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Os impactos do que se denomina "Trumponomics" – a abordagem do presidente norte-americano Donald Trump para política econômica interna e com o resto do mundo – são ainda incertos, mas inevitáveis. Ambas as dimensões, doméstica e externa, terão reflexos para o Brasil, trazendo desafios e oportunidades.
A nova abordagem inclui a adoção de medidas protecionistas, leia-se tarifas de importação, não só contra a China, principal concorrente global dos Estados Unidos, mas todos os países – incluindo aliados históricos, como o Brasil.
Nesta segunda-feira (20), o novo presidente dos Estados Unidos sugeriu que a "linha dura" também será adotada em relação ao Brasil e à América Latina. "Eles precisam da gente muito mais do que precisamos deles. Nós não precisamos deles, eles precisam de nós. Todos precisam de nós", afirmou Trump em coletiva à imprensa.
O resultado esperado do protecionismo americano, acreditam analistas, será um menor crescimento global, queda nos preços das commodities, fortalecimento do dólar e desvalorização de moedas emergentes como o real.
Luciano Telo, executivo-chefe de investimentos (CIO) para o Brasil no UBS Global Wealth Management, destaca os reflexos para o cenário macroeconômico brasileiro. Segundo ele, a adoção de tarifas trará um potencial inflacionário para a economia americana, o que deve dificultar a redução de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA).
Esse movimento do Fed, ressalta, além de redirecionar investimentos dos emergentes para países mais seguros, vai exigir maior restrição monetária no Brasil.
“O que acontece é que quando os juros nos Estados Unidos são mais altos, o mundo todo tem que trabalhar com juros mais altos”, destaca. “Então se o Brasil já está subindo juros por uma questão interna, para combater a inflação alta, o Banco Central vai ter que provavelmente ficar com esses juros altos por mais tempo em função dessa política essa implementada nos Estados Unidos.”
Juros internos ainda estão sendo precificados
Trump espera resolver o problema da inflação doméstica controlando gastos e desregulamentando a economia, o que deve trazer mais eficiência para as empresas. No entanto, isso não é imediato.
“A melhora de eficiência e a condição de sustentabilidade da economia demora mais tempo para ser implementada, mais difícil”, explica Telo. “Tem um hiato de tempo em que haverá um pouco mais de inflação nos Estados Unidos e isso vai levar a conviver com juros altos.”
Os últimos dados da atividade econômica dos EUA já vieram fortes, com criação de novas vagas de emprego acima das expectativas. Além disso, a promessa de Trump de deportação em massa de imigrantes ilegais deve pressionar o mercado de trabalho e aumentar o custo da mão de obra, gerando mais inflação.
Nesse cenário, o Fed já reduziu a projeção de quatro cortes de 0,25 ponto na taxa de juros em 2025 para apenas dois. Mas alguns analistas do mercado americano já falam em apenas um.
“Em algum momento da discussão, você não vai ter mais corte de juros nos Estados Unidos”, acredita o executivo. “A inflação já está caindo mais lentamente do que o imaginado e terá até uma subida da inflação no curto prazo, em função da implementação das tarifas.”
Telo lembra que as expectativas de juros no Brasil ainda estão sendo formadas e nem o próprio BC sabe precisar quanto tempo permanecerá a alta. “Fala-se em Selic de até 16% ao longo de dois anos”, diz. “Mas não há garantias que este seja um patamar de estabilização. As expectativas de inflação futura estão em andamento. Enquanto isso, o mercado vai pedindo mais prêmio.”
Daí a importância, segundo ele, de o governo Lula sinalizar um ajuste fiscal para o equilíbrio das contas públicas, inclusive para fortalecer a posição do país em outras esferas de negociação.
“O cenário externo é de um ambiente mais hostil, mais difícil para você navegar”, afirma. “Então você não pode cometer erros de política interna. O primeiro passo necessário é resolver a questão fiscal. Com a casa mais organizada, você tem um câmbio mais forte, juros mais baixos, e mais condição de negociação de qualquer país do mundo. Enfim, fazer o dever de casa.”
