Na condição de presidente de uma associação que reúne famílias praticantes e defensoras da educação domiciliar, recebo com frequência mensagens de pais e mães, provenientes de várias cidades do país, cujos filhos estudam em escolas, mas que gostariam de migrar para o homeschooling. Muitos deles, contudo, ficam profundamente decepcionados ao se darem conta de que, como não há uma legislação nacional sobre a modalidade, o ato de tirar os filhos da escola e passar a educá-los em casa, hoje, na maior parte do Brasil, torna-os automaticamente infratores de pelo menos duas leis: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), pois ambas estabelecem a obrigatoriedade da matrícula de crianças em escola.
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Alguns decidem prosseguir, mesmo cientes de que podem ter problemas com a Justiça. Outros, com pesar - mas também com prudência - ,escolhem não fazer a mudança agora e passam a torcer para que a prometida lei que vai ampará-los venha logo. É principalmente a esse segundo grupo que, aparentemente, o Ministério da Educação de Milton Ribeiro escolheu abandonar.
A lei que regulamentará a educação domiciliar no Brasil, obviamente, não atenderá apenas aquelas famílias que já praticam a modalidade e que compõem grupos organizados para reivindicar determinado modelo de legislação. A lei estabelecerá o direito de educar em casa a todos os brasileiros que fizerem essa opção e aceitarem seguir as regras estabelecidas, para que os direitos da infância sejam assegurados. Muitos desses, hoje, são pais e mães cujos filhos estudam na escola e não entram nas estimativas sobre “famílias educadoras” do Brasil. Trata-se de uma multidão silenciosa que aguarda a lei para, só então, entrar nessa categoria.
No entanto, apesar dessa realidade inegável, dentro do Ministério da Educação há quem não se importe em verbalizar a falácia de que, se não for a lei ideal, melhor manter sem lei nenhuma. É uma postura irresponsável e cruel, que deixa à míngua tanto aqueles que sonham com uma legislação que lhes permita aderir em segurança à modalidade, como aqueles que já enfrentam processos judiciais ou outras formas de perseguição por causa da opção que fizeram.
Reportagem recente da Gazeta do Povo mostrou como estão os bastidores das negociações sobre a regulamentação da educação domiciliar na Câmara dos Deputados, uma das prioridades do governo federal apresentadas ao presidente Arthur Lira no início de 2021. Em resumo, a maior parte dos entes governamentais envolvidos nas discussões (MMFDH, Casa Civil, Segov, liderança do governo) já formaram consenso sobre o texto que deve ir à votação, e, por eles, o projeto já teria avançado. O órgão que travou o processo foi o MEC de Milton Ribeiro, que parece disposto a sabotar tudo o que foi construído até o momento para insistir num modelo politicamente inviável, mas que satisfaz as vontades de um restrito grupo de influência, o mesmo que na última década monopolizou o tema e acumulou derrotas em tudo o que tentou no Congresso Nacional. Se não conseguirem emplacar o texto que querem, há quem esteja disposto a derrubar o projeto, alegando, dogmaticamente, que “é o melhor para as famílias”.
Por mais positivos que sejam algumas iniciativas da atual gestão do MEC, não custa lembrar que, desde o início do governo Bolsonaro, o saldo de vitórias do ministério em pautas que precisavam passar pelo parlamento é minúsculo. Sem entrar no mérito de cada uma delas, recordo, por exemplo, que a medida provisória da carteirinha digital, em 2020, caducou. Outra MP, a que permitia ao governo indicar reitores sem eleição, chegou a ser devolvida ao ministério pelo Senado e o texto final da Lei do Fundeb aprovada pelos parlamentares ficou bem longe daquilo que o MEC queria. Em outra arena, e já sob a gestão de Ribeiro, o ministério chegou a tentar instituir uma cadeira para a educação domiciliar no Fórum Nacional de Educação (FNE) e, mais uma vez, foi derrotado. Trata-se de um histórico nada animador para quem fica até grato com cartilhas e vídeos sobre homeschooling, mas precisa mesmo é de uma lei aprovada no Congresso.
É hora de acabar com a intransigência, de tomar um choque de realidade, de contar votos e de mirar em resultados. O tempo para isso está acabando.
Jônatas Dias Lima é jornalista e presidente da Associação de Famílias Educadoras do Distrito Federal (Fameduc-DF). E-mail: jonatasdl@live.com
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