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Quase um ano após as primeiras promessas de lançamento do “Voa Brasil”, que prevê passagens aéreas a R$ 200 por trecho para determinados grupos de passageiros, o programa ainda não decolou. E sua implantação ficou ainda mais difícil com o agravamento da crise do setor aéreo.
A ideia surgiu logo no começo do governo, quando o ministro dos Portos e Aeroportos era Márcio França (PSB). Com o substituto, Sílvio Costa Filho (Republicanos), a pasta manteve a rotina de promessas, mas o programa segue no papel.
Lançamentos do programa chegaram a ser previstos para agosto, setembro e, mais recentemente, fevereiro. Segundo a assessoria do ministério, o anúncio do programa será feito em nova data a ser definida após o carnaval. “Estamos buscando uma data que seja compatível com a agenda de todos os envolvidos”, informou a pasta à Gazeta do Povo.
O programa deve ser voltado a aposentados do INSS que recebam até dois salários mínimos e estudantes do Programa Universidade para Todos (ProUni). Costa Filho disse, em janeiro, que, dependendo dos resultados, buscará expandi-lo em colaboração com as empresas aéreas.
O objetivo do Voa Brasil é incluir de 2,5 a 3 milhões de novos passageiros no mercado da aviação brasileira, abrangendo aqueles que não viajam há mais de um ano ou nunca utilizaram a aviação comercial. No ano passado, foram transportados 112 milhões de passageiros.
Especialistas são críticos em relação ao programa. A tentativa de “democratizar” o setor aéreo implica em riscos: ao beneficiar alguns grupos de consumidores, pode levar a aumento de preços para os demais passageiros.
Momento é desfavorável para o setor aéreo
O adiamento do programa "Voa Brasil" coincide com um momento desfavorável para a aviação. No quarto trimestre de 2023, a plataforma Consumidor.gov.br registrou 82,5 reclamações para cada 100 mil passageiros transportados, um aumento de quase 10% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Outro problema foi a forte elevação dos preços das passagens aéreas. Em um ano, elas subiram em média 26%, segundo a última medição do IBGE, em janeiro.A Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) aponta que o preço médio da tarifa aérea doméstica estava, em novembro, em R$ 702,70. Na ocasião, mais da metade (51,7%) dos bilhetes comercializados em 12 meses custou até R$ 500. E 7% acima de R$ 1,500 mil.
Um dos "vilões", segundo as empresas aéreas, é o combustível. Segundo a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), o querosene de aviação (QAV) responde por 41% dos custos e despesas operacionais.
Segundo a base de dados da Anac, o preço médio do QAV era de R$ 5,37 por litro em novembro de 2022. Baixou a R$ 3,41 por litro em julho de 2023. E depois chegou a R$ 4,40 em novembro.
Porém, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, sustenta que o QAV não é fator preponderante para a crise das áreas. Dias atrás, ele disse que a estatal baixou o preço em 41% ao longo de um ano, até o início de fevereiro.
A questão é tratada como relevante do governo. Apesar de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dizer que não haverá recursos do Tesouro para as empresas aéreas e a Petrobras afirmar que não vai baixar o preço de combustível para ajudar o segmento, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou na terça (6), a criação de um grupo de trabalho junto ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) para estudar formas de reduzir o custo do QAV.
Outro problema enfrentado pelas empresas aéreas é a judicialização das reclamações dos passageiros. Segundo o ministro Sílvio Costa Filho, 8% dos processos judiciais do mundo contra companhias de aviação ocorrem no Brasil. As demandas absorveriam cerca de R$ 1 bilhão por ano do segmento.
No fim de janeiro, Costa Filho anunciou que o governo federal pretende criar um fundo de financiamento de até R$ 6 bilhões para a aviação. A criação estaria sendo articulada com Haddad e o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante.
Aéreas dizem que fundo de socorro não é suficiente
Segundo o colunista Lauro Jardim, de “O Globo”, em conversas privadas as empresas aéreas alegam que não têm como participar do Voa Brasil enquanto não receberem auxílio do governo – a começar pelo pacote financeiro de R$ 6 bilhões para que possam se capitalizar e renegociar dívidas.
Mesmo o pacote é considerado insuficiente pelas companhias. Em entrevista à “Folha de S.Paulo”, Jerome Cadier, presidente da Latam, a maior companhia aérea brasileira em participação de mercado, disse que a medida não vai solucionar os problemas estruturais que encarecem a passagem. Ele cobra medidas para reduzir custos operacionais – como, por exemplo, o combustível.
A situação mais delicada é a da Gol, a segunda maior do Brasil em participação de mercado, que tinha no terceiro trimestre um passivo de R$ 33,3 bilhões e um patrimônio líquido (diferença entre o que tem e o que deve) negativo em R$ 17 bilhões, segundo demonstrações contábeis encaminhadas à Anac.
A empresa entrou com pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos, em 25 janeiro, para poder renegociar as suas dívidas. Foi a mesma estratégia adotada pela Latam, no primeiro semestre de 2020, em decorrência dos efeitos da pandemia. O processo foi concluído em novembro de 2022.
A Azul, a terceira maior empresa aérea brasileira, optou por reestruturar sua dívida. A divulgação da conclusão das negociações foi feita em outubro de 2022. Segundo a agência de notícias Reuters, apenas com arrendamento de aeronaves houve uma redução de pagamentos de R$ 1 bilhão por ano.
Um levantamento feito pelo presidente da Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (Alta), José Ricardo Botelho, mostra que entre 2010 e 2022 as empresas aéreas brasileiras acumularam um prejuízo de R$ 54 bilhões, com apenas três anos de lucro líquido (2010, 2017 e 2019).
Nos três primeiros trimestres do ano passado, segundo a Anac, os prejuízos somaram R$ 1,5 bilhão. “Estamos diante de uma realidade que exige ação imediata para reverter o quadro. E todos estão emitindo os mesmos sinais de alerta: os custos operacionais, judicialização, segurança jurídica para investimento e a ausência de uma visão estratégica para um serviço público essencial em um país continental como o Brasil”, diz Botelho.