A aprovação do projeto de lei que regulamenta a educação domiciliar no Paraná contou com vários ineditismos e aumentou o protagonismo do estado no debate nacional sobre a modalidade. Embora ainda falte a sanção do governador, o parecer positivo emitido pela Secretaria de Educação do estado durante a tramitação na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) nos permite supor certa boa vontade do governador Ratinho Jr. em não vetar a pauta.
Se nas próximas semanas tudo correr dentro do que a situação aparenta, o Paraná se tornará o primeiro estado brasileiro a dispor de uma lei, aprovada numa assembleia legislativa, que regulamente a prática. É verdade que a lei do Distrito Federal – cuja tramitação pude acompanhar bem de perto – veio antes, mas o DF tem suas peculiaridades. É um distrito, não um estado, e por isso não dispõe de assembleia legislativa.
É impossível falar da tramitação do homeschooling no Paraná sem destacar o impressionante feito político do deputado estadual Márcio Pacheco, autor do projeto, que conseguiu a adesão de 37 coautores em seu texto – 68,5% de toda a ALEP – incluindo nomes fundamentais para uma aprovação segura, como a do presidente da CCJ, Fernando Francischini, e o presidente da Assembleia, Ademar Traiano. Foi uma construção habilidosa que precisa ser reconhecida.
Após a sanção, a oposição provavelmente seguirá o mesmo roteiro usado pelo sindicato de professores no Distrito Federal. Vão entrar com uma ação na Justiça alegando inconstitucionalidade da matéria e pedindo sua derrubada. No DF, os desembargadores não cederam à pressão por uma liminar e acolheram a sensata sugestão do MPDFT que recomendou a suspensão da ação por 180 dias, prazo suficiente para que o Congresso Nacional decida sobre os rumos do tema na casa. Na prática, a aprovação de uma lei federal sobre o tema dispensaria o tribunal de julgar o caso.
Além disso, há quem veja esperança no acórdão emitido pelo Tribunal e Justiça do Paraná no caso da ação que derrubou a lei municipal sobre homeschooling de Cascavel. Naquele documento, o tribunal explicitou a fragilidade da jurisdição do município para tratar do tema, mas mencionou a competência concorrente da União, Estados e do Distrito Federal para legislar sobre educação. Alguns juristas veem nisso uma sinalização de que o TJPR não derrubaria uma lei a respeito da modalidade se esta fosse aprovada pela Assembleia Legislativa.
Independentemente do que o tribunal decidir, a lei de homeschooling do Paraná também é importante para dois deputados federais com enorme poder decisório sobre uma possível regulamentação nacional. A relatora do PL 3179/2012, Luísa Canziani, e o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, ambos paranaenses e cientes do destaque que o tema ganhou no estado em que vivem seus eleitores.
Os problemas enfrentados pela tramitação do homeschooling no Congresso Nacional foram abordados no último artigo e, apesar do atraso em relação ao planejamento original, a pauta não morreu. Sendo assim, a aprovação da lei paranaense funciona bem como impulso político para a retomada do tema.
É óbvio, contudo, que as diferenças entre Alep e o Congresso Nacional são enormes, o que resultará, inevitavelmente, num texto federal mais rigoroso do que aquele que foi possível aprovar na Alep. A começar pelo número de parlamentares, o que afeta profundamente a viabilidade de acordos amplos: 54 deputados estaduais, contra 513 deputados federais, sem contar os 81 senadores. Além disso, as grandes organizações privadas que atuam no campo da educação, e que se opõem ao homeschooling por motivação comercial, não se interessam tanto pelas casas legislativas locais, mas atuam com toda a força de seu lobby em Brasília. O mesmo se pode dizer das federações de sindicatos e outros grupos de influência no campo da esquerda. Esses já rotularam a pauta como pró-Bolsonaro, não poupam esforços para difamá-la e não costumam se sensibilizar com o drama das famílias perseguidas.
Contudo, considero que o elemento mais relevante para expor como a batalha em nível federal é mais difícil tem a ver com o relacionamento entre Poder Executivo e Legislativo. No Paraná, durante toda a tramitação, não houve uma vinculação direta da pauta do homeschooling com o governo do estado. No entanto, se houvesse, é altamente provável que o texto seria aprovado sem grandes problemas, dado o histórico de vitórias que o governo Ratinho registra nas votações de seu interesse na Alep.
No Congresso Nacional, a situação é bem diferente. A pauta é oficialmente do governo, está inclusa na lista de prioridades entregues pelo presidente Bolsonaro ao presidente da Câmara, Arthur Lira, e é gerenciada pelo líder do governo na casa. Em outras gestões, essa circunstância seria quase uma garantia de aprovação, mas a gestão Bolsonaro tem demonstrado até aqui uma preocupante tendência para a derrota em pautas consideradas controversas. São muitos os projetos enviados ao Congresso que geraram enormes expectativas populares e acabaram frustradas. O que aconteceu ao voto impresso e à MP das redes sociais são apenas os exemplares mais recentes de como o governo Bolsonaro tem dificuldades monumentais em fazer avançar o que propõe, especialmente quando essas matérias são vistas como direcionadas ao seu eleitorado.
É com essa realidade que precisamos lidar para obtermos a lei federal. Por isso, comemoremos a lei do Paraná como uma vitória brilhante, trabalhemos para que seja sancionada e mantida pela Justiça, mas não sejamos ingênuos em achar que o mesmo feito pode ser repetido, do mesmo modo, numa arena tão distinta como é o Congresso Nacional.
Jônatas Dias Lima é jornalista e presidente da Associação de Famílias Educadoras do Distrito Federal (Fameduc-DF). E-mail: jonatasdl@live.com
Bolsonaro “planejou, dirigiu e executou” atos para consumar golpe de Estado, diz PF
Governadores do Sul e Sudeste apostam contra PEC de Lula para segurança ao formalizar Cosud
Congresso segue com o poder nas emendas parlamentares; ouça o podcast
Juristas dizem ao STF que mudança no Marco Civil da Internet deveria partir do Congresso
Deixe sua opinião