Trump tem abordagem "transnacional"
No âmbito comercial, se por um lado uma guerra de tarifas com os chineses poderia beneficiar as exportações brasileiras, especialmente no setor agrícola, no longo prazo, os desafios tendem a aumentar. Um deles é a abordagem “transnacional” defendida por Donald Trump para as negociações e ausência de organismos globais para mediações de interesses. O republicano trata o comércio internacional como uma sequência de negociações individuais.
Em recente Relatório da Eurasia Group, intitulado “Top Risks 2025”, a consultoria aponta o déficit de liderança global, apelidado de “G-Zero”, em contraposição aos grupos G7 e G20. O cenário descrito é de um ambiente onde não há um grupo de países capaz de enfrentar os desafios globais, seja em segurança, finanças ou comércio. Essa abordagem rompe com a postura adotada pelos Estados Unidos desde o fim da Segunda Guerra Mundial, que consolidava um relacionamento não só comercial, mas diplomático, focado em parcerias.
Para Luciano Telo, no longo prazo, essa visão promoverá um outro equilíbrio geopolítico. “O que a gente consegue perceber desses movimentos é que aparentemente vai ser um mundo menos multilateral e com mais países com esferas de influência”, constata. “O que os Estados Unidos estão tentando fazer é passar de mensagem que o hemisfério ocidental é a esfera de influência deles e vão exercer essa liderança sozinho, não através daqueles instrumentos que se usavam antes.”
“A dúvida, a partir de agora, é se essa mensagem implica que a China também vai ter esfera de influência dela na Ásia, ou a Rússia a dela no leste europeu. O Brasil precisa passar mensagens que quer fazer comércio com todos”, ressalta.
Alinhamento com Brics pode ser de "alto risco"
Nesta segunda-feira (20), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desejou a Trump um mandato “exitoso” que promova “que contribua para a prosperidade e o bem-estar do povo dos Estados Unidos e um mundo mais justo e pacífico”.
“Em nome do governo brasileiro, cumprimento o presidente Donald Trump pela sua posse”, disse o mandatário brasileiro em suas redes sociais, pouco depois de Trump ser empossado no Capitólio, sede do Congresso americano.
Poucas horas antes, em reunião com os ministros em Brasília, Lula já havia ressaltado que não queria “brigas” com Trump, apesar de suas profundas diferenças ideológicas.
Para Alex Agostini, economista-chefe da Austin Ratings, a parceria do Brasil com os Estados Unidos é histórica e não deve ser abalada com Trump. O país é nosso segundo parceiro comercial, atrás da China. E a relação com o Brasil é superavitária para os EUA.
“O que o Trump está fazendo é jogar temores aos ventos para depois sentar na mesa e negociar”, afirma. “Até porque é impossível ele abrir mão de comprar produtos brasileiros, como por exemplo o nosso petróleo.”
Para Roberto Azevedo, ex-diretor da Organização Mundial do Comércio (OMC), o alinhamento do Brasil ao Brics, grupo de países emergentes que se contrapõem a hegemonia americana, traz para o país um cenário de “alto risco”.
“Os Brics são entendidos como antagônicos aos Estados Unidos, não como um ‘broker’, como um mediador entre China e EUA, até pela própria composição dos países que estão ali na sua maioria”, disse Azevedo em entrevista à CNN.
“Acho que é muito improvável que você veja medidas adotadas pelo governo americano e pela equipe econômica do Trump que sejam favoráveis ao Brasil. O Brasil não faz parte do círculo de amigos, dos ‘friends’ do mundo ocidental tradicional alinhado ao ideário norte-americano. E tampouco somos vistos hoje como neutros", afirmou o ex-diretor da OMC.
"A percepção é de que o Brasil hoje está mais do lado de lá do que do lado de cá, está mais para 'eles' do que para 'nós'. E isso traz desafios importantes para não só a política externa brasileira, mas para a economia brasileira e para os investidores”, completou.