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A ministra do Planejamento, Simone Tebet, defende desvincular salário mínimo de aposentadorias e outros benefícios.
A ministra do Planejamento, Simone Tebet, defende desvincular salário mínimo de aposentadorias e outros benefícios.| Foto: André Borges/EFE

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, defende desvincular do salário mínimo algumas das maiores despesas do governo: o piso das aposentadorias e pensões, o abono salarial, o seguro-desemprego e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Na prática, isso significa acabar com o aumento real concedido todos os anos a esses benefícios e dar a eles o mesmo tratamento que já é dispensado às aposentadorias e pensões acima do piso: a correção apenas pela inflação.

À medida que o salário mínimo continue subindo acima da inflação e os benefícios sejam atualizados apenas por ela, cada beneficiário passará a receber menos de um salário mínimo por mês.

"Vamos ter que fazer isso pela convicção ou pela dor", disse Tebet em entrevista ao jornal "Valor Econômico" publicada na segunda-feira (6). A ministra – responsável por um programa de revisão de gastos públicos bastante tímido até agora – disse que "não dá mais para trabalhar no varejo", isto é, com pequenas medidas pontuais, e que é preciso "colocar o dedo na ferida" das despesas governamentais.

O Regime Geral de Previdência Social – a cargo do INSS – é hoje o maior gasto do orçamento primário do governo (ou seja, sem contar os juros da dívida pública). Em 2023, ele consumiu R$ 899 bilhões, o equivalente a 42,3% das despesas primárias da União. E mais de 60% dos benefícios previdenciários correspondem ao salário mínimo – assim, sempre que ele tem aumento real, tais pagamentos sobem na mesma proporção.

Enquanto isso, BPC (pago a pessoas pobres idosas ou com deficiência), abono salarial e seguro-desemprego responderam no ano passado por 7,8% dos gastos primários, ou R$ 166 bilhões.

Tebet também avalia propor incorporar o Fundeb – o fundo da educação básica – ao piso de gastos em educação, outra medida que geraria economia de recursos.

Pela Constituição, o governo precisa gastar no mínimo 18% de sua receita líquida de impostos nessa área. Fora isso, tem de abastecer o Fundeb. Até 2020, a União participava com 10% do fundo, e os demais 90% vinham de impostos estaduais e municipais. Mas uma emenda constitucional aprovada naquele ano determinou a elevação gradual da fatia federal, que passou a 12% em 2021, hoje está em 19% e chegará a 23% em 2026.

A emenda impulsionou os gastos do governo com o Fundeb. Entre 2020 e 2023, eles saltaram de R$ 15 bilhões para R$ 37 bilhões. Nesses três anos, sua fração no bolo do orçamentou mais que dobrou, passando de 0,8% para 1,8% das despesas primárias.

Portanto, a agenda de Tebet busca modificar a fórmula de correção de despesas que correspondem a mais da metade do Orçamento. Segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, cada R$ 1 de aumento no salário mínimo eleva as despesas do governo em R$ 389 milhões.

Quer dizer: além de aumentar os desembolsos dos empregadores do setor privado, os reajustes do piso também têm forte impacto sobre as despesas do próprio governo.

Acabar com a vinculação, porém, seria uma iniciativa das mais impopulares. Antes de passar pela análise do Congresso, teria de superar o crivo do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seu partido, o PT, desde sempre defensores de aumento das despesas sociais.

Gleisi diz que ideias de Tebet são "muito ruins"

A divulgação dos planos da ministra do Planejamento provocou reação imediata da presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR). Ela disse que "são ideias muito ruins, que contrariam o programa de governo eleito em 2022".

"Se adotadas, iriam prejudicar diretamente milhões de aposentados e alunos de escolas públicas, a população que precisa ser protegida pela ação do Estado, ações estas garantidas na nossa Constituição", escreveu Gleisi na rede social X.

Tebet ressaltou, na entrevista, que suas propostas ainda vão passar pelo ministro Fernando Haddad, da Fazenda, e que quem poderá levá-las ao presidente Lula é a Junta de Execução Orçamentária, que reúne autoridades da área econômica do governo.

Haddad não deu declaração pública defendendo ou rebatendo as propostas de Tebet. Mas, na semana passada, o ministro compartilhou artigo de um economista que, entre outras medidas, recomendava justamente a desvinculação de salário mínimo e benefícios. "Recomendo este artigo de Bráulio Borges, economista da FGV, sobre a dinâmica recente das contas públicas", escreveu Haddad no X, sem mais comentários.

Paulo Guedes defendia desvinculação

Tal desvinculação não é uma ideia nova: boa parte dos especialistas em contas públicas dizem há anos que ela é fundamental para interromper a escalada de gastos do governo e garantir a sustentabilidade de qualquer regime fiscal. Ela fazia parte, por exemplo, da famosa agenda "DDD" – desvincular, desindexar, desobrigar – de Paulo Guedes, ministro da Economia de Jair Bolsonaro (PL).

Guedes não chegou a propor formalmente a desvinculação. Mas conseguiu evitar aumentos reais nos benefícios de outra forma: abandonando a política de aumento real do salário mínimo herdada das administrações anteriores. Em boa parte da gestão Bolsonaro, o piso salarial foi corrigido apenas pela inflação – o que automaticamente limitou a expansão dos gastos com Previdência, abono, seguro-desemprego e BPC.

A política de ganho real, adotada nos primeiros governos do PT, foi retomada agora na gestão Lula 3. Todo mês de janeiro, o salário mínimo recebe, além do repasse da inflação do ano anterior, um reajuste real equivalente ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes.

Embora estimule o consumo e o crescimento econômico, essa prática acelera alguns dos principais gastos do governo para além do permitido pelo arcabouço fiscal aprovado em 2023.

O novo regime determina que as despesas totais da União devem ter crescimento real ente 0,6% e 2,5% ao ano. Isso significa que, sempre que o salário mínimo tiver ganho real acima de 2,5%, todos os benefícios vinculados a ele crescerão além do limite do arcabouço. Neste ano, por exemplo, o piso salarial subiu 3% acima da inflação.

Esse descompasso comprime as demais despesas, como os investimentos, forçando o governo a limitá-las – ou a revisar as metas fiscais, como fez em abril, apenas sete meses após a sanção do arcabouço.

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