busca impulsionar o crescimento econômico) e afirma que ela tem dado suporte ao consumo e à demanda, junto com o mercado de trabalho "robusto" e o avanço nas concessões de crédito.
O colegiado ressalta a "necessidade de políticas fiscal [a cargo do governo] e monetária [por parte do BC] harmoniosas", e afirma que "a percepção dos agentes econômicos sobre o regime fiscal e a sustentabilidade da dívida seguiu impactando, de forma relevante, os preços de ativos e as expectativas".
Trata-se de uma forma de dizer que, na percepção do mercado financeiro, o governo Lula não demonstra compromisso com uma contenção mais firme de seus gastos, o que sugere que o aumento da dívida pública vai persistir por um bom tempo. E isso piora os "preços de ativos" – como, por exemplo, a taxa de câmbio.
A consequência é que, para baixar a inflação, o Banco Central precisa levar os juros a um nível mais alto do que seria necessário caso o governo gastasse menos.
"O esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, com impactos deletérios sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre o custo de desinflação em termos de atividade", diz o texto do Copom.